As incoerências do setor elétrico

Não é sempre que alguém do setor elétrico faz uma lista das incoerências do setor como a feita pelo ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana. Sua intenção era mostrar que o melhor remédio para a confusão é mais liberalismo no sentido Paulo Guedes da palavra. Mas a lista vale por si só. Santana menciona, por exemplo, a tarifa mais elevada para os grandes consumidores no horário de ponta, que, hoje, por definição regulamentar, vai das 17h às 20h. Isso era razoável quando o pico de consumo ocorria neste período. Só que o pico real agora acontece 2 a 3 horas antes, e ninguém se atreveu a mexer na tarifa. Menciona também que “os custos da energia ofertada variam a cada dia, e até de hora em hora, a depender da combinação das diferentes fontes de geração e do comportamento da carga, mas o preço praticado é semanal, como se toda energia estivesse sendo produzida por única fonte. São de assustar, mas não de surpreender, as resistências para que esses equívocos sejam corrigidos.” Santana imagina “o setor elétrico [imitando] as bancadas da bala e evangélica. Criaremos (…) as bancadas da nuclear, da eólica, das PCH, das UHE, da energia solar, da biomassa e do gás natural, poderosíssima. Na intersecção desses conjuntos estão os subsídios (…) cada um quer passar adiante sua conta do risco, quer seu leilãozinho, sua reserva de mercado e outras benesses.”

Santana faz pouco da inteligência do leitor quando, logo no começo do artigo, diz “que o consumo de energia é de pouco mais de 40% da capacidade instalada de geração, um retrato da ineficiência”. Ficamos nos perguntando se o ex-diretor desconhece o setor que regulou. Os sistemas elétricos de todo o mundo são assim, simplesmente porque o consumo varia ao longo do dia, da semana e do ano, e a capacidade instalada serve para suprir o pico de consumo. Se a demanda de energia fosse próxima à capacidade instalada, o sistema “eficiente” desejado pelo ex-diretor sofreria blackouts diários.

 

ClimaInfo, 4 de abril de 2019.

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