A CELESTIAL GENEROSIDADE DO GOVERNO MATO-GROSSENSE
Todo mundo merece uma segunda chance. Este parece ser o mote do governo do Mato Grosso, que concedeu uma nova licença de exploração florestal para o madeireiro Hidemar Finco, autuado e embargado pelo Ibama por fraudar documentos e roubar árvores da Terra Indígena (TI) Parque do Aripuanã.
Mas a boa fé governamental não para por aí: só no ano passado, a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) autorizou a extração de 7.117.049 m3 de árvores nativas, inclusive dentro de terra indígena, o que é proibido por lei.
Tamanha generosidade rendeu frutos, ou melhor, toras: embora detenha apenas 18% da região, autorizou um volume maior do que a soma dos demais oito estados da Amazônia Legal. Segundo o Ibama, o estado não tem floresta suficiente para a quantidade de extração autorizada. Ou seja, ou estamos diante de uma boa-fé celestial, ou de uma fraude diabólica com guias emitidas pelo governo.
NO ANIVERSÁRIO DE SÃO PAULO, UM ALERTA SOBRE ÁGUA
Lembra da crise do sistema Cantareira, na capital paulista? Ela pode se repetir. Nos últimos meses as chuvas ficaram 20% abaixo da média. Junto com o crescimento do consumo, isso fez com que o maior manancial da cidade chegasse ao fim de janeiro com apenas 46,6% de sua capacidade (sem considerar a reserva do chamado volume morto). Esse nível é classificado por órgãos reguladores como “estado de atenção” e se aproxima do “alerta”, que é acionado abaixo dos 40% e impõe mais restrições de retirada de água das represas. Apesar de ainda não ter chegado tão perto do fundo do poço mais uma vez, a retirada de água já é controlada por agências estaduais e federais e já suscita disputas. Como o Cantareira abastece tanto São Paulo como Campinas, o consórcio de recursos hídricos que representa prefeituras e entidades civis daquela região divulgou uma nota alertando a população sobre a possibilidade de uma nova crise hídrica no estado na qual citou o La Niña, que pode deixar a região sudeste mais seca. Em resposta, a Sabesp disse que a área desse consórcio poderia ter economizado mais água no ano passado. Deixando o bate-boca de lado, e o impacto sobre uma possível campanha eleitoral do governador paulista, resta um vácuo sobre a gestão da água na maior cidade da América Latina. Nem uma palavra é dita sobre as fontes e rios que existem dentro da região metropolitana – e que levaram José de Anchieta e Manuel da Nóbrega a se estabelecerem por aqui, quase cinco séculos atrás. Do lado do consumo, a situação não é melhor. Como a matéria da Folha mostra, a Grande SP consumia uma média de 71 mil litros de água por segundo antes da crise. Com as campanhas e incentivos à economia, esse número baixou para 50 mil litros, mas já está de volta aos 62 mil litros por segundo depois do fim da política de descontos para quem economiza água e de restrições de acesso. O único front no qual se avança, ainda que a passos claudicantes, é no aumento da oferta, esquecendo que água é um recurso finito.
NORDESTE À BEIRA DO COLAPSO HÍDRICO
Oito anos separam dois recordes do Castanhão, o maior açude do Nordeste: 97,64% de volume útil, em 2009, e 2,37%, no final de 2017. Após sete anos de estiagem, uma em cada três represas do Nordeste está completamente vazia. Metade (55%) está com nível inferior a 10% de sua capacidade. A polêmica transposição do São Francisco, que tem contribuído para a agonia do maior rio do Nordeste, tampouco está ajudando, porque a adutora do Agreste teve seu andamento comprometido pelo estrangulamento dos repasses federais. Gado, lavoura, indústria, pessoas, todos sofrem, menos a chamada ‘indústria da seca’: no ano passado, somente o governo federal gastou R$ 90 milhões com caminhões-pipa que abasteceram 818 municípios.
À SOMBRA DA TRAGÉDIA DE MARIANA
Uma magistral matéria da agência Pública conta as mazelas enfrentadas por uma comunidade de Conceição do Mato Dentro, MG, depois da implantação, há dez anos, de um dos mais polêmicos projetos de mineração do país, o Minas-Rio. Idealizado por Eike Batista, o projeto hoje é um dos principais do portfólio mundial da Anglo-American. A empresa é responsável por toda a operação, das minas em Conceição do Mato Dentro, passando pelo mineroduto de mais de 500 quilômetros que transporta o minério de ferro até o porto de Açu, no Rio de Janeiro, até o terminal de exportação.
Espera-se para este mês a liberação da licença de ampliação da produção das minas em aproximadamente 60%, das atuais 16 a 18 milhões de toneladas por ano para 26,5 milhões. Para isso, estão previstos o alargamento das cavas de exploração e o alteamento da barragem de rejeitos, que ganhará 20 metros. Com isto a barragem terá capacidade para armazenar rejeitos em quantidade equivalente a quatro barragens como a do Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, protagonista do maior acidente ambiental do Brasil.
A comunidade de 400 moradores que vive a jusante da barragem, e pode ser atingida por eventuais vazamentos, está preocupada, quem não estaria?
O projeto detonou um conflito na região de Conceição do Mato Dentro que parece longe do fim. A mineradora e outras três empresas terceirizadas já foram autuadas até por manter trabalhadores em situação análoga à escravidão. Desde que começou a ser implementado, o projeto é marcado por polêmicas e denúncias de violações aos direitos humanos, sendo que quatro proprietários em disputa com a empresa estão atualmente num programa de proteção do governo estadual por ameaças de morte.
https://apublica.org/2018/01/a-sombra-da-tragedia-de-mariana/
MACRON E MODI, OS PORTA-VOZES DO CLIMA EM DAVOS
Sobrou para o presidente francês, Emmanuel Macron, e para o primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, incluírem o tema das mudanças climáticas em Davos. Ambos citaram o desafio climático em seus discursos, respectivamente no segundo e no primeiro dia do Fórum. Ecoando o discurso dos países em desenvolvimento, Modi cobrou mais ação por parte das nações desenvolvidas. Macron ecoou a mensagem ao pedir mais união em torno do tema e enfatizar que não existe oposição entre produtividade e enfrentamento do aquecimento do planeta.
Mas o grande evento climático de Davos acontece hoje, 25, quando painelistas de alto nível de vários setores debaterão como atores nacionais e não-nacionais podem acelerar o Acordo de Paris em 2018. O evento, que terá transmissão pela internet, contará com a participação dos ex-vice-Presidente norte-americano Al Gore, da diretora executiva do Greenpeace International, Jennifer Morgan, do chairman do Mahindra Group indiano, Anand Mahindra, do governador de Washington, Jay R. Inslee, da SIPA Environmental Fellow da Universidade de Columbia, Risalat Khan e do CEO da seguradora AXA, Thomas Buberl.
http://www.wri.org/events/2018/01/stepping-climate-action
DAVOS: PORQUE 2018 É O ANO PARA OS NEGÓCIOS SE ENGAJAREM NA AÇÃO CLIMÁTICA
Às vésperas da sua reunião anual, o relatório do Fórum Econômico Mundial dizia que dos oito maiores riscos colocados para a economia mundial em 2018 com máximo impacto e probabilidade de ocorrência, sete são ligados à mudança do clima. Seguindo nesta linha, um artigo do seu presidente, Andrew Steer, divulgado na 2a feira, chama as empresas globais a darem um passo no combate ao aquecimento global ainda este ano. Para Steer, as novas políticas e tendências de mercado mostram que a transição para uma economia de baixas emissões de carbono está se acelerando em todo o mundo, mas não rápido o suficiente, de modo que serão necessárias ações aceleradas no curto prazo e uma ambição nacional aprimorada a longo prazo. Steer diz que as empresas globais têm um papel crítico neste processo, já que muitas delas são responsáveis por emissões equivalentes às de muitos países. Ele lembra que, de agora até 2030, serão investidos cerca de US$ 90 trilhões em infraestrutura e que a maneira pela qual serão conduzidos estes investimentos pode fazer toda a diferença para as emissões futuras de carbono.
A SOLUÇÃO CLIMÁTICA QUE NÃO PODE SER MENCIONADA
Apesar da elite econômica mundial muito falar do necessário “esverdeamento” do capitalismo no Fórum Econômico Mundial, a precificação das emissões de carbono, uma das ferramentas econômicas mais poderosas disponíveis para tal, raramente é mencionada.
A maioria dos economistas concorda que elevar o preço dos combustíveis fósseis e reduzir o custo relativo das energias renováveis reduzirá o carbono de forma mais econômica que quaisquer outras políticas, como bem mostra o relatório do ano passado feito pela Carbon Pricing Leadership Coalition, liderada pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Se um imposto sobre o carbono é tão atraente, por que é tão difícil implantá-lo?
Ian Lefond e Timmons Roberts, da Brown University, levantam uma lista de razões em artigo para a Climate Home. A começar pela desavença entre ricos e pobres: os países em desenvolvimento argumentam não terem criado o problema, e que tal imposto deveria recair sobre aqueles que o fizeram, os ricos; alguns dos países ricos dizem ser impossível assumir encargos que os colocariam em desvantagem competitiva.
Os autores citam a conclusão de um painel de alto nível liderado pelo ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown que investigou as opções existentes para a entrega de “financiamento climático em escala, novo e adicional, previsível e adequado”. O painel considerou vários tipos de impostos sobre o carbono, incluindo taxas aéreas e marítimas, e concluiu que praticamente todas as abordagens possíveis são politicamente inviáveis. As companhias aéreas e de navegação resistem à tributação. Os produtores de petróleo a temem e, muitas vezes, promovem campanhas para detê-la. Além disso, os apetites ou tolerâncias são muito diferentes ao largo do mundo para esse tipo de tributação, o que significa que seria difícil estabelecer um preço comum. Os autores também falam do problema existente na ponta da alocação das receitas angariadas, pois existe um desentendimento importante quanto aos usos desta renda. Outros impostos, inclusive para empresas, devem ser reduzidos em igual montante? O dinheiro deve ser reinvestido em projetos climáticos? Ou os fundos devem ser retidos para cidadãos e empresas?
Os autores também discutem no artigo precificações diferentes da promovida por impostos, como sistemas de cap-and-trade.
Difícil colocar o guizo no gato.
http://www.climatechangenews.com/2018/01/22/climate-solution-no-one-davos-will-talking/
FÓRUM APROXIMA CHINA DA AMÉRICA LATINA, INCLUSIVE NO CLIMA
Acontece nesta semana, no Chile, o Forum CELAC-China, uma das principais reuniões de cúpula agendadas para este ano na região. A mensagem chinesa foca no livre comércio, na narrativa belt and road e em como e porque a América Latina e o Caribe podem se beneficiar com isso.
Aproveitando o gancho, o jornal chileno El Mercurio perguntou ao ministro chinês das relações exteriores sobre como a China pretende fortalecer a cooperação em mudanças climáticas com a América Latina e o Caribe. Wang Yi, em bom “diplomatiquês”, respondeu dizendo que a mudança climática, desafio comum da humanidade, exige resposta de todos os países que não poupe nenhum esforço. Igualmente em desenvolvimento, a China, a América Latina e o Caribe compartilham amplos interesses comuns na luta contra as mudanças climáticas. A China está disposta a fortalecer a comunicação com os países da região em defesa dos interesses comuns dos países em desenvolvimento nas negociações sobre a implementação do Acordo de Paris, para que se produza um resultado justo e razoável antes de 2018, conforme o programado, continuando a fortalecer a cooperação Sul-Sul em face das mudanças climáticas e trocando experiências com os países da região, com o objetivo de auxiliá-los no âmbito da mitigação e da adaptação”.
Mais não disse, nem lhe foi perguntado.
http://www.economiaynegocios.cl/noticias/noticias.asp?id=436856
http://www.chinacelacforum.org/esp/
CIÊNCIA CLIMÁTICA: OS DESTAQUES DE 2017
O Carbon Brief acaba de publicar sua lista anual dos 25 mais comentados trabalhos científicos sobre mudanças climáticas publicados em 2017.
Antes de falar do paper que levou o primeiro lugar, vai uma curiosidade: o texto publicado em revista científica mais divulgado e compartilhado foi, na verdade, um comentário publicado em meados de janeiro no “Policy Forum”, da Science. “The irreversible momentum of clean energy”, do então presidente dos EUA, Barack Obama, foi matéria de 232 artigos na imprensa e foi twitado mais de 9.000 vezes.
Voltando aos papers, o primeiro lugar entre os mais comentados ficou “Global warming and recurrent mass bleaching of corals”, publicado pela Nature em março. O estudo, liderado pelo Prof. Terry Hughes, do ARC Centre of Excellence for Coral Reef Studies australiano, avaliou o impacto dos eventos de branqueamento de corais ocorridos em 1998, 2002 e 2016 na Grande Barreira de Corais. O estudo concluiu que a “ação imediata para reduzir o aquecimento futuro” é essencial para que os recifes de coral sobrevivam.
O artigo sobre os destaques da ciência climática de 2017 está no primeiro link desta nota. O segundo link leva a uma planilha com dados completos dos 25 papers de maior destaque.
https://www.carbonbrief.org/analysis-the-climate-papers-most-featured-in-the-media-in-2017
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