Mais um estudo alerta sobre o impacto climático da pecuária

A criação de gado produz apenas uma fração do suprimento global de proteínas. Na média mundial, 1 g de proteína / pessoa / dia provém de animais exclusivamente alimentados com pastagem, em comparação com 32 g / pessoa / dia provenientes de todas as fontes de animais (incluindo peixes) e 49 g / pessoa / dia de fontes vegetais. No que diz respeito ao uso da terra, no entanto, os ruminantes ocupam coletivamente cerca de 1/4 da superfície utilizável da Terra. Ou seja, não é possível continuar consumido carne e produtos lácteos na atual tendência de crescimento e obtê-las somente através de sistemas de manejo baseados em pasto (mesmo com alimentação adicional de subprodutos agrícolas e resíduos alimentares) sem que isso cause mudanças devastadoras no uso da terra.

 

Além do impacto sobre uso da terra, a pecuária é responsável por 14,5% das emissões globais dos gases de efeito estufa gerados pela atividade humana, sendo um dos que mais contribuem para a mudança climática. A crescente demanda por carne e lácteos é, portanto, extremamente problemática à luz da necessidade de limitar o aquecimento global abaixo do objetivo acordado internacionalmente de 2 graus centígrados. Olhando para o espaço de emissão máximo de emissões em 2050 que o objetivo do Acordo de Paris permite, fica claro que se forem mantidas as atuais projeções de demanda para produtos de origem animal, 1/3 do total de emissões permitidas naquele ano será ocupado pelos animais.

 

Embora inúmeros estudos científicos comprovem que o gado alimentado com pasto seja ainda pior em termos de produção de carne ou leite por unidade emitida de gases de efeito estufa, cresce o número de partes interessadas que argumentam que a pastagem pode sequestrar o carbono da atmosfera. Os principais argumentos são que as terras sobre as quais esses animais pastam também contêm grandes reservas de carbono e que as ações de pastoreio de animais podem ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono através do “seqüestro de carbono no solo”.  Inspirados por ideias sobre o “gerenciamento holístico do pasto” defendidas por Allan Savory, entre outros, alguns defensores de sistemas alimentados com pasto ainda argumentam que pastorear bem os bovinos pode levar a um seqüestro de carbono alto o suficiente para compensar todas as outras emissões de ruminantes e, assim, resolver os problemas climáticos.

 

Para responder a esta questão, um time internacional de cientistas trabalhou durante dois anos, analisando argumentos e contra-argumentos à luz da melhor ciência para chegar a uma resposta autorizada e baseada em evidências para a questão do papel do pasto na produção de carne.  Os resultados são conclusivos: a contribuição potencial dos ruminantes alimentados com pasto para o seqüestro de carbono do solo é pequena, limitada no tempo, reversível e substancialmente ultrapassada pelas emissões de gases de efeito estufa que elas geram.

 

Os ruminantes (tanto em pastejo quanto em outros sistemas de produção) contribuem com 80% das emissões totais de gado – as quais, por sua vez, somam 14,5% de todos os gases de efeito estufa produzidos pela atividade humana. O manejo do pasto poderia potencialmente, e mediante premissas muito generosas, compensar entre 20 a 60% das emissões médias anuais da própria pecuária alimentada com pastagem, ou seja, algo entre 4-11% das emissões totais de gado e entre 0,6 e 1,6% das emissões anuais totais produzidas pela atividade humana, para o qual, naturalmente, outros animais contribuem.  Embora o pastoreio de gado tenha um papel benéfico a desempenhar em alguns contextos, e uma melhor gestão do pasto seja um objetivo que vale a pena, quando se trata de mitigação do clima, sua potencial contribuição é menor.

 

Então, se o gado com pastagem não é uma solução para as emissões de ruminantes, mudar o consumo mundial de carne de ruminantes para outras espécies, como galinhas e porcos poderia ser? Os autores do estudo alertam que esta não é uma estratégia sem custo. Os aumentos rapidamente crescentes na demanda por carne de porco, carne e ovos de aves de galinha, principalmente produzidos de forma intensiva, juntamente com carne bovina e leite intensamente produzida, estão impulsionando a demanda por novas terras agrícolas para cultivar lavouras destinadas à ração animal. Isso coloca pressão sobre a terra existente e impulsiona a depuração dos ecossistemas para novas terras agrícolas. Os sistemas intensivos de produção animal também estão associados a outras preocupações, como a resistência aos antibióticos e o bem-estar dos animais, não explorada neste relatório.

 

“Este relatório conclui que o gado com pastagem não é uma solução climática. O manejo de gado agrava o problema climático, assim como a criação de outros animais”, destaca a Dr. Tara Garnett, outra autora principal do estudo. “O aumento da produção e consumo de animais, seja qual for o sistema de criação e o tipo de animal, está causando a liberação prejudicial de gases de efeito estufa e contribuindo para mudanças no uso da terra. Em última análise, se indivíduos e países com alto consumo desejam fazer algo positivo para o clima, manter seus níveis de consumo atuais e simplesmente mudar para rebanhos alimentados com capim não é a solução. Comer menos carne, de todos os tipos, é.”

 

 

Sobre o estudo

 

“Grazed and Confused? Ruminating on cattle, grazing systems, methane, nitrous oxide, the soil carbon sequestration question – and what it all means for greenhouse gas emissions” é o mais recente relatório da Rede de Pesquisa Climática sobre Alimentos da Universidade de Oxford. Ele foi escrito pela Dra. Tara Garnett, da Rede de Pesquisa Climática sobre Alimentos da Universidade de Oxford, Cécile Godde, da agência científica nacional australiana CSIRO e contou com o apoio de uma equipe de especialistas internacionais.  O relatório resulta de dois anos de colaboração estreita entre pesquisadores das Universidades de Oxford, Aberdeen e Cambridge no Reino Unido; Wageningen University & Research na Holanda; Universidade Agrícola Sueca; CSIRO na Austrália e o Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica (FiBL) na Suíça. Destina-se aos decisores políticos, à indústria alimentar, à sociedade civil e a todos os que se preocupam com o futuro do uso da terra, as mudanças climáticas e o papel dos animais em um futuro alimentar sustentável.

 

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