Bolsonaro versus INPE

INPE

E o ministro astronauta pôs a colher: Marcos Pontes, ministro da ciência e tecnologia, pôs a colher na crise gerada por Bolsonaro quando este colocou em dúvida a seriedade dos dados de desmatamento publicados pelo INPE.

Pontes manifestou desconfiança em relação aos números do desmatamento. O astronauta disse, bombasticamente, que quer “informações detalhadas sobre os dados brutos, a metodologia aplicada e quais alterações significativas desses fatores.” Pontes chamou também a atenção do diretor do INPE, Ricardo Galvão, pelo “tratamento esperado na relação profissional, especialmente com o Chefe do Executivo do País”.

Talvez Galvão não tivesse usado os termos que usou na entrevista que deu à Giovana Girardi, do Estadão, se o chefe do executivo tivesse se comportado como tal. Giovana ouviu de Galvão que este esperava ter o apoio do ministro, afinal “ele sempre declarou que a questão [dos dados] do desmatamento da Amazônia é científica e não política e ele sempre demonstrou confiança nos dados do INPE.”

Quanto ao rigor científico, Pontes diz, corretamente, que “a contestação de resultados e discussão de hipóteses (…) são elementos normais e saudáveis do desenvolvimento da Ciência.” A questão é que Bolsonaro não é cientista, e um café da manhã com correspondentes estrangeiros não é local nem hora “normais e saudáveis para o desenvolvimento da Ciência”. O que joga toda esta confusão de volta para o campo político e não para o da melhor Ciência. A Folha também falou da nota de Pontes.

Bolsonaro joga mais gasolina na fogueira: neste final de semana Bolsonaro disse que “no mínimo, se o dado fosse alarmante, ele (Galvão) deveria, por questão de responsabilidade, respeito e patriotismo procurar o chefe imediato, no caso o ministro e (dizer): olha ministro, temos uns dados aqui, a gente divulgar, porque devemos divulgar, o senhor se prepare porque vai ter alguma uma crítica. Assim que deve ser feito e não de forma rasa como ele faz, que coloca o Brasil em situação complicada.”

Pois é. Mas Galvão fez questão de dizer que “vinha tentando há três semanas ter uma audiência com o ministro justamente para falar sobre os dados do desmatamento.” Assim, o presidente não faz o que diz que deveria ser feito. Poderia ter chamado Pontes e pedido esclarecimentos. Não fez. Tentou desbancar o INPE e a Ciência.

A notícia de Giovana Girardi e Mariana Haubert saiu no Estadão.

E tome gasolina: Guilherme Mazui e Fabiano Costa focaram no G1 em outra declaração de Bolsonaro: “A questão ambiental, o mundo todo leva em conta. Outros países que estamos negociando a questão do Mercosul, ou até acordos bilaterais, nos dificulta com a divulgação desses dados. Temos que ter responsabilidade.”

Responsabilidade que o presidente não teve no café da manhã com os jornalistas estrangeiros. Responsabilidade que o governo todo não tem ao praticamente negar que o desmatamento explodiu nesses últimos 2 meses.

E mais gasolina: hoje, Bolsonaro sugeriu que dados do desmatamento passem por ele antes de serem divulgados, informou ((o)) eco.

Teresa Cristina: a ministra da agricultura também não se conteve. Ao ser perguntada pela Folha sobre o aumento do desmatamento, saiu-se com um “primeiro a gente tem que usar Ciência, temos que ter dados concretos”, como se o INPE não fizesse Ciência da mais alta qualidade e os dados de desmatamento não existissem desde o século passado.

Alguém precisa avisar a essa gente toda que os dados, seu histórico, os mapas e a metodologia são públicos e globais e estão disponíveis no site do Terra Brasilis. Qualquer um pode acessar e ver o que está acontecendo. Não dá para empurrar para debaixo do tapete. E quebrar o termômetro não elimina a febre.

Coalizão Ciência e Sociedade: cinquenta e seis cientistas renomados enviaram uma carta a Bolsonaro defendendo a integridade dos dados de desmatamento do INPE, informa o Direto da Ciência.

Maílson da Nóbrega: o ex-ministro da Fazendo disse na sua coluna na Veja que o que danifica a imagem do país é o questionamento aos dados do INPE. “O presidente Jair Bolsonaro erra ao questionar os dados do INPE sobre desmatamento na Amazônia. Dados não costumam mentir (…)[e] erra também quando exige que a divulgação dos dados seja previamente submetida ao ministério da ciência e tecnologia. O ministro e o presidente podem ter a primazia da informação, antes do conhecimento público, mas jamais o poder de avaliar a conveniência e a oportunidade de sua divulgação.”

André Trigueiro: André Trigueiro diz que o INPE é “orgulho nacional” na Globo News.

Críticas ao mensageiro, não ao problema: O Jornal Nacional, da TV Globo, divulgou ontem uma matéria de seis minutos sobre a crise. Na matéria, Adriana Ramos, do ISA, diz que o problema não está nos números, mas na falta de uma política contra o desmatamento.

Prender o criminoso e não o mensageiro: Alexandre Mansur criticou na Exame o comportamento do presidente nesta crise, mas dedicou boa parte do seu artigo a contar um pouco da história do desmatamento na Amazônia e as possíveis consequências dele continuar crescendo. No final, Mansur afirma que “a maior parte de nossas Terras Públicas na Amazônia são destinadas a formas de produção, para gerar renda e emprego, de forma sustentável. E a maior parte do desmatamento acontece nessas áreas. Elas são objeto de invasores que entram ilegalmente, roubam a madeira, expulsam (ou matam) os ocupantes e tentam falsificar documentos de posse. Esses bandidos estão associados às altas taxas de violência na região, à corrupção e à lavagem de dinheiro. O desmatamento provocado por eles não deve ser amenizado. Ao ouvir a notícia de que um crime foi cometido, o governo não deveria criticar o mensageiro. No interesse do país, deveria combater os criminosos.” Touché.

Repercussão internacional: as declarações de Bolsonaro repercutiram na mídia internacional, entre outras, na AP, na Bloomberg e na BBC.

 

ClimaInfo, 23 de julho de 2019.

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