Repercute muito mal o ataque do governo à ciência e ao INPE

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O ataque do governo aos dados do desmatamento e à ciência que permite seu monitoramento está pegando muito mal.

Claudio Angelo, no El País, diz que os dados reais colocam em xeque as ficções do presidente e de seu círculo e, também, a tentativa de bloquear a divulgação dos dados de desmatamento: “A coragem de Galvão e os avanços na tecnologia de sensoriamento remoto praticamente condenaram o esforço do presidente, impondo um choque de realidade à ficção presidencial.” Para Claudio Angelo, se o governo publicar dados criativos sobre o desmatamento, estes serão recebidos “com a mesma confiança com que tratam as estatísticas da ditadura venezuelana.”

A Folha publicou um editorial pesado de franca oposição ao governo, a quem atribui uma “espiral de infâmias” que “escancara leviandade e inclinação autoritária”.

Fernando Dantas, no Estadão, mostra a preocupação de analistas e agentes do mundo exportador brasileiro com o comportamento do governo para com o meio ambiente. Países e blocos compradores de produtos nacionais têm regras claras de proteção ao ambiente que, se violadas, implicam dificuldades para o Brasil continuar exportando. Dantas conversou com gente que é tudo menos ambientalista, ongueira ou comunista.

Eliane Brum, no El País, descreve uma nova doença chamada ‘Brasil’, que está enchendo consultórios de gente deprimida, impotente e cheia de pânico: “As pessoas, hoje, não sabem como reagir à quebra do pacto civilizatório representada pela eleição de uma figura violenta como Bolsonaro, que não só prega a violência como violenta a população todos os dias, seja por atos, seja por aliar-se a grupos criminosos, como faz com desmatadores e grileiros na Amazônia, seja por mentir compulsivamente. Não sabem, também, como parar essa força que as atropela e esmaga. Sentem como se aquilo que as está atacando fosse ‘imparável’, porque percebem que já não podem contar com as instituições – constatação gravíssima para a vida em sociedade.”

Para Eliane Brum, “não estamos mais lutando pela democracia. Estamos lutando pela civilização.”

Alexandre Mansur, na Exame, chama de “amazônico” o tamanho do erro do governo ao tratar com o desmatamento: “A maior parte de nossas terras públicas na Amazônia são destinadas a formas de produção, para gerar renda e emprego, de forma sustentável. E a maior parte do desmatamento acontece nessas áreas. Elas são objeto de invasores que entram ilegalmente, roubam a madeira, expulsam (ou matam) os ocupantes e tentam falsificar documentos de posse. Esses bandidos estão associados às altas taxas de violência na região, à corrupção e à lavagem de dinheiro. O desmatamento provocado por eles não deve ser amenizado. Ao ouvir a notícia de que um crime foi cometido, o governo não deveria criticar o mensageiro. No interesse do país, deveria combater os criminosos.”

Lourival Sant’anna, no Estadão, trouxe dois exemplos recentes de países que se deram mal por erros assemelhados aos que o atual governo comete em escala “amazônica”: agredir e mentir. No Irã, “a retórica agressivamente nacionalista de Ahmadinejad atraiu a atenção do mundo para o programa nuclear iraniano. Embora estivesse muito longe da capacidade de fabricar armas nucleares, o Irã acabou alvo de sanções que empobreceram sua população.” Na Argentina, Cristina Kirchner impôs mudanças no Instituto Nacional de Estatística e Censos e evitou a divulgação de índices incômodos, o que acabou causando um enorme dano para a credibilidade da Argentina.

Natalie Unterstell, na Americas Quarterly, conta que os maiores compradores das nossas commodities agropecuárias, incluindo a China, estão cada vez mais preocupados com a Amazônia, com a ausência de ações para a contenção do desmatamento e com as tentativas de esconder o tamanho do problema: “Se Bolsonaro continuar a fazer de conta que o problema não existe ou tentar varrê-lo para debaixo do tapete, as consequências serão duras. Além da perda de mercados, o desmatamento está associado a problemas sociais, aumento da violência e uma drástica mudança nos padrões das chuvas e dos ecossistemas.”

Duas das mais importantes revistas científicas, a Nature e a Science, também publicaram artigos defendendo o INPE e o monitoramento do desmatamento feito pelo Instituto.

Jeff Tollefson, na Nature, comenta as falas de Bolsonaro que culminaram com a demissão de Ricardo Galvão do INPE. Ele ouviu cientistas brasileiros que atestaram a qualidade do trabalho do Instituto.

Herton Escobar, na Science, disse que Bolsonaro declarou não acreditar nos números do desmatamento e que não confiava no INPE. Escobar puxou a fala recente de vários cientistas que saíram em defesa do Instituto criticando a postura subserviente do ministro-astronauta. E, ontem, Escobar também comentou a demissão do presidente do INPE na Nature.

Ana Lucia Azevedo, n’O Globo, encontrou um título feliz para seu artigo: “Maior problema do desmatamento na Amazônia é a fiscalização, e não os sistemas de monitoramento”.

 

ClimaInfo, 5 de agosto de 2019.

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