O Acordo de Paris enfrenta o populismo de direita

grafite com o beijo de Jair Bolsonaro e Donald Trump, feito no Ceará por Yuri Souza, o Bad Boy Preto, e que foi apagado Imagem do grafite com o beijo de Jair Bolsonaro e Donald Trump, de Yuri Souza, conhecido como Bad Boy Preto, feito no Ceará e que foi apagado

A ascensão de líderes populistas de direita coloca problemas para o Acordo climático de Paris e dificulta as negociações promovidas pela ONU

 

Leslie Hook para o Financial Times

 

Há três anos, mais de 150 chefes de estado se reuniram em Paris para negociar um pacto climático que, pela primeira vez, conseguiu abranger o mundo. O acordo histórico foi celebrado como um triunfo não apenas para o meio ambiente, mas também para a cooperação multilateral.

 

Ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, um Donald Trump em campanha condenava o acordo. Poucos naquele momento em Paris prestaram atenção ao candidato à presidência que ainda não havia conseguido a indicação do partido Republicano. No entanto Trump e outros líderes populistas se tornaram a maior ameaça ao pacto climático e fonte de preocupação para a continuidade das negociações deste início de dezembro de 2018 na Polônia.

 

O Acordo de Paris é um acordo de boa fé, que depende da cooperação dos vários países para ser eficaz. Cada país estabeleceu soberanamente suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa a serem implantadas a partir de 2020 quando o pacto entrar em vigor, e soberanamente estabelecerá uma nova meta – e adicional – de redução a cada cinco anos. As negociações deste ano, que ocorrem na COP24, devem chegar a um acordo sobre um conjunto de regras sobre como isso será feito, contabilizado e apresentado aos demais países envolvidos. O que deve ser escrito na Polônia são as letras miúdas que não tiveram espaço no texto original do Acordo.

 

A ascensão do populismo, dos EUA e da Europa para a América Latina e a Ásia, faz com que o pacto, construído sobre um conjunto de ideais que agora parecem escassas, pareça fragilizado. E o anúncio do abandono do Acordo feito por Trump encorajou outros líderes a serem mais críticos.

 

“É preciso uma resposta global para lidar com a mudança climática, e se você é um nacionalista, acredita que não foi para isto que veio à Terra”, disse Jerry Taylor, presidente do Niskanen Center, um think-tank de Washington, ao Financial Times.

 

Jerry Taylor, presidente do Niskanen Center, já foi negacionista da mudança climática, mas mudou de opinião devido às evidências científicas.

 

 

Taylor já foi um proeminente negacionista da mudança climática, mas mudou de opinião devido às evidências científicas. “A ascensão do populismo de direita turbina o negacionismo climático, por introduzir elementos do antielitismo e um engajamento antiglobalista”.

 

A reação política contra o Acordo de Paris coincide com um aumento nas emissões globais de dióxido de carbono, devido principalmente ao crescimento do consumo de carvão. Nas negociações climáticas anuais deste começo de dezembro de 2018 que acontecem em Katowice, uma antiga cidade carbonífera no sul da Polônia, o cenário ressalta como é difícil abandonar os combustíveis fósseis, já que uma empresa carvoeira estatal é uma das patrocinadoras da conferência.

 

Embora os signatários do Acordo de Paris se comprometam a limitar o aquecimento global “bem abaixo” de 2oC, as promessas existentes no âmbito do Acordo estão longe do suficiente para que isso seja alcançado. A avaliação científica mostra que o mundo está a caminho de mais de 3 graus de aquecimento até o final do século, se as políticas atuais persistirem.

 

A revisão e o aprofundamento das promessas de redução de emissões se tornaram ainda mais difíceis por conta da eleição de Trump ter sido seguida pelo surgimento de outros líderes nacionalistas, muitos dos quais compartilham seus pontos de vista sobre o Acordo de Paris. No Brasil, o presidente eleito Jair Bolsonaro publicamente mencionou a possibilidade de retirar o Brasil do Acordo e tem afirmado repetidamente que quer relaxar os controles sobre o desmatamento da Amazônia.

 

No final de novembro, o Brasil recuou da oferta de sediar as negociações climáticas de 2019. Izabella Teixeira, a ex-ministra do Meio Ambiente que ajudou a negociar o Acordo de Paris, diz que tem sido difícil assistir aos ataques ao Acordo climático. “Estou com medo porque você tem essa nova transição global no mundo – o que aconteceu no Brexit, nos EUA, na Austrália”, diz ela.

 

Em um número crescente de países vem tomando forma um retrocesso na ideia de coordenação da ação sobre a mudança climática global. Na Austrália, o ex-primeiro-ministro Malcolm Turnbull foi demitido em agosto depois de tentar introduzir um plano de redução de emissões. Na Alemanha, está se aproximando um confronto em relação ao carvão devido ao poder crescente da AfD, um partido de extrema-direita que propagandeia ser a mudança climática uma farsa.

 

Enquanto isso, no Canadá, o imposto sobre carbono introduzido por Justin Trudeau pode vir a ser uma questão importante nas eleições do próximo ano. E nas Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte chamou o acordo climático de “absurdo”, antes de assiná-lo em 2017.

 

“Nós realmente temos que voltar nossa atenção para como lidar com essas forças”, disse Nicholas Stern, professor de economia e governo da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, ao Financial Times.

 

“Se você é nacionalista, você não gosta de colaboração global. E o clima envolve colaboração”, diz ele. Acrescentando que “a questão é como nos levantamos contra este tipo de desafio… O Brasil será um bom teste.”

 

Lord Stern acredita que o Brasil de Bolsonaro será um bom teste de aprendizado contra a influência do populismo de direita na questão climática

 

 

Uma série de desastres naturais e incêndios florestais produziram neste ano manchetes sobre os impactos de um planeta 1oC mais quente. Um relatório da ONU divulgado em outubro concluiu que até mesmo a meta de aquecimento máximo de 2oC do Acordo de Paris teria consequências devastadoras para a Terra.

 

Para Lord Stern, “os próximos 20 anos serão, sem dúvida, mais importantes do que qualquer outro período na história”, e ele explica: porque os humanos moldarão o futuro do planeta de maneiras que podem ser irreversíveis.

 

Michal Kurtyka, presidente das negociações de Katowice, diz que os delegados estão se reunindo contra um pano de fundo muito mais deprimido. “O apetite por soluções multilaterais não é como em 2015… O clima geral é diferente.”

 

Kurtyka, um vice-ministro nomeado pela Polônia para liderar a cúpula, tem como tarefa liderar os negociadores para que cheguem a um acordo sobre o livro de regras do Acordo de Paris até o final da próxima semana. Ele disse ao Financial Times que isto será “desafiador”, mas que está esperançoso com o resultado. “No final, todos os 196 países precisam concordar”. Mas “Há muitas complexidades a serem resolvidas.”

 

Figueres: “O clima não deveria ser uma questão partidária, mas ficou vinculado à direita populista, por causa da alergia, penso eu, ao papel dos acordos multilaterais…”

A missão das negociações deste ano será “ainda mais complicada” pela nova situação política, diz Christiana Figueres, ex-chefe da secretaria climática da ONU e uma das principais arquitetas do Acordo de Paris. O livro de regras determinará como as emissões de gases de efeito estufa dos países serão relatadas, monitoradas e verificadas pelo órgão da ONU.

 

“Não teria sido tão difícil concordar com isso [o livro de regras], se não tivéssemos os resultados da eleição dos EUA”, diz Figueres. “Tecnicamente, há muito pouca preocupação. O mais lamentável é que ele (o livro de regras) foi apanhado pela política.”

 

Ela argumenta que a ascensão de Trump e de Bolsonaro tiveram um “efeito de transbordamento”.

 

“O clima, que não deveria ser uma questão partidária, ficou vinculado a esse campo ideológico, principalmente por causa da alergia, penso eu, ao papel dos acordos multilaterais… Então o clima acaba sendo um dos cordeiros sacrificados.”

 

Uma questão fundamental em discussão nas conversações deste ano é se haverá um conjunto de regras para todos ou se devem haver regras diferentes para os países em diferentes níveis de desenvolvimento.

 

A China, país que assumiu um papel de liderança nas negociações sobre o clima aproveitando a oportunidade oferecida pelos EUA de Trump, quer muito mais flexibilidade para os países em desenvolvimento, uma posição de difícil aceitação para muitos países ocidentais.

 

Xie Zhenhua, o chefe chinês do clima

 

Um dos maiores pontos de discórdia para a China é como os relatórios de emissão serão monitorados e verificados sem que haja o compartilhamento de informações econômicas confidenciais, já que Pequim não quer que sejam sondados seus dados internos, particularmente suas previsões econômicas. Na ausência da força política dos EUA, no entanto, a China poderia conseguir este objetivo, e os observadores acreditam que o resultado mais provável das negociações é um livro de regras muito mais fraco do que seria se os EUA estivessem totalmente engajados.

 

O financiamento também deve ser um ponto de discórdia, já que os países ricos ainda não disseram como vão cumprir a promessa de doação de US$ 100 bilhões por ano em ajuda climática para as nações mais pobres a partir de 2020. O déficit de financiamento esperado aumentou quando Trump retirou bilhões de dólares em financiamento climático que haviam sido prometidos pelo governo Obama.

 

“A postura autocrática de Trump encoraja outros, [especialmente] aqueles que têm uma atitude morna em relação ao Acordo de Paris”, diz Paul Bledsoe, um conselheiro climático da Casa Branca de Clinton, “isso degrada a ambição de todos.”

 

Alden Meyer, diretor de políticas da Union of Concerned Scientists, diz que todos os países acharão difícil atingir as metas de Paris. Limitar o aquecimento global em 2oC exigirá a redução das emissões para zero antes do final do século.

 

Meyer: limitar o aquecimento global “é um desafio político para qualquer forma de governo, a velocidade da mudança, a transformação, a natureza exponencial do que precisamos fazer”

 

“É um desafio político para qualquer forma de governo, a velocidade da mudança, a transformação, a natureza exponencial do que precisamos fazer”, diz Meyer, “não é uma questão somente para os governos autoritários que estão chegando, embora estes sejam claramente parte do problema.”

 

Olhando para além de Katowice, Meyer diz que o verdadeiro desafio não virá das nações que desistirem do pacto, mas sim destas e outras que o ignorem. “O mais corrosivo seria termos líderes sem nenhuma intenção de empregar a política interna para cumprir seus compromissos com Paris.”

 

Ironicamente, o Acordo de Paris foi concebido para ser flexível precisamente para assegurar aos países que não afetaria a sua soberania.

 

“Não sei o que mais você poderia fazer para apaziguar as preocupações da direita do que um acordo internacional que permita definir suas próprias metas”, diz Taylor. “Enquanto Paris foi um passo necessário… não foi de todo suficiente. Foi um passo bastante anêmico e pouco ambicioso, e o fato de que mesmo um passo anêmico e pouco ambicioso possa ser visto assim como problemático deve ser alarmante para os realistas do clima.”

 

Enquanto os negociadores se reúnem em Katowice, muitos ambientalistas ainda veem espaço para esperança. Fora do acordo climático, e no nível das nações, as cidades, dos estados e das empresas começam a serem tomadas ações por conta própria com definição de metas próprias para as emissões de carbono.

 

Embora estas ações de nível nacional, estadual e empresarial possam não alcançar exatamente os mesmos resultados esperados das políticas nacionais, ainda podem ter um grande impacto na redução de emissões, diz Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York que dedicou uma quantia considerável de sua fortuna à luta contra o carvão e a outras causas climáticas.

 

Ele reconhece os desafios enfrentados pelo Acordo de Paris. “Sim, está ficando mais difícil, isso é verdade. Mas e daí?”, diz Bloomberg, “estamos fechando usinas termoelétricas a carvão nos EUA de Trump na mesma taxa que na era Obama.”

 

O custo decrescente da energia eólica e solar e os riscos à saúde causados ​​pela queima do carvão significam que a transição para longe dos combustíveis fósseis acontecerá independentemente de quem esteja na Casa Branca, diz ele. “No final, o capitalismo está funcionando. Fazemos o que é do nosso interesse, e parar a mudança climática e melhorar o meio ambiente hoje são coisas que são do interesse público e corporativo”.

 

Nos Estados Unidos, um grupo em expansão de cidades, estados e empresas, que representa aproximadamente metade da economia norte-americana, criou uma coalizão climática informal, a We Are Still In.

 

Ativistas levantam cartazes no U.S. Climate Action Center for the “AMERICA’S PLEDGE” e do “WE ARE STILL IN” na COP23 (foto de Martin Meissner)

 

Esta visão otimista contrasta com as negociações em curso na Polônia, onde os EUA sediarão um evento para promover o carvão no dia 10 de dezembro. Nele, será apresentada uma mensagem de Trump em vídeo.

 

O centro de conferências no qual acontece a cúpula de Katowice foi construído sobre uma antiga mina de carvão, e a poluição que paira no ar mostra que a indústria pesada ainda alimenta esta parte do sul da Polônia.

 

Mas talvez a poluição do ar e as minas de carvão abandonadas sejam um lembrete apropriado do que está em jogo, já que o acordo climático global enfrenta seu – até agora – mais difícil teste.

 

Artigo originalmente publicado no Financial Times: https://www.ft.com/content/acd0e8b6-f3d2-11e8-ae55-df4bf40f9d0d