Por que o Ministério Público do RS quer impedir a implantação de polos carboquímicos?

Falta de participação da sociedade e ausência de estudos ambientais integrados levam Ministério Público do RS a entrar com ação contra os planos de extração e beneficiamento do carvão mineral no estado

Silvia Franz Marcuzzo

A Promotoria de Justiça e Defesa do Meio Ambiente entrou com uma ação civil pública na 10ª Vara da Fazenda Pública do RS. Em suas 52 páginas, a ação assinada pelos promotores Alexandre Saltz, Ana Maria Marchesan e Annelise Steigleder enumera argumentos para impedir que o Estado e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) implantem a Política Estadual de Carvão Mineral e o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul. Com isso, o órgão não pode expedir qualquer tipo de licença ambiental para empreendimentos nas áreas dos dois complexos carboquímicos, um no Baixo Jacuí, onde ficaria a Mina Guaíba, e outro na Campanha, na região de Candiota.

A ação busca a prevenção de danos. Conforme o documento: “não foi a Política Estadual do Carvão precedida de um planejamento responsável (orientado tecnicamente) e democrático (com participação e discussão no seio da sociedade), o que induz a considerá-la atentatória aos postulados das constituições estadual e federal”. Faltou participação da sociedade em vários momentos para a estruturação dessas leis. A Lei da Política Estadual foi aprovada em caráter de urgência na Assembleia em 2017 e sancionada pelo então governadora Ivo Sartori (MDB) em 2018.

Os promotores entendem que não há argumento plausível para que o Estado do Rio Grande Sul institua um polo altamente impactante   dispensando qualquer instrumento de macroavaliação ambiental. O texto diz que o Estado poderia argumentar que as regiões sediam as jazidas, porém a lei estadual foi “desprovida de qualquer elemento técnico e de participação social. Não foi apurado o conjunto de impactos promovidos à Região Metropolitana de Porto Alegre. A mina prevê a exploração de 166 milhões de toneladas de carvão mineral ao longo de 23 anos, durante a vida útil da Mina Guaíba, cujo aproveitamento anual seria de até 2.1 milhões de metros cúbicos de areia e 900 mil metros cúbicos de cascalho.

O MP acredita que a fragmentação na avaliação de impactos ambientais – hoje o licenciamento envolve só a mina Guaíba – colide com a abordagem ecossistêmica, com a integridade ecológica, ao mesmo tempo em que reduz a resiliência dos sistemas socioecológicos. O fracionamento dos empreendimentos, do ponto de vista do planejamento ambiental e da abordagem ecossistêmica representa um déficit e um risco para o futuro”. O texto aponta que se “todas as etapas de instalação do projeto têm uma origem comum e guardam conexões vitais com a implantação das demais estruturas do polo, devem ser consideradas como um único empreendimento para efeitos de avaliação do impacto ambiental, com vistas a prever os possíveis impactos cumulativos e sinérgicos”.

Esse tipo de dissociação encampada pelo Estado e pela FEPAM, ao iniciarem o processo de licenciamento sem a visão do todo do Complexo Carboquímico pode provocar o “subdimensionamento ou mesmo a ineficiência das medidas de prevenção” e das medidas compensatórias e mitigadoras dos impactos. As atividades de mineração também promoverão intensa circulação de veículos de carga, produção de fuligem e de ruídos, além de outras emissões impactantes além do perímetro da extração.

O rio Jacuí, cuja bacia será altamente impactada pelo Complexo, serve para a captação de água pelo menos cinco municípios da RMPA, conforme dados do Departamento de Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Sul, sem falar em outros pedidos de captação sob análise. O MP entende que algum eventual deslize ou acidente com efluentes da Mina Guaíba ou com dos processos industriais podem colocar em risco o abastecimento público de milhões de pessoas. O próprio Departamento de Águas e Esgotos de Porto Alegre (DMAE), lançou parecer demonstrando preocupação com a exploração do carvão pela Copelmi.

Os promotores observam ainda que o Polo Carboquímico da RMPA compreenderá atividades industriais e extrativistas impactantes próximas ao Parque Estadual Delta do Jacuí e a Área de Proteção Ambiental(APA) Delta do Jacuí, zonas núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, inclusive tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Estadual (IPHAE). E destacaram o quanto o governo ignora o princípio da prevenção, abrindo as portas para um conjunto de atividades produtoras de gases estufa (GEE), justamente os maiores responsáveis pelas mudanças de clima que tanto vêm alterando as condições de vida humana, animal e vegetal no planeta.

Em janeiro de 2014, a Copelmi entrou com o pedido de Licença Prévia para a Mina Guaíba na Fepam. Só a mina teria cinco mil hectares a 16 km de Porto Alegre. O órgão ambiental não realizou audiência pública na Capital alegando que o município não era área de influência do empreendimento.