Agropecuária e mudança do clima: informação básica

A Agropecuária e o desmatamento são as maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa no Brasil. No mundo, o cenário é diferente, as emissões mais importantes vêm da queima de combustíveis fósseis, mas as emissões globais do setor agropecuário global estão aumentando e são de difícil redução.

 

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (p.869), a produção agropecuária emite entre 10% e 12% de todas as emissões de gases de efeito de estufa (GEE) geradas pela atividade humana (emissões antrópicas). Esta proporção sobe para mais de 20% quando se inclui as mudanças no uso da terra, o desmatamento e o processamento dos alimentos. E estas emissões são crescentes: segundo a FAO/ONU, as emissões da agropecuária aumentarão em 30% até 2050.

 

A maioria das emissões da agropecuária é composta pelo metano que vem da fermentação entérica e dos dejetos da pecuária bovina e do cultivo de arroz, além do óxido nitroso que vem do uso de fertilizantes.

 

A importância da agropecuária no Brasil é muito maior que no resto do mundo: em 2016[1], a agropecuária foi responsável por aproximadamente 22% das emissões brutas e 30% das emissões líquidas de gases de efeito estufa. As emissões diretas do setor agropecuário totalizaram 499,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e), um aumento de 1,7% em relação ao ano anterior. No que toca somente à agropecuária, nosso país é o terceiro maior emissor global, atrás apenas da China e da Índia.

 

No Brasil, 2/3 das emissões da agropecuária correspondem ao metano liberado pela fermentação entérica. As emissões do cultivo do arroz não são expressivas pelo fato de parte importante da produção nacional ser feita em terras secas, onde não há a formação de metano.

 

A questão é agravada porque mesmo que fossem implantadas todas as medidas atualmente consideradas como de “custo aceitável” só se chegaria a 2/5 da meta de redução atribuída à agropecuária.

 

Todos os aspectos da segurança alimentar estão ameaçados pela mudança climática, e um aumento de temperatura entre 3°C e 4°C traz “riscos substanciais à produção global de alimentos”.

 

No Brasil, assim como em outras nações florestais, as emissões do desmatamento estão bastante ligadas à expansão da fronteira da atividade agropecuária. Em 2016 as emissões brasileiras provenientes do desmatamento representaram 51% das emissões nacionais, um crescimento de 23% em relação ao ano anterior.

 

Estima-se que a agropecuária seja diretamente responsável por 80% do desmatamento no mundo, de modo que o desmatamento e outras mudanças no uso da terra contribuem com algo entre 9 e 11% das emissões (IPCC, p.869).

 

A produção de alimentos é responsável por mais de 1/5 de todas as emissões antrópicas de gases de efeito estufa

 

Quando se contabilizam as emissões de todas as etapas da produção de alimentos, como processamento, transporte e refrigeração, a proporção das emissões da produção de alimentos aumenta. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que o setor contribua com mais de 20% das emissões globais, enquanto outros estudos estimam que esse número é ainda maior, chegando a 29%.

 

No Brasil, a indústria de alimentos e bebidas emite pouco é baixa a emissão da geração da eletricidade consumida no setor e, também, porque a principal fonte de calor da indústria é a própria biomassa. Não existem dados desagregados para o transporte de alimentos.

 

Gado, fertilizantes e mudanças no uso da terra são as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa

 

Quando florestas ou outros sistemas naturais como o cerrado e as savanas são abertos para a agropecuária, o carbono armazenado nas árvores, nos solos e na vegetação é lançado à atmosfera.

 

A agropecuária libera mais óxido nitroso e metano na atmosfera do que qualquer outra atividade humana. O metano é gerado pela fermentação entérica de bovinos e ovinos, do estrume de animais e pelo cultivo de arroz. O metano é um gás de efeito estufa quase 30 vezes mais poderoso que o dióxido de carbono[2] e foi responsável por 39% das emissões totais do setor em 2011, de acordo com FAO. O óxido nitroso é emitido pela decomposição do nitrogênio no esterco e na urina do gado e quando os nitratos de fertilizantes artificiais reagem com oxigênio do ar. O óxido nitroso é um gás de efeito estufa quase 300 vezes mais poderoso que o dióxido de carbono.

 

Emissões das fontes do setor agropecuário no mundo. As emissões de metano do rebanho bovino correspondem à ‘fermentação entérica’. Não estão incluídas as emissões do uso da terra. Fonte: FAO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Emissões das fontes do setor agropecuário no Brasil. As emissões de metano do rebanho bovino correspondem à ‘fermentação entérica’. Não estão incluídas as emissões do uso da terra. Fonte: SEEG – 2017

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As emissões agrícolas de gases de efeito estufa estão aumentando

 

As emissões de metano e óxido nitroso da agropecuária aumentaram 14% na primeira década deste século (FAO, p.20). A FAO indica que esta tendência continuará, com as emissões aumentando em 18% até 2030 e em 30% até 2050, em comparação com a década que vai de 2001 a 2010, o que torna mais difícil limitar o aumento da temperatura média global.

 

Este aumento nas emissões se deve em parte ao aumento da demanda global por alimentos em pelo menos 60% até 2050, quando comparada com 2006. Este aumento de demanda é resultado do aumento da população, do crescimento da renda e da rápida urbanização.

 

O aumento do consumo de carne nos países em desenvolvimento e outras mudanças em suas dietas também aumentam esse impacto. O consumo per capita de carne no mundo em desenvolvimento dobrou desde 1980. E deve dobrar mais uma vez até 2050, à medida que aumenta o consumo nos países em desenvolvimento.

 

Emissões da agropecuária precisam cair rapidamente para limitar o aumento da temperatura média global

 

Se o mundo quiser evitar que a temperatura média global aumente 2°C em relação à era pré-industrial, um estudo recente sugere que, até 2030, as emissões de óxido nitroso e metano precisarão cair para um quinto – de mais de 5 bilhões de toneladas de CO2e hoje para 1 bilhão em 2030.

 

É possível reduzir as emissões da agropecuária por meio de maneiras diferentes de produção de alimentos. A FAO e o órgão da ONU para o comércio, a UNCTAD, defendem um “processo  transformador” ou uma “mudança de paradigma” da agropecuária industrial para os métodos tradicionais de agropecuária que reduzem emissões. Estes incluem o uso de plantio direto para a preservação do carbono do solo e a limitação do uso de fertilizantes químicos.

 

O IPCC diz que sistemas mistos de produção – que usam técnicas como dupla colheita (safrinha) e misturas de lavouras e gado numa mesma área – podem reduzir as emissões. Conservar o carbono do solo por meio da gestão de pastos ou da recuperação de solos orgânicos também podem ser formas rentáveis de redução das emissões.

 

No entanto, esses métodos podem não ser suficientes. As melhores práticas disponíveis para a redução destas emissões a um custo razoável, mesmo se aplicadas em escala, só contribuiriam com entre 21% e 40% da redução necessária para a limitação do aumento da temperatura em 2°C, de acordo com um estudo de 2016. O estudo argumenta que são necessárias mais soluções de alta tecnologia – por exemplo, inibidores de metano para ruminantes ou variedades de trigo e milho que inibam a produção de óxido nitroso.

 

A bioenergia pode provocar mudanças no uso da terra

 

A matéria orgânica pode ser queimada em uma usina térmica para gerar bioenergia na forma de eletricidade. Se esta matéria orgânica substitui a queima de combustíveis fósseis, ela reduz as emissões dos sistemas elétricos. Uma grande variedade de materiais pode ser queimada, incluindo produtos agrícolas, resíduos florestais e agrícolas e restos de alimentos.

 

A bioenergia pode vir a competir pelo uso da terra com a produção de alimentos (IPCC, p.25). O uso da terra para culturas energéticas contribuiu para uma subida abrupta dos preços globais dos alimentos em 2008. Abrir novas áreas para o plantio de culturas energéticas pode provocar a destruição de florestas, e isto pode reduzir ou reverter os ganhos com as emissões pelo uso de bioenergia.

 

A combinação de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS) para o armazenamento do carbono liberado pela queima de biocombustíveis pode ser uma maneira de remover o dióxido de carbono da atmosfera. Tais abordagens são denominadas tecnologias de emissões negativas.

 

A limitação da elevação da temperatura em 2°C pode exigir entre 380 e 700 milhões de hectares de terra para as BECCS, conforme um estudo de 2015 – isto representa entre 25 e 46% de toda a terra cultivável do mundo. Biocombustíveis que não compitam por terras cultiváveis, como produtos florestais ou resíduos agrícolas, poderia viabilizar os BECCS em larga escala.

 

Um estudo recente concluiu que “premissas irrealisticamente otimistas com relação à disponibilidade futura dos BECCS” poderiam gerar expectativas falsas quanto à capacidade do mundo de conseguir limitar o aquecimento em 2°C; outro estudo diz que os “BECCS poderiam ter resultados tanto positivos quanto negativos em termos de carbono” dependendo de como os processos sejam gerenciados.

 

A mudança climática terá grande impacto na atividade agropecuária

 

A segurança alimentar será potencialmente impactada pela mudança climática e um aumento da temperatura global entre 3°C e 4°C imporia riscos significativos para a produção de alimentos. As evidências sugerem que a produção agrícola já está sendo afetada. De acordo com um estudo, entre 1980 e 2008 a produção de trigo caiu 5,5% e a produção de milho caiu 3,8% como resultado do aumento das temperaturas. Cientistas esperam que a produtividade das colheitas diminua ainda mais em regiões que já estão sofrendo pela falta de alimentos. A produtividade das lavouras de milho em toda a África subsaariana poderia cair até 2/5 até a metade do século, por exemplo, e a do trigo poderia cair mais de um terço até 2050.

 

O aumento da temperatura também pode aumentar o impacto da agropecuária no aquecimento global e pode estar acelerando a liberação de metano de arrozais, por exemplo.

 

No Brasil, o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas trouxe a seguinte análise: “As projeções climáticas para o Brasil, desenvolvidas a partir dos possíveis cenários considerados nas avaliações internacionais trazem preocupações quanto aos prováveis aumento médio da temperatura e diminuição da precipitação. Alguns estudos em andamento mostram que a frequência de dias com temperaturas extremas, sejam altas ou baixas, e a diminuição do gradiente de temperatura entre dia e noite, terão um forte impacto no metabolismo vegetal e no bem estar animal, com grandes impactos sobre a capacidade produtiva. Além disso, projeções apontam para alterações na distribuição sazonal da precipitação, com maior concentração de chuvas de alta intensidade em um breve espaço de tempo, ao invés de uma distribuição espaçada da chuva durante o período produtivo. Tal fenômeno poderá impactar negativamente os sistemas produtivos, visto que no Brasil, apenas 5% das áreas agrícolas são irrigadas, ou seja, 95 % da área cultivada estão sujeitas às variações naturais da chuva, tanto em quantidade, quanto na distribuição sazonal. Esse comportamento pluviométrico tem impactos negativos no sistema, seja pelo potencial erosivo das chuvas, seja pela sua ausência em períodos críticos dos ciclos produtivos.

A mudança do clima no Brasil representa aumento do risco agroclimático, resultante da redução da disponibilidade e aumento do consumo de água pelas culturas (em função do aumento das temperaturas). Alguns estudos apontam para redução das áreas de baixo risco climático para todas as culturas. Estima-se que a redução potencial pode variar entre 3 e 40%, conforme a cultura e o cenário climático considerado. O aumento da deficiência hídrica média dos cultivos leva, entre outros, a uma redução dos níveis de produtividade.”

 

[1] Os dados do Brasil foram extraídos da versão 5 do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), publicado em 2017. http://seeg.eco.br/

[2] Quando se toma um período de 100 anos.

[3] Esta estimativa da FAO é a análise mais atualizada disponível e baseada em números de 2006.