Ana Marchesan, uma promotora preocupada com o futuro

Ana Maria Marchesan, 54 anos, quase 30 atuando como promotora de Justiça e 21 anos dedicados à área ambiental, falou com exclusividade ao ClimaInfo sobre as razões que levaram o Ministério Público a barrar licença a ambiental para a Mina Guaíba de carvão e empreendimentos carboquímicos no Rio Grande do Sul.

(Silvia Franz Marcuzzo, para o ClimaInfo)

Ana Maria poderia estar aposentada. Mas rejeita essa possibilidade. “Olha minha cara, sou bem moça”. Ela tem se destacado em vários aspectos do caso mais recente relacionado à exploração de carvão no Rio Grande do Sul: coordenou com pulso firme a audiência pública chamada pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal sobre o licenciamento da Mina Guaíba (foi a primeira vez que o MP fez algo desse tipo).

Ela também é uma das autoras da Ação Civil Pública que busca impedir que o Estado e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) implantem a Política Estadual de Carvão Mineral e o Pólo Carboquímico do Rio Grande do Sul. Na entrevista, ela falou sobre o processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, que, na verdade, é o start para vários outros empreendimentos de exploração de carvão, areia e cascalho numa área a somente 16 km de Porto Alegre. Com a Ação Civil Pública, o órgão não pode expedir qualquer tipo de licença ambiental para empreendimentos nas áreas dos dois complexos carboquímicos, um no Baixo Jacuí, onde ficaria a Mina Guaíba, e outro na Campanha, na região de Candiota.

Conforme a ação do MP, a Política Estadual do Carvão “não foi precedida de um planejamento responsável (orientado tecnicamente) e democrático (com participação e discussão no seio da sociedade), o que induz a considerá-la atentatória aos postulados das constituições estadual e federal”. Faltou participação da sociedade em vários momentos para a estruturação dessas leis. A Lei da Política Estadual foi aprovada em caráter de urgência na Assembleia, em 2017, sancionada pelo então governador Ivo Sartori (MDB), em 2018, e segue sendo defendida pelo atual governo Eduardo Leite (PSDB).

Ana Maria Marchesan é uma das organizadoras do seminário O Futuro do futuro, as perspectivas da legislação ambiental federal e estadual, que será realizado em Porto Alegre no dia 14 de outubro, das 9h às 18h, no auditório do Cubo (OAB) (Rua Manoelito de Ornellas, 55). O evento é uma promoção das ABRAMPA, OAB, AJURIS, do MP/RS, da AJUFERGS e do Instituto “O Direto por um Planeta Verde”.

A questão da Mina Guaíba é emblemática na história ambiental do Rio Grande do Sul?

Sim, está sendo. Fazia muito tempo que eu não via um tema despertar tanto interesse da comunidade gaúcha, quer contra ou a favor dessa mina. Ao mesmo tempo é uma questão ambiental que vem reunindo muitas pessoas em torno de uma bandeira, principalmente aqueles que são contra, nesse local específico. Ao mesmo tempo também que mobiliza pessoas que querem a mineração, e todas as suas consequências. Essa mina vai funcionar como um start, como uma atividade desencadeante de uma série de outras. A oferta de carvão, areia e cascalho que vai gerar. Evidentemente que ela não é uma atividade que se resume em si própria. Ela vai desencadear outras, possivelmente uma indústria de gaseificação ou uma termelétrica.

O processo de licenciamento apresenta uma série de falhas, como dados inconsistentes e falhas no EIA/Rima. E isso foi descoberto principalmente porque a sociedade está se mobilizando. Mas e como ficam os casos onde a sociedade não está tão mobilizada, onde a Fepam não consegue fiscalizar, como outras minas na região de Candiota? Como o Ministério Público vem atuando nesses casos?

Nós atuamos muito na base da denúncia específica. Em toda denuncia que chega no MP o promotor é obrigado a dar uma resposta. Essa resposta pode ser instalar um inquérito. Pode ir além disso, fazer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ajuizar uma ação. Nós temos que dar uma resposta para toda e qualquer representação que chega. Mas para que isso aconteça, a pessoa tem que ter acesso a informação assegurada, para conseguir fazer uma denúncia minimamente embasada.

E as informações para isso estão disponíveis?

Hoje, todo o licenciamento da Fepam está no sistema SOL (Sistema Online de Licenciamento Ambiental). Eles estão melhorando muito esses sistemas de amplo acesso à informação. Mas eu te confesso que eu que sou do ramo, que trabalho diariamente com isso, às vezes tenho dificuldade de chegar a essas informações que são disponibilizadas online. O próprio EIA/Rima da mina eu tive dificuldade de acessar a primeira vez. Tive que ligar para o pessoal da informática pois os arquivos eram muito grandes. Não é uma coisa para não-iniciados fazerem com facilidade. Mas está evoluindo. A Fepam vem melhorando e a disponibilidade de informações também. Só que, é claro, os dados são baseados no trabalho que as consultorias prestam. Não existe uma produção primária de dados. Isso é muito difícil que os órgãos ambientais tenham. Então, o que temos hoje, por exemplo, é o Zoneamento Ambiental da Atividade de Silvicultura, um trabalho orientado por órgãos estatais. Temos o Zoneamento Ecológico Econômico que, ao que me conste, não foi concluído ainda. Nós temos uma avaliação ambiental estratégica para PCHs, que foi um trabalho muito interessante, em que a Fepam inclusive declarou alguns rios livres de barramento. Então há avanços em alguns aspectos.

E como está o processo de licenciamento na Fepam, sobre recomendações à empresa Copelmi?

A Fepam, mais ou menos dez dias antes da nossa audiência pública no MP, mandou um ofício de umas 15 páginas, exigindo uma série de complementações para o empreendedor. Nesse ofício, o EIA/Rima original da Copelmi foi praticamente desconstruído. A própria Fepam reconhece isso. Foram exigidas muitas complementações em um prazo de 120 dias. É um prazo exíguo para tudo que precisa ser feito. Eu penso que seria muito correto que, ao término dessas complementações, a Fepam fizesse outras audiências públicas, porque o EIA/Rima será outro, não será mais igual ao primeiro. Vão ter tantos dados, tantas coisas novas, que a população tem que ter o seu espaço de opinião sobre isso.

A senhora acha que deve ter uma audiência pública em Porto Alegre?

Acho interessante, mas não vejo como exigir isso. Pois não está na área diretamente afetada. Claro que Porto Alegre vai sofrer “n” efeitos dessa atividade. Mas não vi base para se exigir isso. É claro que seria excelente que a Fepam a realizasse, mas obrigatoriamente ela terá que fazer necessariamente em Charqueadas e Eldorado, em função de todos esses dados novos do licenciamento.

E com relação à ação civil pública dos Polos Carboquímicos?

Não temos decisão judicial. O prazo dado pela Vara da Fazenda Pública foi de 15 dias corridos para a Fepam se manifestar. O prazo encerra dia 14 de outubro para a Fepam e dia 15 para o Estado.

Sobre a ação civil pública que contesta a criação de legislação para promover o uso do carvão, no que os senhores se basearam?

Na verdade, essa ação não entra nas questões de danos ambientais propriamente ditos. Embora passe por alguns. Ela é muito mais uma ação que visa assegurar o cumprimento do princípio democrático, que norteia todo direito ambiental. E a questão de não ter havido uma avaliação ambiental estratégica que contemple o somatório de todas essas atividades.

Existe jurisprudência para casos como esse?

Existem ações bastante parecidas, mas para distritos industriais. Para exatamente esse caso, não achei nada. Nós trabalhamos em grupo e nos dedicamos bastante em colocar tudo que encontramos na ação.

E sobre o evento acerca das alterações na legislação ambiental, o que está previsto?

O evento vai tratar de possíveis retrocessos na legislação ambiental em nível federal e estadual Nós teremos expositores de fora do Estado, como o Maurício Guetta e o Rubens Born, que vão abordar o PL da Lei geral do licenciamento e alterações no Código Estadual do Meio Ambiente.

E o que MP está fazendo com relação à possibilidades de mudança?

O Procurador Geral criou um grupo de trabalho para estudar e apresentar sugestões à Assembleia Legislativa. Nós finalizamos este trabalho e ficou muito bom. Esse trabalho será apresentado pelo Procurador Geral e talvez seja apresentado na segunda-feira, dia 14/10.

 

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