ClimaInfo, 18 de dezembro de 2018

ClimaInfo mudanças climáticas

Balanços da COP24

O Carbon Brief fez o mais detalhado balanço do que aconteceu nestas duas últimas semanas em Katowice. Vale apontar os principais pontos:

  1. O Livro de Regras foi aprovado com um único conjunto de regras valendo para todos os países. Exceção feita àqueles que mostrarem que não têm capacidade para cumprir as regras.
  2. A ajuda financeira dos países ricos foi reafirmada, embora estes ganharam uma certa flexibilidade para reportar suas contribuições.
  3. As regras de como reportar os resultados das ações de mitigação estão bem claras, embora os países possam usar suas próprias metodologias de contabilização, desde que claramente enunciadas. Teme-se uma certa confusão, principalmente nas emissões relacionadas ao uso da terra.
  4. Os EUA, a Arábia Saudita, a Rússia e o Kuwait não deixaram que o texto final fosse muito receptivo ao relatório (welcome the report) Relatório Especial 1,5oC do IPCC, e tentaram empurrar um termo bem mais fraco. No final, o relatório não foi “bem-vindo”, mas os países foram “convidados” a usar seus resultados.
  5. As decisões sobre o mercado de carbono foram adiadas para o ano. O Brasil bloqueou uma resolução porque quer que continuem a valer os créditos de carbono do Protocolo de Quioto e, se os vender, não quer refazer seu inventário de emissões para incluí-los na contabilidade. Aparentemente, ninguém concordou e, como as decisões têm que ser unânimes, ficou tudo para o ano que vem.

Além desses pontos que fazem parte do documento final, a COP24 trouxe à luz outros documentos e posições interessantes.

O lema da “transição justa” pegou e, Bert De Wel, da ITUC, disse que “nunca antes os negociadores climáticos debateram tanto sobre os impactos da transição energética sobre os trabalhadores e suas comunidades”.

Segundo muitos analistas, a COP24 deixou dois pontos gigantescos a desejar. A esperada clareza quanto ao aumento de ambição nas metas nacionais foi reduzida a um “convite aos países para que considerem os resultados dos diálogos Talanoa no preparo de suas NDCs e nos esforços para incrementar a ambição pré-2020”. E, no lugar de colocar como imperiosa a “urgência” em passar à ação, um trecho do texto final que não se refere às NDCs apenas “enfatiza a urgência do incremento da ambição para garantir a mais alta mitigação e adaptação possíveis por parte de todos os países”.

Vale destacar um comentário de Carlos Rittl do Observatório do Clima: “Paris definiu um pacto para limitar o aquecimento global e para lidarmos com suas consequências. Katowice forneceu as balizas e os insumos para tirar o Acordo do papel. Mas só a vontade política pode imprimir velocidade à ação climática no grau necessário”.

E o The Guardian destacou Greta Thunberg, a jovem sueca que discursou para o plenário da Convenção dizendo que “a única coisa sensata a fazer é puxar o freio de emergência”.

 

Mata Atlântica pode sair do Purgatório

Marcelo Leite escreveu acerca de uma pesquisa recente sobre o estado da Mata Atlântica que usou imagens de satélite com uma resolução bem maior do que as que vinham sendo usadas. O relatório estima que quase 30% do domínio original da Mata ainda tem vegetação nativa, quase o dobro do que se supunha. A maior resolução permitiu enxergar vegetação nativa onde, antes, a área parecia antropizada. Com isso, como o Código Florestal impõe uma área de Reserva Legal de 35% no bioma, não faltaria muito para fechar a conta. Mas Leite aponta outro dado importante: há um déficit de 5 milhões de hectares de APPs, as áreas de preservação permanente, principalmente às margens de cursos d’água e em topos de morros que, pelo Código, têm que ser recuperadas até 2038. O problema é que boa parte desta área virou lavoura ou pasto. Ao contrário da Reserva Legal, o Código Florestal não prevê a possibilidade de compensações para estas áreas.

 

O setor energético e o futuro governo

Enquanto o novo governo não toma posse e começa a passar dos tuítes à ação, saem nos jornais análises e recomendações em todos os campos. Recentemente saíram dois artigos interessantes sobre o setor energético que têm relação direta com a agenda climática. O prof. José Goldemberg escreveu sobre os desafios no setor se dizendo tranquilo em relação ao petróleo e ao gás porque (i) os preços são determinados lá fora; e (ii) parece que o governo quer privatizar o refino para atrair investimentos e mais competição. Sua grande preocupação é com o setor elétrico, pela desarticulação e judicialização dos últimos anos. Ele critica a vontade do final do governo Temer de regionalizar os preços, dado que o sistema elétrico brasileiro foi pensado para ser totalmente integrado e, à rigor, só o trecho de Roraima não está a ele conectado. Goldemberg volta a pedir mais hidrelétricas com reservatório e, em relação ao potencial de geração existente na Amazônia, diz que “a ênfase posta nos impactos locais negativos (…) precisa ser balanceada com os impactos positivos para a população que é servida pela energia produzida.” Goldemberg diz, sem explicar suas razões, que acha que complementar a geração a vento e a sol com baterias elétricas “é quimera”.

Guilherme Papaterra, da ANP, e Luís Dutra, da UFRJ, escreveram para o Valor sobre o pré-sal e a ameaça deste virar um stranded asset – um ativo encalhado – caso a economia mundial realmente se encaminhe para uma matriz energética de emissão zero. Para os autores, “tardiamente revelada, a abundância (do pré-sal) é duplamente desafiadora para o novo governo. Evitar a doença holandesa e consequente desindustrialização, ao mesmo tempo em que administra o arranque de forma a se beneficiar dos próximos 20 a 30 anos de crescimento da procura por petróleo. A posição brasileira é única em razão de uma matriz calcada na hidreletricidade, na biomassa, e na qual o carvão tem presença residual, o que permite o pleno aproveitamento das descobertas, sem comprometer as metas acordadas em Paris para a redução de emissões”. Como outros países produtores de petróleo, eles entendem que explorar e vender fósseis não compromete as metas de Paris, ou seja, a responsabilidade é só de quem queima e não de quem produz.

 

Bolsonaro quer rever o ato de criação da Reserva Raposa Serra do Sol

O futuro presidente avisou que reverá o decreto que criou a Reserva Raposa Serra do Sol na metade norte do estado de Roraima. A criação da reserva foi resultado de uma disputa entre, por um lado, vários grupos indígenas – ingaricós, macuxis, patamonas, taurepangues e uapixanas – e, de outro lado, principalmente, arrozeiros e criadores de gado. O decreto de demarcação foi publicado em 2005 e só se efetivou após sentença do STF de 2009. Tudo isso corre o risco de virar pó. Assim como parte da floresta e da vegetação nativa do bioma da região.

 

Um passaporte internacional para quem perder o país para o clima

Uma ideia tão simpática quanto passível de polêmica foi apresentada pelo professor Dirk Messner, um dos diretores da Universidade das Nações Unidas. Se o aquecimento global não for contido, muita gente que mora nas pequenas ilhas do Pacífico e do Índico perderá mais que suas residências: perderá sua nação. Messner recuperou a ideia do Passaporte Nansen emitido pela precursora da ONU, a Liga das Nações. Tinham direito a esse passaporte as pessoas expulsas de seus países após a 1a Grande Guerra, cuja nacionalidade tivesse sido cancelada. Quase meio milhão de pessoas receberam o Nansen, principalmente russos expulsos após a Revolução e armênios e turcos após o desmantelamento do Império Otomano. Messner propôs uma atualização, sugerindo que “a ONU apoie a ideia de um passaporte climático a ser emitido pelos países poluidores para os refugiados climáticos (…) e então eles terão que agir, obedecendo ao ‘Princípio do Poluidor Paga’”.

Nomes ilustres como do artistas Igor Stravinsky, Vladimir Nabokov, e Marc Chagall, além do milionário Aristóteles Onassis e do fotógrafo Robert Capa, perderam suas nacionalidades e tiveram direito a receber um Passaporte Nansen.

 

A China é a maior ameaça e a maior esperança das fontes limpas

Com os EUA de Trump abandonando o palco climático, muitos olham para a China na esperança de que este assuma a liderança na luta contra o aquecimento global. Eric Niiler escreveu na Wired que isso representa uma benção e uma maldição ao mesmo tempo. A China responde por metade do carvão queimado no mundo e aumentou em 40% sua capacidade de geração a carvão desde 2002. Mais de 4 milhões de chineses trabalham em minas de carvão. Ao mesmo tempo, na China rodam metade dos carros elétricos do mundo e praticamente todos os ônibus elétricos (99%). A geração por fontes limpas representa 25% do total e cresce rapidamente. O preço do painel fotovoltaico continua caindo pelas demanda e capacidade de produção chinesas e o país começa a exportar baterias para carros elétricos para a Europa e os EUA. Para o professor Jonas Nahm, Universidade John Hopkins, a motivação para o fomento das fontes limpas é simplesmente econômica: “isso não vem de um lugar altruísta. Eles estão fazendo isso como uma estratégia de desenvolvimento econômico”.

 

Acionistas da Exxon querem uma empresa com menos emissões

Um grupo de acionistas da petroleira quer que a empresa apresente suas metas nos longo, médio e curto prazos para as emissões diretas das suas operações e as decorrentes do uso de seus produtos. Edward Mason, responsável por um grupo de investidores, disse que “queremos ver uma ExxonMobil com uma estratégia clara de sustentabilidade no longo prazo e com compromissos internacionais para um clima mais seguro.

 

Vêm aí os caminhões elétricos pesados

Os carros elétricos deixaram de ser novidade. Já faz tempo que montadoras estão vendendo ônibus elétricos e veículos comerciais leves para operar dentro de malhas urbanas. Aos poucos, o último grupo importante de caminhões também está sendo eletrificado: os pesados de longa distância. Pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon publicaram o estudo “Quantificando a Economia para o Caso de Cavalos Mecânicos” no qual comparam os investimentos e custos de uma frota elétrica pura – com autonomia de 800 km – com os de uma frota convencional a diesel, em vários cenários. O investimento no elétrico é mais alto por conta do conjunto de baterias de Li-íon. Mas, em quase todos os cenários, como os elétricos são significativamente mais eficientes, esse investimento é mais que compensado pelo menor custo operacional. No cenário elétrico ótimo, a capacidade dos caminhões ficou em torno de 17 toneladas, com um preço da bateria abaixo de US$ 150 por kWh. Hoje, elas ainda custam cerca de US$ 200 por kWh, mas observa-se uma queda rápida nesses preços. Os mesmos pesquisadores publicaram no ano passado um estudo sobre o tema que foi um dos mais citados na área.

Na semana passada, a Volvo anunciou que, em 2019, apresentará seu cavalo-mecânico totalmente elétrico que pretende começar a produzir em 2020. Assim, no ano que vem, veremos rodando os primeiros Tesla elétricos e os Nicola-One, a célula de combustível.

No Brasil, segundo o Plano Nacional de Logística lançado neste ano, mais da metade de toda a carga transportada trafega em distâncias menores que 600 km, basicamente centrada entre São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O cenário do estudo da Carnegie Mellon cabe perfeitamente neste quadro. Do resto da carga transportada, pouco mais de 25% corresponde aos minérios (principalmente de ferro), mais todo o petróleo que navega ao longo da costa brasileira e à produção de grãos (principalmente soja e milho). Aliás, este último grupo é responsável por quase 100% das queixas feitas ao estrangulamento logístico do país.

 

A partir de 2029, a Califórnia só comprará ônibus elétricos

Uma nova regra na Califórnia estabeleceu que, a partir de 2029, todas as entidades responsáveis pelo transporte público só poderão comprar ônibus elétricos puros a bateria.

Já em São Paulo, foi relançado o edital para a renovação de quase toda a frota que circula na cidade. Os concorrentes ganharam mais 20 anos de prazo para que toda a frota seja movida a energia limpa. Isso era para ter acontecido em 2018, mas os vereadores acharam por bem que a cidade pode aguentar mais poluição e mais aquecimento global. Um monte de problemas técnicos na licitação publicada em abril, fez com que o edital só saísse no começo de dezembro.

 

O El Niño trará um verão mais quente e chuvoso

O El Niño que está se formando promete um verão mais quente e mais chuvoso do que a média histórica, pelo menos para partes do Sudeste. A previsão é do Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas. Neste final de semana, a temperatura em Antonina, no litoral do Paraná chegou a 44oC e, por causa da alta umidade, a sensação térmica chegou a 65oC. Falando do país todo, Marcelo Schneider, coordenador do Instituto Nacional de Meteorologia, disse que “em quase todo o Brasil, tirando o extremo sul do país, parte do litoral entre o Espírito Santo e a Bahia tem temperatura normal, mas, no restante, bastante calor. Então, o resumão é calor. Com o El Niño geralmente é muito calor. Às vezes, uma frente fria escapa pelo Sul, o que é normal, mas predomina o calor, e a chuva irregular. (…) É muito comum isso, um mês falta chuva, outro mês chove um pouco em excesso. (…) Tem que ter uma certa atenção de muito calor, chuva irregular, mas que em boa parte do Brasil pelo menos chove dentro da média”. O pessoal do Letras Ambientais faz uma descrição mais científica do El Niño deste ano.

 

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