A iniciativa chinesa Belt and Road é sustentável?

Saiba tudo sobre a Iniciativa chinesa Belt and Road (BRI): O que é? Como é financiada? Por que a China está exportando a tecnologia suja do carvão via esta iniciativa? Quais os riscos do investimento em carvão? Como dar sustentabilidade à iniciativa? 

 

O Segundo Fórum Belt and Road para a Cooperação Internacional acontece nesta semana – de 25 e 27 de abril – e inclui uma série de sub fóruns sobre temas como meio ambiente, dívida e transparência. Participarão desta vez 37 chefes de Estado, contra 29 no primeiro fórum realizado em maio de 2017. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e a presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, também confirmaram presença.

 

Observadores acreditam que o este segundo Fórum será um momento de revisão dos primeiros cinco anos da Iniciativa, anunciada pela primeira vez em 2013, e de definição de uma nova direção para as ações da Iniciativa Belt and Road (BRI) dos próximos cinco anos. Espera-se que um dos principais focos do Fórum recaia sobre a “qualidade” dos investimentos da BRI, com destaque para questões como os impactos climáticos, a transparência e a dívida. Isto estaria de acordo com o apelo para que o BRI se empenhe por um “desenvolvimento de alta qualidade” feito pelo Presidente Xi Jinping no ano passado. Wang Xiaoquan, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, espera que este segundo Fórum produza mais acordos e documentos de orientação mais detalhados do que o primeiro fórum.

 

O que é a iniciativa Belt and Road?

 

Também conhecida como One Belt, One Road, a iniciativa Belt and Road (BRI) é uma ambiciosa estratégia de desenvolvimento adotada pelo governo chinês que visa reviver antigas rotas de comércio por meio de uma rede de projetos de infraestrutura para a Ásia Central, o Sudeste Asiático, o Oriente Médio e a África.

 

A BRI liberará investimentos significativos em infraestrutura nas próximas décadas. O Plano de Ação (2015-2017, em chinês) da iniciativa previa um custo de investimento de quase US$ 1 trilhão. O investimento estrangeiro da China nos países da BRI atingiu US$ 80,73 bilhões entre 2012 e 2017. As despesas totais da China ao longo do BRI podem aumentar para 1,3 trilhões até 2027, estima a Morgan Stanley. Outras estimativas mais elevadas de gastos futuros variam de US$ 4 trilhões a US$ 8 trilhões, de acordo com o Conselho de Estado.

 

Armadilha diplomática?

 

Alguns analistas veem o investimento chinês como uma “armadilha diplomática” que promove os interesses políticos da China no exterior, enquanto outros o veem como um meio para a solução dos problemas que a China tem com sua  capacidade excedente. Perspectivas externas enquadram a BRI como um plano estratégico, mas de acordo com o professor Yuen Yuen Ang, do Centro de Estudos Políticos da Universidade de Michigan, a iniciativa está mais para uma visão definida pelo governo central. A emblemática iniciativa – proposta pela primeira vez pelo presidente Xi Jinping no final de 2013 – é central para a política externa da China e foi incorporada à constituição do Partido Comunista em 2017. A interpretação dessa visão é deixada para outros grupos, como bancos, empresas e governos locais dentro e fora da China.

 

Desde 2013, a iniciativa ampliou seu escopo original. Até 30 de março, 124 países e 29 organizações internacionais haviam assinado acordos de cooperação com a China, muitos mais que os 68 países que se haviam envolvido até o final de 2018. Hoje, os países da BRI representam coletivamente pelo menos dois terços da população e um terço do PIB mundiais. À medida que mais e mais países foram se envolvendo, a China deslocou o foco da iniciativa desde a cooperação bilateral para a multilateral, ampliando o objetivo inicial declarado que buscava estabelecer conectividade entre a Eurasia e as nações da ASEAN.

 

Como a Belt and Road é financiada?

 

O financiamento da Belt and Road provém de fontes variadas que incluem bancos de desenvolvimento chineses, empresas, fundos de capital, bancos de desenvolvimento multinacionais (MDBs), fundos privados estrangeiros e fontes governamentais estrangeiras. Empresas estatais e bancos chineses atualmente financiam 86% dos projetos da BRI, e 8% do financiamento atual vem de fora da China, de acordo com a Oxford Economics. O mesmo relatório conclui que, dada a escala dos gastos futuros do BRI, será um desafio para a China levantar capital para os projetos.

 

Os bancos estatais – Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e China Exim Bank (CHEXIM) – são responsáveis por 48% do investimento da BRI. A outra metade vem de quatro grandes bancos comerciais estatais (ICBC, China Construction Bank, Agricultural Bank of China e Bank of China), de acordo com o WWF. Tanto o CDB como o CHEXIM não são transparentes quanto às condições de financiamento dos empréstimos, o que dificulta a avaliação da dívida dos países participantes.

 

Os fundos de capital próprio da China, como o Silk Road Fund, o Green Silk Road Fund e o Fundo de Desenvolvimento China-África, e os bancos multilaterais recentemente criados sob a liderança da China, como o Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) e o New Development Bank (NDB), também financiam projetos da BRI.

 

As empresas estatais chinesas (EEC) são as principais beneficiárias do financiamento da BRI. As EEC estiveram envolvidas em mais de 3.100 projetos da BRI nos primeiros cinco anos da Iniciativa, segundo a Deloitte. Exemplos de grandes investimentos em energia e infraestrutura da BRI incluem a aquisição dos projetos de eletricidade da Edra – na Malásia – pela China General Nuclear (US$ 5,96 bilhões), a State Grid adquirindo a CPFL Energia – no Brasil – por US$ 4,49 bilhões e a aquisição da Refineria del Pacifico – no Equador – por US$ 3 bilhões pela CNPC (China National Petroleum Corporation).

 

A participação do investimento das EEC no exterior caiu temporariamente no quarto trimestre de 2018, enquanto os gastos privados aumentaram, segundo o American Enterprise Institute (AEI).

 

 

(Fonte: Oxford Economics, Abr 2018)

 

O financiamento estrangeiro provém de governos e bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) parceiros, incluindo o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBRD) e o Banco Europeu de Investimento (EIB). Em maio de 2017, seis BMD – WB, ADB, AIIB, AIIB, ADB, NDB, EIB e EBDR – assinaram um memorando de entendimento com a China para permitir uma maior cooperação em projetos da BRI que são financiados pelos próprios BMD. O ADB co-financiou anteriormente projetos rodoviários no Paquistão e o AIIB assinou vários projetos da BRI com o EBRD e o Banco Mundial.

 

Entre os países participantes, a Arábia Saudita forneceu o maior montante de financiamento (US$ 12 bilhões) para uma ligação ferroviária de alta velocidade; uma série de outros governos financia pelo menos US$ 1 bilhão para projetos da BRI. O governo australiano financia o projeto West Gate Freeway, em Melbourne, construído por uma subsidiária da empresa China Communications Construction. O Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID) estabeleceu uma parceria com o ADB para co-financiar a via expressa Hasan Abdal-Havelian no Paquistão.

 

Quanto a China investe em carvão no exterior?

 

A energia é uma parte importante da estratégia global de desenvolvimento ultramarino da China. Os bancos de desenvolvimento da China, CDB e CHEXIM, forneceram US$186,3 bilhões para projetos de energia nos países da BRI entre 2013 e 2018, de acordo com o banco de dados China Global Energy Finance (CGEF). Os países da BRI receberam 93% do total do financiamento energético de 2018 de dois bancos de desenvolvimento – 28% do financiamento foram para novos países.

 

A China expandiu seu programa de construção de projetos de energia de carvão em todo o mundo, em parte em resposta a regulamentações domésticas mais rígidas para a limitação da expansão da oferta de eletricidade a partir do carvão. A partir de 2018, as instituições financeiras chinesas passaram a financiar um quarto da capacidade global de produção de carvão em desenvolvimento fora da China. Os projetos de energia a carvão representaram a maior parcela (42%) do financiamento externo da China em 2018, de acordo com o CGEF. Os analistas do IEEFA estimam que as instituições

financeiras chinesas tenham comprometido ou proposto quase US$ 36 bilhões na construção de 102 GW de capacidade alimentada a carvão em 23 países até julho de 2018.

 

De acordo com analistas do IEEFA, Bangladesh tem a maior capacidade proposta de produção de carvão (14 GW, a maioria dos quais ainda não entrou em construção), correspondente a um financiamento total de US$ 7 bilhões proveniente da China. O país é seguido nesta ordem pelo Vietnã, a África do Sul, o Paquistão e a Indonésia. Exemplos dos maiores acordos de financiamento de carvão da BRI incluem o empréstimo do CDB à central termelétrica a carvão Kusile, de 4,8 GW na África do Sul, o Projeto de Energia de Lignita de 330 MW em Thar Block-II, no Paquistão, e o financiamento feito pelo CHEXIM’s da central elétrica a carvão Kam’mwanba, de 300 MW no Malawi.

 

(Fonte: IEEFA, jan 2019)

 

Os riscos do investimento em carvão

 

O envolvimento da China no desenvolvimento de usinas a carvão no exterior tem seus riscos. De acordo com o Carbon Tracker, 42% da energia global a carvão não é hoje rentável e as novas centrais solares e eólicas serão mais baratas do que 96% da capacidade de produção de energia via queima de carvão existente até 2030.

 

O Paquistão arquivou recentemente o projeto Rahim Yar Khan, que previa gerar 1.320MW via queima de carvão importado, e que tinha financiamento do Corredor Econômico China-Paquistão, devido ao crescente risco de endividamento e a preocupações com uma sobre capacidade de geração de energia a carvão. Espera-se que o governo paquistanês estabeleça ainda neste mês uma meta para expansão da geração de energia renovável dos atuais 4% para 30% até 2030, o que reduzirá em muito o espaço para o carvão.

 

Em julho de 2018, o banco chinês CDB emprestou US$ 2,5 bilhões à empresa de serviços públicos sul-africana Eskom, que já tinha, naquele momento, uma dívida de US$ 30 bilhões. O empréstimo fez parte do compromisso da China em investir US$ 14,7 bilhões na África do Sul, mas não resolverá a questão da dívida insustentável da Eskom, derivada de investimentos em projetos de carvão. Nos próximos quatro anos, a própria empresa estima que esta sua dívida suba para US$ 43 bilhões.

 

Enquanto isso, os custos de energia renovável estão caindo rapidamente nos principais países da BRI. No Paquistão, a eletricidade eólica e solar já é mais barata do que a gerada pela queima do carvão. De acordo com os analistas do Carbon Tracker, será mais barato construir novos parques eólicos e solares do que novas instalações a carvão no Vietnam, na Indonésia e nas Filipinas até 2027 ou 2028.

 

Dando sustentabilidade aos investimentos da BRI

 

De acordo com o relatório da New Climate Economy, o mundo precisará de US$ 90 trilhões em investimentos em infraestrutura até 2030. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países do BRI, feitas junto ao Acordo de Paris, oferecem uma oportunidade e um argumento para o investimento em infraestrutura de baixo carbono, e a China poderia ajudar os países da BRI a alinhar os investimentos em energia com as metas climáticas e de desenvolvimento sustentável.

 

A multitrilionária BRI tem certamente um enorme potencial para moldar a transição para uma economia de baixo carbono em mais de 80 países da Ásia, Europa e África. Um estudo do WRI estimou que 31 dos países da BRI precisarão de aproximadamente US$ 470 bilhões para cumprir seus compromissos de energia renovável, com 54% desse financiamento indo para projetos solares e 19% para eólicos.

 

(Fonte WRI, nov 2018)

 

Atualmente, a China lidera o mercado mundial de energia renovável, com 728 GW de capacidade instalada em seu território no final de 2018. As empresas chinesas de energia renovável começaram a explorar os mercados BRI. Por exemplo, as empresas chinesas exportaram US$ 7,6 bilhões em equipamentos solares para países da BRI de 2015 a 2016, de acordo com a BNEF. Em 2019, crescerá  o fornecimento de energia solar chinesa para o Vietnã, Tailândia e Paquistão, onde grandes usinas de energia solar estão sendo desenvolvidas por empresas chinesas. No entanto, os projetos de energias renováveis são muito limitados em comparação com a escala de investimento por parte das empresas chinesas na energia do carvão. Além disso, apesar de o investimento chinês em energia limpa ter crescido sob a BRI, a IEEFA revelou que a maioria dos investimentos renováveis chineses no exterior não está em países da iniciativa.

 

O ex-economista chefe do Banco Popular da China, Ma Jun, sugeriu que “a China poderia tomar medidas mais agressivas para promover investimentos de baixo carbono nos países da BRI”. Ao ecologizar os investimentos nestes países, a China poderia catalisar um financiamento substancial para projetos de energia limpa. O governo já divulgou diretrizes multiministeriais voluntárias para que as empresas chinesas “priorizem opções de baixo carbono, economia de energia e ecologicamente corretas” e, também, respeitem os padrões ambientais locais nos países da BRI.

 

Bancos multilaterais recém-formados, como o Asian Infrastructure (AIIB) e o New Development Bank (NDB) e, também o Silk Road Fund se comprometeram a investir em projetos mais verdes. Outros financiadores, como o ADB e o Banco Mundial, poderiam associar-se ao AIIB para cofinanciar projetos BRI verdes. O rápido crescimento do mercado chinês de green bonds poderia também ajudar a desbloquear o financiamento de infraestruturas verdes em todos os países da BRI.