O que esperar da COP23

O Acordo de Paris foi celebrado em dezembro de 2015 e ratificado menos de um ano depois, em novembro de 2016.  Essa celeridade, no entanto, não significa um caminho sem obstáculos. Apesar de todos os esforços, as metas nacionalmente determinadas não são suficientes para manter o aquecimento médio da temperatura terrestre em 1,5oC.  Segundo o relatório Emissions Gap, da ONU Meio Ambiente, os compromissos nacionais resultam em apenas um terço da redução das emissões exigida até 2030 para atender as metas climáticas.  Além disso, a descarbonização avança a passos muito lentos, com subsídios bilionários mantendo os combustíveis fósseis na matriz energética global. Mas o evento mais marcante foi a decisão do então recém-eleito presidente dos EUA, Donald Trump, de tirar o segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa do Acordo.

 

A rodada global de negociações climáticas de 2017 – a COP23, que será realizada entre 6 e 17 de novembro em Bonn, na Alemanha – acontece em meio a turbulências políticas. No front europeu, temos uma Alemanha que acaba de sair das eleições com um perfil mais conservador e uma Grã-Bretanha que optou pela saída da União Europeia. No front asiático, a crescente tensão com a Coreia do Norte envolve pesos-pesados das negociações climáticas: China, EUA, Japão e Rússia. Isso sem falar no recrudescimento da tensão nas relações entre Irã e Arábia Saudita. São rusgas que parecem distantes das negociações climáticas? #sqn! O objetivo final é descarbonizar o planeta, ou seja, mudar completamente nossa matriz energética. Estamos, portanto, falando de petróleo.  E conhecemos bem a íntima relação entre esta commodity e os conflitos pós-Segunda Guerra Mundial.

 

Mas vale lembrar que, do ponto de vista do calendário das negociações, a COP23 é, em sua essência, uma conferência intermediária. A ‘lição de casa’ da Conferência de Bonn inclui trabalhar sobre os detalhes do Acordo de Paris: avançar nas diretrizes de transparência, no futuro de um fundo de adaptação para ajudar os países pobres a lidar com os efeitos do aquecimento global, os prazos para o cumprimento dos compromissos e nos planos para o chamado Diálogo de Facilitação que acontecerá no próximo ano, além de avaliar como os países estão progredindo em direção a seus compromissos em Paris.

 

Boa parte das negociações se centrará em torno do Livro de Regras (rulebook) de Paris e do Diálogo de Facilitação. Até o momento, o trabalho que antecede a Conferência resultou em esqueleto razoável para ambos.

 

As negociações sobre a transparência – ou a garantia da integridade das ações de mitigação dos países, uma prioridade perene dos Estados Unidos – estão transcorrendo sem problemas. As discussões sobre o modo como o Fundo de Adaptação das Nações Unidas servirá o Acordo de Paris, por outro lado, não contam com a mesma fluência.

 

Um detalhe que pode fazer a diferença: esta conferência é a última antes do início do processo de “stocktake” previsto no Acordo de Paris, pelo qual os países (partes) avaliarão como suas NDCs se somam para o cumprimento dos objetivos de curto prazo do acordo e para o objetivo de longo prazo que busca zerar as emissões líquidas na segunda metade deste século. O primeiro “stocktake” propriamente dito acontecerá em 2023, enquanto em 2018 será iniciado um “diálogo facilitador” para este processo. Nesse sentido, vale a pena conferir o Emissions Gap Report da ONU Meio Ambiente. A edição deste ano conclui que as metas do Acordo de Paris só somam um terço do necessário para se atingir os objetivos do acordo, porém aponta para soluções viáveis que podem colocar o mundo na rota da descarbonização e cobra a responsabilidade dos chamados atores não nacionais (cidades, estados, empresas, investidores).

 

Vale a pena também ficar de olho em estudos e análises sobre reduções adicionais de emissões, porque o cumprimento da promessa de Trump de tirar os EUA do Acordo representa um fardo maior sobre as demais nações para cumprir as metas do Acordo de Paris a partir de 2020.

 

O anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris deu um tempero político a este encontro burocrático e gerou perguntas óbvias. Por exemplo, o que esperar da delegação norte-americana? Com a decisão de saída dos EUA, como se comportarão países mais relutantes, como Arábia Saudita e Rússia? O controvertido presidente da Turquia, Erdogan, cumprirá sua promessa de não ratificar o Acordo de Paris? Qual será a força da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA )e de seus membros mais arrojados, Bolívia e Venezuela?

 

Para quem acompanha as negociações climáticas, muitas das respostas às perguntas acima serão blefes – dificuldades criadas para negociar facilidades. Essa é a essência do jogo diplomático, que ainda é pautado pela defesa dos chamados ‘interesses nacionais’, mesmo em um assunto claramente global e no qual não há ganhadores e perdedores: ou todos ganham, ou todos perdem.