Por uma ‘Iniciativa Belt and Road’ de baixo carbono

A iniciativa chinesa Belt and Road tem potencial para aumentar a renda de centenas de milhões de pessoas. Mas é preciso garantir que os benefícios não provoquem mais mudanças no clima global.
Ma Jun e Simon Zadek*, março de 2019
 
Hoje, as discussões sobre a ação climática concentram-se sobre os maiores emissores de carbono do passado e do presente. Mas, no futuro, os maiores riscos e oportunidades relacionados ao clima estarão nos mais de 60 países envolvidos na Iniciativa Belt and Road (BRI) do governo chinês.
 
A BRI, lançada pela China em 2013, basicamente mobiliza capitais para investimentos em infraestrutura e na melhoria da conectividade entre as economias participantes, a maioria das quais encontram-se em desenvolvimento e têm renda relativamente baixa. Enquanto se espera que a BRI acelere o crescimento do PIB destas economias, os investimentos associados à iniciativa poderão também ter profundas consequências ambientais e climáticas.
 
Sem contar a China, os países hoje envolvidos na BRI representam cerca de 18% do PIB mundial e 26% das emissões globais de dióxido de carbono. Nas próximas duas décadas, no entanto, espera-se que a taxa de crescimento média do PIB destes países seja duas vezes maior do que a da OCDE, e os investimentos nestes países, provavelmente, representarão mais da metade do investimento em todo o mundo. No pior cenário, os países da BRI poderão ser responsáveis por mais de metade das emissões globais de CO2, até 2050.
 
Esta possibilidade – definida num estudo a ser publicado e do qual fomos coautores – supõe que as economias da BRI seguirão sua trajetória atual de intensidade de carbono, enquanto o resto do mundo deve reduzir suas emissões em linha com o Acordo de Paris. Em outras palavras, se não for administrado de forma ambientalmente (e climaticamente) consciente, o desenvolvimento dos países da BRI poderá prejudicar os esforços para o cumprimento das metas climáticas globais.
 
Este risco precisa ser levado a sério. Embora muitos investidores globais estejam cada vez mais sensibilizados em relação aos riscos climáticos e, portanto, menos atraídos pelos ativos que utilizam intensivamente o carbono, os projetos de infraestrutura da BRI estarão, provavelmente, em grande parte isentos destas pressões. Afinal, a maioria dos países envolvidos carece de obrigações ou de incentivos relacionados ao carbono, incluindo sistemas de fixação de preços para o carbono que mostrem aos investidores o preço sombra destes ativos. Além disso, estes países mantêm muitos dos seus ativos carbono-intensivos nas contas públicas, o que faz com que sejam menos propensos a tornarem-se “ativos encalhados”.
 
A fim de garantir que o desenvolvimento dos países da BRI não prejudique a agenda climática global, é necessário tomar medidas capazes de reduzir substancialmente a pegada de carbono dos novos investimentos. O tempo para agir é curto: as decisões de investimento tomadas nos próximos anos determinarão a intensidade de carbono de infraestruturas cruciais e de ativos imobiliários que funcionarão durante décadas.
 
Combinando a política, as finanças, a experiência e os recursos tecnológicos da comunidade internacional, é possível lançar as bases para o desenvolvimento de baixo carbono nas economias da BRI. Para isso, há três ações especificas e interligadas que precisam ser realizadas.
 
1a. Os investidores globais devem ser convencidos a adotar princípios ecológicos para investimentos na região da BRI. Tal esforço poderia incluir a promoção dos Princípios de Investimento Verde para a iniciativa, apresentados pela Comissão de Financiamento Verde da China e pela Cidade de Londres em novembro passado, em cidades como Hong Kong, Nova Iorque, Londres e Singapura – as principais fontes de capital do mundo. Exigir que os investidores divulguem a pegada de carbono dos projetos de infraestrutura da BRI, em vez de apenas o risco que as mudanças climáticas representam para os investimentos, também faria a diferença.
 
2a. A China deveria tomar medidas mais agressivas para a promoção de investimentos de baixo carbono nos países da BRI, em linha com os compromissos de alto nível do governo para a promoção do desenvolvimento sustentável e da sua liderança climática internacional. Por exemplo, a China poderia exigir que todos os investimentos da BRI realizados por instituições financeiras e corporações não financeiras chinesas aderissem claramente à padrões ecológicos específicos. Isto deveria ser complementado pela criação de um pacto de baixo carbono entre as principais empresas chinesas e internacionais que implantam os projetos financiados pela BRI e fornecem tecnologias aos países participantes.
 
3a. As organizações internacionais deveriam aumentar o seu apoio aos países da BRI para o desenvolvimento de infraestruturas ecológicas. Para além da governança ambiental, estas organizações deveriam contribuir para o avanço de estruturas para uma política de financiamento “verde” e aumentar a sua capacidade para contratos públicos “verdes”. Afinal de contas, embora a maioria dos investimentos em infraestruturas da BRI ainda dependa de financiamento internacional, ao longo do tempo, os sistemas financeiros dos grandes países da BRI moldarão cada vez mais a intensidade de carbono dos investimentos nacionais.
 
A BRI tem potencial para revigorar economias em desenvolvimento e aumentar os rendimentos de milhões de pessoas. Mas precisamos garantir que tais benefícios não sejam ofuscados por mudanças climáticas não mitigadas. Agora é o momento da China e da comunidade internacional trabalharem juntas para tomarem medidas concretas, de forma a garantir que os investimentos da BRI sejam amigos do meio ambiente.
* Ma Jun, foi economista-chefe do People’s Bank of China e é Diretor do Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade de Tsinghua e presidente do China’s Green Finance Committee. Simon Zadek é professor visitante no Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade de Tsinghua.