A ciência que explica por que o carvão é tão sujo

Carvão sujo: enquanto o mundo tenta se livrar do carvão por conta do aquecimento global, o Rio Grande do Sul discute a implantação da Mina Guaíba, de termelétricas a carvão e de polos carboquímicos. Vale introduzir na discussão um pouco de ciência básica: por que o carvão é tido como o mais sujo dos combustíveis fósseis?

Akshat Rathi

O mundo não pode esperar para se livrar da dependência de carvão. Sem reduzir drasticamente o uso deste combustível fóssil, há poucas chances de alcançar as metas de redução das emissão de gases de efeito estufa e evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.

Eliminar o problema não tem a ver somente com os gases de efeito estufa: a mineração de carvão e sua queima produzem outras substâncias tóxicas, poluindo nosso ar, água e solo.

O que torna o carvão tão sujo? Para entendermos, teremos que vestir nossos jalecos de laboratório e lidar com um pouco de química.

Aritmética da estufa

O problema dos gases de efeito estufa é relativamente fácil de entender. Todos os combustíveis fósseis são constituídos principalmente por carbono e hidrogênio. Quando queimado, o carbono é convertido em dióxido de carbono e o hidrogênio em água. Cada uma dessas reações produz uma quantidade ligeiramente diferente de calor.

A reação   C + O2 → O CO2   gera 393 kJ de calor

A reação   H2 + 0.5 O2 → H2O   gera 242 kJ de calor

O produto que mais nos preocupa é o dióxido de carbono, um gás de efeito estufa que retém o calor do sol em nossa atmosfera. O ‘menos pior’ combustível fóssil – aquele que produzirá menos emissões de CO2 para gerar a mesma quantidade de calor – é o que contém muitos átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono.

O gás natural vence essa batalha. Ele contém principalmente metano, um molécula simples com a fórmula química CH4. Isso significa que existem quatro átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono, o máximo que um único átomo de carbono pode acomodar.

A fórmula química do carvão é muito mais complexa (como veremos mais adiante). Isso porque, ao contrário do gás natural, o carvão é uma mistura de muitos milhares de tipos de produtos químicos. Mas para entender sua produção de calor, podemos simplificar a fórmula do carvão para CH (que é um átomo de hidrogênio para cada átomo de carbono).

O resultado é que o carvão produz duas vezes mais dióxido de carbono por unidade de energia térmica do que o gás natural.

Tudo começa em um pântano

Para além das emissões de gases de efeito de estufa, o carvão tem outros problemas. E estes têm a ver com a maneira pela qual o combustível fóssil foi formado.

“O carvão é o sólido mais complexo que já encontramos e analisamos”, diz Jonathan Mathews, cientista de carvão da Universidade da Pensilvânia.

Há muitos milhões de anos, algum tipo de evento natural – talvez uma inundação, talvez um tufão – enterrou vastas florestas sob a água. À medida que novas camadas de solo eram depositadas no topo das árvores, privando-as de ar, a madeira enterrada lentamente se transformava em turfeiras. O acúmulo de mais e mais camadas de sedimentos foi aumentando a pressão e a temperatura do material, até que, finalmente, o pântano se transformou em carvão.

Estamos sendo propositadamente vagos sobre “muitos milhões de anos” porque os depósitos de carvão em diferentes regiões podem ter diferentes idades. O carvão nos Estados Unidos foi criado durante o período Carbonífero, que durou de 360 milhões a 300 milhões de anos atrás. O carvão brasileiro, assim como o australiano, foi formado durante o período Permiano, entre 300 milhões e 250 milhões de anos atrás.

Por ser originalmente formado a partir de plantas, o carvão contém principalmente carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. O carvão ajudou a criar o ramo da química baseada em carbono que chamamos de “química orgânica”. Quando o carvão é aquecido na ausência de ar, sua mistura complexa se decompõe em formas mais simples. Esses produtos químicos – como benzeno, tolueno, naftaleno, antraceno e fenol – formam a base de perfumes, explosivos e medicamentos.

As plantas também têm uma série de outros elementos da tabela periódica em quantidades muito menores. Durante a sua formação, o carvão pode absorver outros elementos encontrados nos depósitos de lama circundantes ou na água contaminada. Dependendo da geologia da região, os tipos e as quantidades desses elementos variam; mais da metade da tabela periódica de elementos já foi detectada em diferentes tipos de carvão.

“O processo pelo qual o carvão se forma constitui sua complexidade”, diz Mathews. “É por isso que quase todo pedaço de carvão encontrado é quimicamente único.

Quando o carvão é queimado, muitos desses elementos são despejados na atmosfera junto com outros gases. Eles podem viajar quilômetros antes de pousar em plantas ou no solo, onde podem vir a ser absorvidos por árvores ou culturas agrícolas e, eventualmente, ser consumidos por humanos. Alguns desses elementos também podem acabar nos pulmões das pessoas, onde os elementos venenosos como estanho, cádmio e mercúrio podem causar danos reais aos sistemas nervoso, digestivo e imunológico.

Apesar das normas relativas à indústria do carvão, estes metais acabam frequentemente no ambiente. Nos EUA, por exemplo, mais de 40% de todas as emissões de mercúrio provêm de usinas elétricas a carvão. Em 2014, somente naquele país, as atividades relacionadas ao carvão também liberaram 40 toneladas métricas de chumbo, 30 toneladas de arsênico e 4 toneladas de cádmio.

O carvão é feito de basicamente tudo

 

E termina no smog

No entanto, todos esses poluentes químicos só representam parte do problema. A manifestação mais visível do impacto ambiental do carvão é o smog: o resultado da reação química da queima do carvão. Como o carvão é uma mistura complexa de produtos químicos, ele não queima de forma tão limpa quanto o gás natural – nem todo o carbono e hidrogênio se converte em dióxido de carbono e água. Em vez disso, a fumaça do carvão contém partículas não queimadas ou meio queimadas de carbono, óxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e muitas moléculas orgânicas complexas formadas no processo de combustão.

Cada uma delas tem sua própria maneira de causar danos. Vamos comentá-los um a um.

Fuligem: Partículas de carvão não queimadas ou meio queimadas podem ser categorizadas como fuligem. Sua aparência (e em grande parte sua composição química) é semelhante à fuligem encontrada nas chaminés das lareiras e fogões a lenha: um fino pó preto. A fuligem, que pode transportar qualquer um dos contaminantes listados acima, é prejudicial para os pulmões. Mas é ainda mais prejudicial porque é compostas de partículas pequenas capazes de entrar, uma vez inaladas, na corrente sanguínea. Estas partículas podem até mesmo acabar no cérebro.

Óxido de enxofre: nas altas altas temperaturas dentro de uma fornalha, o enxofre no carvão e o oxigênio no ar se combinam para formar óxidos de enxofre, que é um irritante do sistema respiratório. Quando estes óxidos se combinam com a água, formam ácido sulfúrico – criando chuvas ácidas. Nos anos 60 e 70, a chuva de enxofre era um fenômeno comum nos EUA e em outros países. Desde então, a maioria das usinas de energia foi obrigada a instalar equipamentos que retiram as emissões de enxofre nas chaminés, mas algum enxofre ainda escapa para a atmosfera.

Óxidos de nitrogênio: Assim como o enxofre, o nitrogênio no carvão se combina com o oxigênio no ar para formar uma mistura de óxidos de nitrogênio. Estes são irritantes e podem causar doenças respiratórias como pneumonia. Os óxidos de nitrogênio também são quimicamente ativos, o que significa que eles se misturam com outros poluentes na atmosfera para criar novos compostos, como o ozônio.

Compostos orgânicos voláteis (COVs): a mineração e a queima de carvão liberam compostos à base de carbono nocivos que persistem na atmosfera como gases. É com eles que os óxidos de nitrogênio podem reagir para formar ozônio e outros poluentes. Esses produtos químicos são prejudiciais para os seres humanos, outros animais e plantas.

Monóxido de carbono: às vezes, em vez do carbono se combinar com o oxigênio para formar dióxido de carbono, ele reage para criar monóxido de carbono – um gás venenoso.

Ao longo dos anos, os regulamentos das centrais elétricas a carvão têm ajudado a reduzir alguns desses poluentes. No entanto, as centrais elétricas a carvão indianas estão seriamente atrasadas. Em 2015, o governo estabeleceu um prazo para 2017 para que as usinas de energia instalem equipamentos que reduzam as emissões de enxofre e nitrogênio. Poucas usinas de energia haviam cumprido esse prazo, então agora o governo o prorrogou até 2022. Esse atraso pode causar pelo menos 26 mil mortes prematuras e a perda de muitos milhões de dias de trabalho por ano.

Os países mais avançados já têm esses depuradores instalados – e alguns deles estão indo um passo adiante. Duas usinas elétricas a carvão, uma no Canadá e outra nos EUA, agora captam a maior parte do dióxido de carbono que produzem. Em ambos os casos, o dióxido de carbono capturado é bombeado para o solo para extrair petróleo. Uma vez que a tecnologia se torne suficientemente barata, os emissores poderiam simplesmente enterrar seu dióxido de carbono no subsolo sem ter que subsidiar o processo vendendo petróleo.

Dito isto, nenhuma regulamentação será capaz de eliminar completamente as emissões nocivas da queima de combustíveis fósseis. Seus danos só podem ser deixados para trás se pararmos de extraí-los do solo.

Originalmente publicado na Quartz: https://qz.com/1731040/the-science-of-what-makes-coal-so-dirty/