ClimaInfo, 23 de julho 2018

ClimaInfo mudanças climáticas

TRANSPORTE DE CARGA TEM AS EMISSÕES MAIS ESQUECIDAS

A queima de combustíveis no transporte de passageiros e cargas gera cerca de 10% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, mais do que toda a indústria. Metade das emissões do setor vem do transporte de carga e é maior do que as emissões da produção de aço e cimento, os dois subsetores industriais mais emissores. Mas não fosse pelo caos causado pelos caminhoneiros em maio, provavelmente seguiríamos dando pouca atenção a estas emissões. Na semana passada, num workshop para jornalistas, André Ferreira, do IEMA, cartografou a questão: “70% da carga geral no Brasil é produzida nas regiões Sul e Sudeste e, ao mesmo tempo, as duas regiões são o grande destino das cargas (60%), fatia que sobe para 75% se for considerado o que é exportado pelos portos do Sul e Sudeste. Estas cargas percorrem distâncias relativamente curtas, internas, nas duas regiões. Esta dinâmica reduz o potencial de se ter ferrovias nos Sul e Sudeste, que têm viabilidade econômica em distâncias mais longas”.

Interessante observar que, sempre que se fala do problema da logística no país, é mostrada a imagem de caminhões de soja atolados na Amazônia, mas o transporte de grãos equivale a menos de 6% do total de carga transportada por caminhões no país.

Nossa infraestrutura de transporte é fruto de um amontoado de projetos puxados por interesses privados, sem um eixo ordenador. Ferreira diz que “não há um projeto de Estado de logística no Brasil e não pode ser apenas de governos ou projetos”, continua. “Com logística, tem que se ter visão de longo prazo, de 30 anos, 40 anos. Não se muda uma matriz de transporte de cargas em três ou quatro anos, mas em décadas. O Brasil deveria ter um plano com horizonte para 2050”.

https://www.valor.com.br/brasil/5672643/pais-deve-limpar-matriz-energetica-partir-do-transporte-defende-instituto

 

A INSUSTENTABILIDADE DO TRANSPORTE URBANO

Se metade das emissões do setor de transporte vem da carga, a outra metade vem do transporte de pessoas, principalmente no ambiente urbano. E o emaranhado da mobilidade urbana não é menos intrincado do que a logística de carga. A Folha de S. Paulo publicou, no sábado, uma série de matérias sobre os principais gargalos do transporte urbano no país. O primeiro e, talvez, mais importante é a primazia do automóvel. Como modo, o transporte individual por automóveis é o menos eficiente no gasto de energia por passageiro-quilômetro transportado, nas emissões de gases de efeito estufa e no espaço ocupado nas vias. Assim, a primeira lição de casa é tirar o carro da rua. A prevalência do automóvel tem, também, impactos negativos sobre o transporte público, tanto na qualidade quanto na quantidade da oferta, o que impacta principalmente o usuário do transporte público, normalmente os mais pobres. A situação atual é uma espécie de espiral da morte, da qual só se sai com um forte aporte do Estado, coisa que a Europa descobriu há bastante tempo. A entrada dos aplicativos de compartilhamento não tira os carros da rua, mas “rouba” do transporte público quem pode pagar, acirrando a espiral. A matéria que fala das emissões de poluentes e de CO2 denuncia que a indústria aqui instalada produz, para exportação, ônibus com tecnologia compatível com o que há de mais avançado, enquanto vende no mercado nacional veículos de uma ou duas gerações passadas.

Falando de trilhos, vai atrasar mais um pouco um dos projetos-vitrine de Alckmin, o “Trem Intercidades”, anunciado como uma contribuição importante para resolver o transporte de passageiros na macrometrópole de São Paulo. O atraso pode levar o Intercidades a compartilhar com o trem-bala o mesmo entroncamento em alguma gaveta da administração pública.

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/07/mobilidade-travada.shtml

http://temas.folha.uol.com.br/e-agora-brasil-transporte-urbano/disputa-pelas-vias/e-preciso-conter-a-primazia-dos-carros-para-pais-ter-transporte-eficiente.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/07/faixas-e-corredores-de-onibus-de-sp-tem-menor-velocidade-desde-2014.shtml

http://temas.folha.uol.com.br/e-agora-brasil-transporte-urbano/receita-tarifaria/modelo-brasileiro-de-financiamento-do-setor-e-insustentavel.shtml

https://sobretrilhos.blogfolha.uol.com.br/2018/07/22/governo-paulista-refina-estudo-sobre-trem-entre-capital-e-interior/

 

A INDÚSTRIA APRESENTA SUA VISÃO DA PRECIFICAÇÃO DE EMISSÕES

O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) apresentou suas ideias sobre a importância da precificação das emissões de gases de efeito estufa. O documento explicita a preferência por um mercado de emissões, ao invés de mais um imposto, porque a alternativa daria mais liberdade aos agentes para buscar soluções custo-efetivas. Além disso, na crise fiscal em que o Estado brasileiro está atolado, a arrecadação de um imposto sobre emissões dificilmente seria revertida em ações de mitigação e adaptação à mudança do clima. O documento lembra que a indústria nacional, diferentemente da maioria dos países médios e ricos, responde por apenas 8% das emissões. O CEBDS aponta que será necessário criar uma governança para gerir este mercado, posto que o tema abrange várias pastas ministeriais. Como muitos documentos parecidos, sente-se falta de um encaminhamento real, dizendo quais indústrias serão obrigadas a entrar nesse mercado, quais serão isentas, e ideias de como quantificar as metas a serem atribuídas a cada uma. Na falta disto, talvez seja melhor assumir compromissos de uso de energia renovável, como os da indústria japonesa na nota mais abaixo.

http://cebds.org/publicacoes/precificacao-de-carbono-na-industria-brasileira/#.W1OD79JKjGg

https://www.valor.com.br/brasil/5672645/setor-privado-faz-propostas-para-mercado-de-carbono

 

CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL EM SÃO PAULO É ARTIGO DE NICHO E LUXO

O Secovi-SP, sindicato das empresas do setor imobiliário, estima que existem, em São Paulo, 321 edifícios residenciais e comerciais compatíveis com parâmetros de sustentabilidade internacionais. Isso corresponde a 0,8% do total de 40 mil prédios. Boa parte destes parâmetros diz respeito ao controle de temperatura e ao uso de água e eletricidade e poderia ser um capítulo importante na política climática do país. A NDC brasileira não faz menção ao assunto e, nas comunicações nacionais, a referência feita serve mais para dizer que se falou no assunto. O governo municipal de São Paulo ensaiou um IPTU verde, mas como tantas outras iniciativas do gênero, este ficou parado na irresponsabilidade da câmara municipal.

https://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2018/07/1976222-predio-sustentavel-ainda-e-raridade-em-sao-paulo.shtml

 

GERAÇÃO DISTRIBUÍDA NOS PLANOS DA CPFL E CEMIG

A CPFL avaliou o impacto da geração distribuída nas redes elétricas. Hoje, toda a energia que passa pelos fios e transformadores de uma rede urbana é controlada pela distribuidora. O que acontece quando painéis fotovoltaicos começam a injetar eletricidade em quantidade significativa na rede? O trabalho mostra que a rede consegue suportar uma penetração de até 20% de microgeração solar sem precisar de reforços. A partir daí, será necessário estudar cada configuração para investir em reforços da rede.

Já a Cemig está fazendo parcerias para ajudar a implantar um novo modelo de negócio: as fazendas solares. O comércio próximo a uma fazenda dessas podem alugar um lote dos painéis, ao invés de ter que investir em um painel próprio. A Cemig estima que, em média, a energia acaba saindo entre 15% a 20% mais barata do que a tradicional, com as mesmas garantias de suprimento que tem hoje.

https://www.canalenergia.com.br/noticias/53068807/rede-pode-suportar-ate-20-de-gd-aponta-cpfl

https://www.valor.com.br/empresas/5672619/cemig-busca-socios-para-investir-em-geracao-distribuida

 

PAINEL FOTOVOLTAICO É OBRIGATÓRIO EM CASA NOVAS NA CALIFÓRNIA

André Trigueiro escreve sobre a recente lei na Califórnia que obriga construções novas de certo porte a instalarem painéis fotovoltaicos nos tetos. Ele conta que a economia de energia estimada numa casa padrão será de US$ 80 por mês, e que a instalação, financiada por hipoteca de 30 anos, sai por US$ 40 ao mês. Isso não leva ainda em conta que o preço do painel deve cair rapidamente, posto que a demanda, segundo os fabricantes, deve crescer por volta de 45%. Até agora não se conhece nenhuma iniciativa de município brasileiro nesta direção.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/andre-trigueiro/2018/07/california-torna-energia-solar-obrigatoria-em-novas-casas.shtml

 

INDÚSTRIA JAPONESA PROMETE COMPRAR MAIS ENERGIA RENOVÁVEL

Cada vez mais indústrias japonesas estão se comprometendo com as fontes renováveis de energia. Elas prometem que, em até 30 anos, toda sua demanda de energia virá de fontes limpas. Em termos nipônicos, isso funciona como uma garantia para investidores nessas fontes e na sua armazenagem. A Fujitsu é uma das grandes provedoras de serviços na nuvem e opera grandes centros de dados. Hoje, apenas 7% da sua energia é renovável, mas tem planos para fazer uma transição completa até 2050. O grupo varejista Maruí quer chegar lá até 2030. Estas empresas aderiram ao RE100, uma iniciativa para empresas com o compromisso com a meta de 100% de renováveis. A Ricoh, fabricante de equipamentos de impressão, foi a primeira das dez japonesas a aderir. Juntas, elas consomem cerca de 12 TWh por ano. O representante da RE100 no Japão estima que, até 2020, outras 40 corporações terão aderido à iniciativa.

https://asia.nikkei.com/Business/Companies/Corporate-Japan-pledges-full-shift-to-renewable-energy

http://there100.org/

 

BAIXO CUSTO DA ELETRICIDADE RENOVÁVEL COMEÇA A VIABILIZAR DESCARBONIZAÇÃO DE PROCESSOS INDUSTRIAIS

No começo de julho, comentamos um trabalho publicado na Science, indicando ser íngreme o caminho da descarbonização da economia, com barreiras importantes a serem superadas. O trabalho diz que a descarbonização do setor elétrico caminha bem, com os preços da fonte fotovoltaica e do armazenamento caindo rapidamente. Os autores enxergam problemas maiores para o setor do aço, do cimento e da indústria química. Ontem, Chris Goodall fez um comentário interessante sobre isto: “Mesmo que o mundo seja bem sucedido na descarbonização da geração elétrica, vários setores como os de aço, cimento e químicos restam com emissões de carbono substanciais. Como diz o artigo [da Science], a eletricidade renovável barata torna possível a produção barata de hidrogênio. E, com hidrogênio barato, muitas rotas para uma descarbonização barata se tornam viáveis para a indústria”. Goodall observa que o trabalho publicado na Science usou valores altos para os eletrolisadores e para a eletricidade fotovoltaica; usando valores de hoje, algumas rotas da indústria química já são viáveis com o uso do hidrogênio.

A inscrição na lista de envio da newsletter de Chris Goodall está no primeiro link abaixo. O artigo da Science está no segundo.

https://www.carboncommentary.com/

http://science.sciencemag.org/content/360/6396/eaas9793

 

EMPRESAS SÃO AGORA OBRIGADAS A REPORTAR AÇÕES DE ADAPTAÇÃO NO REINO UNIDO

Na semana passada, o governo britânico anunciou seu plano de adaptação e passou uma lição de casa para as empresas do setor de infraestrutura. Elas estão obrigadas a, nos próximos 5 anos, reportar o que estão fazendo para se adaptar à mudança do clima. A ideia é fazer com que sejam compartilhadas – com outras empresas do setor e com o setor público – as estratégias e ações para lidar com escassez de água, enchentes, erosão e ondas de calor. Com isso, o governo espera ajudar as empresas a entender e agir num mundo de clima cambiante.

https://www.gov.uk/government/publications/climate-change-second-national-adaptation-programme-2018-to-2023

https://www.businessgreen.com/bg/news/3036233/flooding-and-heatwaves-cited-as-key-risks-in-new-climate-adaptation-plan

 

AQUECIMENTO GLOBAL: TEMPERATURAS SOBEM MAIS NO VERÃO E NO HEMISFÉRIO NORTE

O inequívoco aquecimento global não é igual para todas as regiões do planeta e para todas as estações do ano. Pesquisadores revelaram em trabalho recém publicado na Science que, em algumas regiões, as temperaturas no verão têm subido mais do que as do inverno. Entre 1979 e 2016, a diferença de temperatura entre verão e inverno foi substancialmente maior sobre a Sibéria, o nordeste dos EUA e o sudeste do Canadá. O efeito, em menor escala, também acontece sobre todo o restante do hemisfério norte, sobre o sul da África e ao longo do Chile. Mas há regiões onde a diferença entre as estações diminuiu: nos dois polos e na região do Himalaia. No Brasil, a diferença de temperatura entre as estações mudou menos. O trabalho mostra alterações um pouco maiores sobre o Maranhão e Piauí e menores sobre os estados do Sul e um pedaço do Sudeste. A razão para as alterações maiores no hemisfério norte é simples, a região tem mais áreas continentais e, portanto, menos absorção de calor pelos oceanos, o que faz a diferença de temperatura entre as estações aumentar. Mais, no inverno, há uma tendência dos ventos carregarem mais ar quente do leste para o oeste; daí o inverno na Europa ser menos frio do que na Sibéria e analogamente na região de latitudes mais elevadas na América do Norte. Nos polos, os invernos estão ficando mais quentes, formando menos gelo e, portanto, com mais superfície d’água para absorver calor da atmosfera. Assim, a diferença entre as temperaturas no inverno e no verão estão diminuindo.

http://science.sciencemag.org/content/361/6399/eaas8806

https://www.carbonbrief.org/powerful-evidence-global-warmings-effect-seasons-found-troposphere

 

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