Acordo de Paris: o que o mundo anda fazendo e dizendo

Marchers make their way across Central Park South during the People's Climate March on September 21 2014, in New York. Activists mobilized in cities across the globe Sunday for marches against climate change, with one of the biggest planned for New York, where celebrities, political leaders and tens of thousands of people were expected. The march comes before the United Nations Secretary-General Ban Ki-moon convenes a climate change summit of 120 world leaders . AFP PHOTO/Timothy A. Clary (Photo credit should read TIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images)

Enquanto lá fora sobram indicativos de que o mundo está se esforçando no caminho da descarbonização, por aqui os sinais são escassos e não resistem a uma análise mais atenta

 

Este texto é para ser lido com um lenço ao alcance das mãos. Trata-se de uma compilação de várias ações que empresas, instituições financeiras, cidades, estados e outros países estão empreendendo para descarbonizar a economia e colocar o mundo a caminho de um aumento médio da temperatura terrestre inferior a dois graus centígrados.  

 

É certo que muito mais ainda precisa ser feito: as contribuições nacionalmente determinadas que embasam o Acordo de Paris não são suficientes para a meta que ele se propõe. Daí a crescente importância dos chamados atores não nacionais – e é um pouco do que essa miríade de protagonistas está fazendo que você verá a seguir.  

 

O lenço poderá ser usado quando você babar, ou para enxugar as lágrimas, se durante a leitura perceber que no Brasil não se está fazendo quase nada. O último inventário das nossas emissões feito pelo SEEG não deixa dúvidas sobre isso.

 

Estados e cidades dos EUA seguem agindo, apesar de Trump:

 

– Vários estados norte-americanos estabeleceram suas próprias metas de corte de emissões de CO2, incluindo a Califórnia, Havaí, Massachusetts, Nova York e Minnesota. O Havaí e a Califórnia planejam gerar 100% da eletricidade a partir de fontes renováveis em 2040 e 2045 respectivamente.

– Várias cidades dos EUA têm seus próprios planos de redução de emissões de carbono. A cidade de Nova York quer reduzir suas emissões em 80% até 2050, e Los Angeles está desenvolvendo um plano para a geração de 100% da sua eletricidade a partir de fontes renováveis. Um grupo de cidades que busca reforçar os esforços de corte de emissões, o Mayors National Climate Action Agenda, já tem mais de 380 membros.

– A US Climate Alliance, uma coalizão bipartidária de 14 estados aos quais se juntou Porto Rico, e a Climate Mayors, uma coalizão de 381 prefeitos que representam 67,9 milhões dos norte-americanos, lançaram declarações em outubro prometendo seguir com o Plano de Energia Limpa de Obama.

– Depois do anúncio de retirada dos EUA do Acordo de Paris feito por Trump, o governador de Washington, Jay Inslee, disse que “ouvimos que o presidente quer empunhar a bandeira branca da rendição. Nós queremos mandar uma mensagem para o mundo: Não vamos nos render”.

– 21 dos 27 estados que originalmente assumiram o Plano de Energia Limpa (CPP) estão já a caminho de reduzir suas emissões para um nível tal que fará as metas da regulação serem cumpridas.

 

Grandes negócios dos EUA cada vez mais se comprometem com o corte de emissões proposto pelo Acordo de Paris:

 

We Are Still In, coalizão de empresas, estados e cidades criada depois do anúncio de Trump, junta já mais de 2.500 membros que desenvolvem centenas de ações climáticas.

– Grandes empresas dos EUA – incluindo Apple, Facebook, Google, Microsoft e Walmart – estão comprando diretamente eletricidade renovável e comprometidas a suprir toda suas necessidades energéticas a partir de fontes renováveis. A Google é o maior consumidor de energia do mundo e planeja usar somente eletricidade renovável já a partir deste ano de 2017.

– Mais de mil grandes negócios, incluindo Ebay, Gap, General Mills, Intel, Kellogg’s, L’Oreal, Levi’s e Unilever prometeram “fazer nossa parte, nas nossas próprias operações e além delas, para concretizar o compromisso do Acordo de Paris de construir uma economia global que limite a elevação da temperatura a bem menos que 2oC “.

– A aviação internacional, incluindo as aéreas dos EUA, chegou a um acordo para corte de suas emissões como parte de um plano internacional à margem do Acordo de Paris.

– As empresas dos EUA estão entre as mais ambiciosas no estabelecimento de metas de corte de emissões, de acordo com uma pesquisa do CDP. Empresas dos EUA representam 20% da lista de empresas globais consideradas como tendo os planos ambientais mais ambiciosos.

 

Vários líderes internacionais fizeram neste último ano declarações relevantes para o Acordo de Paris:

 

– O presidente da China, Xi Jinping, disse que todos os signatários do Acordo de Paris devem se ater aos termos do Acordo. O principal negociador climático chinês, Xie Zhenhua, enfatizou que a China está preparada para “assumir sua responsabilidade internacional”.

– O comissário europeu para o clima disse que o compromisso da UE com Paris é “irreversível”.

– O vice primeiro ministro australiano disse que seu país se manterá no Acordo de Paris e o ministro de energia que o governo australiano não fugiria de sua meta para as energias renováveis.

– O ex-presidente francês, François Hollande, descreveu o Acordo como “irreversível depois da eleição de Trump.

– Líderes do Canadá entraram em acordo para entregar um plano para alcançar as metas do plano de Paris um mês depois da eleição de Trump.

– Parlamentares do México, de Fiji, Indonésia, e Coréia do Sul patrocinaram uma resolução no Fórum Parlamentar Ásia-Pacífico, demandando que as nações ratifiquem o Acordo de Paris.

– Os estados do Golfo Pérsico declararam que não negociarão o Acordo de Paris.

– Em resposta ao anúncio de Trump, os líderes da Alemanha, Itália e França distribuíram uma declaração conjunta reafirmando seus compromissos com o Acordo de Paris. Angela Merkel qualificou o anúncio de Trump como “extremamente lamentável”.

– Também em resposta ao anúncio de Trump, o Itamaraty soltou um comunicado oficial manifestando “profunda preocupação e decepção” com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

– Os governos da Índia e da União Europeia distribuíram uma declaração conjunta sobre energia limpa e mudança climática, prometendo aumentar a cooperação para alcançar os objetivos de Paris.

– A Nicarágua assinou o Acordo de Paris em outubro de 2017. Isto significa que os EUA planejam se juntar à Síria na qualidade de serem as únicas duas nações que não fazem parte do Acordo.

– 66 países ratificaram o Acordo de Paris desde que Trump foi eleito, incluindo Austrália, Itália, Espanha e Reino Unido.

 

Também foram feitos vários anúncios relevantes de novas políticas climáticas:

 

– A China postergou a instalação ou parou a operação de 151 termelétricas a carvão em resposta a uma baixa demanda por esta forma de energia. Como o país já excedeu suas metas solares para 2020, duplicou estas suas metas.

– A Índia está fechando 37 minas de carvão e cancelando projetos de termelétricas a carvão, para se focar em geração solar de eletricidade.

– O presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, anunciou o fechamento de 10 termelétricas a carvão.

– O Reino Unido e o Canadá conjuntamente prometeram abandonar progressivamente a geração a carvão e conclamaram os demais países a fazer o mesmo.

– A Itália está desenvolvendo planos para abandonar a geração a carvão até 2025.

– A Suécia se comprometeu a ser neutra em carbono até 2045 – reforçando o compromisso feito junto ao Acordo de Paris.

– A primeira ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou que vai estabelecer uma meta para fazer seu país neutro em carbono até 2050.

– 12 grandes cidades, incluindo Londres, Los Angeles, Paris e Vancouver, assinaram uma declaração por ‘ruas livres de combustíveis fósseis’, na qual prometeram só comprar ônibus de emissão zero a partir de 2025 e criar zonas livres de emissões geradas pela queima de combustíveis fósseis a partir de 2030.  

– Vários países anunciaram datas a partir das quais a venda de novos carros a gasolina e diesel serão proibidas, entre eles China, França, Índia, Holanda, Noruega e Reino Unido.

– A França anunciou planos para parar com a exploração de petróleo e gás natural até 2040.

– A União Europeia se comprometeu com medidas de proteção dos oceanos que incluem a limitação do impacto das mudanças climáticas.

 

E o mundo dos negócios globais está se mexendo:

 

– Em janeiro de 2017, o Deutsche Bank anunciou que pararia de financiar projetos de carvão como parte dos seus compromissos com o Acordo de Paris.

– Companhias internacionais que valem US$ 3,3 trilhões chegaram a um acordo para disponibilizar informações sobre como as mudanças climáticas afetarão sua performance financeira.

– A seguradora francesa Axa anunciou que cortará investimentos na indústria do carvão da ordem de US$ 192,72 milhões.

– Os acionistas da Exxon votaram pelo apoio a uma resolução que demanda que a empresa relate os riscos colocados pelas alterações tecnológicas e políticas globais de limitação da mudança climática.

– Mais de 80% das grandes empresas da Índia têm metas de redução de emissões, de acordo com uma pesquisa feita em outubro de 2017.

– A DONG, empresa dinamarquesa do setor de petróleo e gás, está deixando de operar nos dois setores para se focar na geração eólica de eletricidade.

 

Enquanto isso, no Brasil:

 

Por mais que tenhamos nos esforçado, somente conseguimos localizar dois anúncios relevantes no Brasil:

 

– O BNDES, em outubro de 2016, declarou que não mais financiaria termelétricas a carvão e que priorizaria projetos de energia solar.

– A EPE disse que seu PDE 2026 está em conformidade com os compromissos do Brasil junto ao Acordo de Paris.

 

Esta quase ausência de ação climática no Brasil, tanto por parte de governos quanto pelo setor privado, só poderia dar no crescimento acumulado de 12,3% nas emissões de 2015 e 2016, mesmo com uma recessão brutal que fez o PIB cair nestes dois anos em 7,4 pontos percentuais.

 

Talvez o fato das emissões brasileiras de gases de efeito estufa serem em 74% responsabilidade da atividade agropecuária crie (quase que literalmente) uma cortina de fumaça que ajuda os demais atores da economia a se esconderem de suas responsabilidades. Já passou do tempo dos grandes atores econômicos arregaçarem as mangas e agirem pela estabilização do clima do planeta.