Cientistas pré-históricos

Por Shigueo Watanabe Jr.

 

Um grupo de autoproclamados “cientistas” escreveu uma longa carta a vários ministros de estado deplorando a ciência climática e os esforços necessários para limitar os impactos de mudança climática. Curiosamente, a carta se inicia com a tentativa de provar que o homem não é responsável pela mudança do clima e termina sugerindo um conjunto de recomendações para o desenvolvimento sustentável do país.

 

Para os autores, a principal prova de que o aquecimento não é produzido pelo homem é que entre 18.000 e 6.000 anos atrás, no final da última grande era glacial, tanto a temperatura quanto o nível do mar variaram muito mais do que os piores cenários previstos pelos modelos climáticos atuais. Os números e fatos que eles apresentam têm vários problemas e Alexandre Costa se deu o trabalho de colocar uma lupa neles.  

 

Por ter usado essas datas, talvez os autores sonhem com a volta dos tempos pré-históricos, em que ciência humana do período estudava mamutes e preguiças gigantes e registrava suas descobertas nas paredes de cavernas. Apenas esqueceram de mencionar o fato de que o que chamamos de história da civilização começa logo depois desse período e que deslanchou exatamente porque a temperatura e o nível do mar pararam de variar.

 

Outro tesouro de pérolas está mais para o final da carta, quando apontam a necessidade de recursos para “linhas de pesquisa de novas fontes energéticas, como o uso de tório em reatores nucleares, fusão nuclear conceitos que deverão estar disponíveis comercialmente ao longo da próxima década) e fontes baseadas em novos princípios físicos, como as reações nucleares quimicamente assistidas (a chamada “fusão a frio”), energia do vácuo quântico (ou “ponto zero”) …”

 

Esse trecho é tão delicioso que precisa ser apreciado por partes:

 

  • “Uso de tório em reatores nucleares”: no século passado foram construídos alguns reatores a tório que se mostraram bem menos eficientes do que os a urânio e plutônio. Aparentemente o motivo principal de não ter havido progressos no uso do tório é que não é possível usá-lo para construir uma bomba atômica. Assim, as pesquisas ficaram sem os inesgotáveis recursos do complexo militar industrial americano.
  • “Fusão nuclear disponível na próxima década” é uma das frases mais repetidas pelos pesquisadores que trabalham com a fusão nuclear. Desde a metade do século passado, ano entra, ano sai e eles repetem que a tecnologia estará disponível nos próximos dez anos.
  • “Fusão a frio”: foi uma das maiores fraudes científicas que se tem notícia. A ‘novidade’ surgiu em 1989 e rapidamente pesquisadores mais afoitos do mundo todo começaram a sair na mídia dizendo tinham obtido resultados positivos. Em seguida, pesquisadores mais sérios, calcados no melhor da física nuclear, realizaram experiências mais rigorosas e mostraram que o tal fenômeno simplesmente não existia. Muitos dos mais afoitos perderam o emprego e, todos, perderam a reputação.
  • “Energia do vácuo quântico (ponto zero)”:
  • O vácuo não é quântico. Reinaldo José Lopes escreveu recentemente uma matéria deliciosa “O produto ou serviço tem o adjetivo ‘quântico’ no rótulo? É picaretagem”.
  • A última vez em que a energia do vácuo foi perceptível foi durante o big bang. Um pouco violento demais para poder ser “aproveitada”.
  • Ponto zero ou ‘ground zero’: foi o ponto onde as bombas de Hiroshima e Nagasaki explodiram. Assim como os locais em vários atóis no Pacífico onde os americanos explodiram outras bombas nucleares. Não parece ser um lugar saudável como fonte de energia.

 

Eles também não se deram conta da incoerência entre propor fontes de energia que, se funcionassem, emitiriam muito pouco carbono e, em seguida, afirmar que “a ‘descarbonização’ é desnecessária e deletéria” e um desperdício de recursos.

 

Quem quiser um pouco mais sobre os 20 autores da carta, Claudio Angelo foi atrás dessas informações.

 

Apesar do pouco investimento governamental em ciência, o Brasil possui alguns dos mais notáveis cientistas climáticos da atualidade, muito respeitados internacionalmente. O governo faria bem em ouvir quem realmente entende do assunto. Seria uma oportunidade de reconhecer tanto a ciência, como o valor desses brasileiros.