COP15-CDB: Explicando a grande conferência de biodiversidade

Onça pintada do pantanal

Este breve guia para as conversações da COP15-CDB foi escrito por Mike Shanahan, em março de 2020.

A biodiversidade abrange toda uma variedade de vida – todos os genes, espécies e ecossistemas – e está em perigo, o que significa que nós humanos também estamos. Como este artigo explica, uma grande conferência na China será realizada em outubro deste ano. A COP15-CDB, organizada pela ONU pode ter grande impacto em nosso destino coletivo, ajudando a acabar com a perda da biodiversidade.

Quando acontecerá a Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade, a COP15-CDB?

De 15 a 28 de outubro, a cidade chinesa de Kunming será sede da Conferência da ONU sobre Biodiversidade, também chamada CDB COP15 – a décima quinta reunião da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade (CDB).

CD-o-quê?

A Convenção da Biodiversidade (CDB) foi acordada na Cúpula da Terra no Brasil, em 1992, e tem três objetivos: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e a repartição justa dos benefícios decorrentes do uso dos recursos genéticos. Cerca de 195 países e a União Europeia são agora parte do acordo. Apenas os Estados Unidos e a Cidade do Vaticano não ratificaram a CDB.

Que resultado se espera da CDB?

Simplesmente um novo plano para salvar a vida na Terra. A COP15-CDB pretende adotar algo que está sendo chamado de “Estrutura Global de Biodiversidade Pós-2020”. Esta delineará o que os países precisam fazer, individual e coletivamente, na próxima década e daí para frente, para colocar a humanidade no rumo certo para a consecução da visão geral da CDB que busca “viver em harmonia com a natureza” até 2050.

Como o plano está se construindo?

Um grupo de trabalho da CDB copresidido pelo Canadá e por Uganda produziu um “esboço zero” de sua estrutura. O esboço tem cinco metas de longo prazo, para 2050, com marcos intermediários, e 20 metas a serem alcançadas até 2030. O esboço será refinado nos próximos meses em duas reuniões do grupo de trabalho e de outros processos da CDB. O objetivo é produzir um texto que todas as partes possam aprovar em outubro de 2020. A grande questão é, de agora em diante, se os países vão evoluir a partir desse rascunho e aumentar as ambições ou diluir o que está nele.

Por que a biodiversidade é importante?

Embora as mudanças climáticas tenham capturado a atenção do público e fomentado agendas políticas e empresariais, a biodiversidade tem ficado para trás. Isso está mudando junto com a percepção crescente de que nosso destino está inextricavelmente ligado ao do resto da natureza. Em 2019, o Painel Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos deixou isso claro ao advertir que a perda da natureza está acelerando a um ritmo sem precedentes, com graves impactos para o bem-estar humano, e que um milhão de espécies correm risco a extinção.

A CDB precisa de um alvo máximo (como o 1,5°C do Acordo de Paris)?

Os participantes da CDB estão divididos de forma bastante equilibrada sobre se devem ou não estabelecer uma meta de alto nível a ser atingida até 2030, como um status geral de biodiversidade. Alguns acreditam que isso ajudaria. Outros dizem que distrairia do trabalho de implementação do novo quadro pós-2020, e que é impossível capturar a complexidade dos ecossistemas e espécies com uma métrica única.

Quem lidera as conversações e por que isso é importante?

Até o início da COP15-CDB, o processo da CDB permanece sob a liderança do Egito, que sediou a COP14-CDB em 2018. Quando a China assumir, em Kunming, seu ministro de Ecologia e Meio Ambiente, Li Ganjie, provavelmente presidirá as conversações. Há alguns receios quanto a China preferir encaminhar o diálogo em direção a qualquer acordo em vez de direcionar as ambições para um acordo forte e que corra o risco de não ser bem sucedido. “Há um perigo real das partes acordarem algo medíocre e celebrarem isso como um sucesso”, diz Georgina Chandler, oficial sênior de política internacional da Sociedade Real para a Proteção dos Pássaros.

Quais outro países serão fundamentais para as conversações?

A Costa Rica está pressionando fortemente em direção a um resultado robusto. As Ilhas Seicheles, os Emirados Árabes Unidos, Mônaco, Gabão e Moçambique juntaram-se à sua posição. Outras partes que tendem em direção a ter forte ambição incluem UE, Noruega e Canadá. As nações africanas são em geral também participantes-chave, particularmente na garantia de uma partilha justa dos benefícios resultantes da comercialização de recursos genéticos. Como expectativa, a Turquia será anfitriã da próxima COP e deve querer herdar um processo com um impulso positivo. Enquanto isso, alguns outros países podem tentar bloquear as ambições. Há preocupações, por exemplo, quanto à Argentina e o Brasil resistirem a ambições relacionados à metas florestais que restrinjam a agricultura.

Que pontos controversos podemos esperar?

As COPs podem chegar a dezenas de decisões. Algumas são incontroversas. Outras são altamente contestadas, tais como a forma como benefícios de uso de recursos biológicos são compartilhados. Uma questão relacionada diz respeito a como países ou empresas poderiam lucrar com informações digitais sobre sequências genéticas, sem precisar de acesso físico aos recursos genéticos. Aqueles que usam informações sobre sequências digitais poderiam potencialmente evitar ter que cumprir as regras da CDB sobre compartilhamento de benefícios. Enquanto algumas partes dizem que isso está além das atribuições do Protocolo de Nagoya da CDB sobre acesso e compartilhamento de benefícios, outras dizem que falhas no encaminhamento da questão poderiam tornar o protocolo inútil. Outra grande questão em Kunming será o conteúdo final das metas e indicadores no quadro pós-2020, e o quão ambiciosos serão. Também é fundamental a “mobilização de recursos”, em outras palavras, com quanto dinheiro os países se comprometerão no financiamento de ações para implementar a nova estrutura. O resultado global da CDB COP15 dependerá de como as partes negociarão demandas em algumas dessas áreas versus concessões em outras.

Já não vimos isso antes?

Infelizmente, sim. Em 2002, os signatários da CDB se comprometeram a “alcançar até 2010 uma redução significativa da atual taxa de perda de biodiversidade”. E falharam. Assim, em 2010, as partes signatárias se reuniram no Japão e chegaram a um novo plano, que incluiu as 20 Metas de Aichi. Tudo indica que nenhuma dessas metas será totalmente cumprida no prazo este ano. A cada fracasso, a tarefa se torna cada vez mais difícil.

O que é diferente desta vez?

As metas da estrutura pós-2020 estão mais “orientadas para resultados” do que anteriormente, claramente articuladas e com prazos limitados – no tocante a espécies, habitats e compartilhamento de benefícios, por exemplo – que são sustentadas por ações (as metas) para lidar com os vetores da perda de biodiversidade. Contudo, é muito cedo para dizer quão positivo será o quadro pós-2020, uma vez que será revisto substancialmente nos próximos meses.

Como vai funcionar a CDB COP15?

A COP15-CDB inclui reuniões das partes signatárias de três acordos internacionais: a CDB e dois protocolos subsidiários, a saber, o Protocolo de Cartagena sobre biossegurança (com 172 partes) e o Protocolo de Nagoya sobre acesso e compartilhamento de benefícios (123 partes). Como a COP15-CDB não é uma cúpula, é pouco provável que Chefes de Estado compareçam. O segmento inicial de “alto nível” atrairá ministros do meio ambiente, embora nem todos os países enviem os seus. O restante da conferência envolverá a negociação de decisões com as quais todas as partes possam concordar até seu final. Grupos da sociedade civil, povos indígenas, cientistas, empresários e outros participarão como observadores e através de eventos paralelos.

A CDB pode influenciar as negociações da ONU sobre as mudanças climáticas?

Sim. A COP15-CDB terminará poucas semanas antes do Reino Unido sediar a COP26, as próximas negociações internacionais no âmbito da UNFCCC. As ambições na COP15-CDB, e sua subsequente implementação, elevariam a contribuição de soluções baseadas na natureza em relação a compromissos previstos como parte da COP26 da Convenção Clima. Um dos objetivos gerais do cenário preliminar é que a natureza contribua em “pelo menos [30%]” dos esforços para se alcançar as metas do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas (os colchetes mostram que este valor está aberto a negociações).

Qual a importância das conversações para as espécies ameaçadas de extinção?

As negociações da CDB raramente mencionam espécies individuais, mas há um objetivo proposto de se reduzir as extinções e aumentar o tamanho das populações. As decisões tomadas em Kunming terão, portanto, influência sobre o destino de todas as espécies, desde pangolins e onças ameaçados de extinção até recifes de corais e araucarias – e nossa própria espécie também.

Por que na China? Por que em Kunming e não na capital? (1)

A CDB COP15 é uma oportunidade para a China divulgar seus esforços em proteção de biodiversidade tanto em casa, por meio de sua visão de “civilização ecológica” e do uso de “ecológico“, quanto no exterior – por meio de sua iniciativa “Belt and Road”. Quando a China se ofereceu para sediar a COP15-CDB, escolheu Pequim como sede, mas mais tarde transferiu-a para Kunming. Em termos de biodiversidade, isto faz sentido. Kunming é a capital da província de Yunnan, no sudoeste subtropical da China. A província tem mais espécies de plantas do que qualquer outra, incluindo mais de 2.500 não encontradas em nenhum outro lugar da Terra. Com apenas 4% do território da China, abriga 72,5% das espécies animais protegidas do país, incluindo tigres e elefantes selvagens.

Neste outro artigo Li Shuo, do Diálogo Chino, afirma que a COP15-CDB precisa de um legado que possa resistir ao teste do tempo, e não de uma vitória cosmética

Momentos-chave no caminho para Kunming

24-29 de Fevereiro (Roma, Itália)

O grupo de trabalho que está elaborando o cenário da biodiversidade pós-2020 se encontra para avançar com os trabalhos sobre o texto. Esta reunião foi transferida de Kunming por causa do surto de coronavírus que começou na China.

17-20 de Março (Montreal, Canadá)

O “Grupo Especial Técnico Especialista em Informação sobre Sequências Digitais” da CBD se reunirá para montar recomendações sobre como abordar a informação digital sobre sequências genéticas no novo cenário.

18 de Maio (Montreal, Canadá)

A CDB lançará a quinta edição do seu Global Biodiversity Outlook, que fará um balanço do progresso, ou da falta dele, em direção aos Alvos de Aichi.

18-23 de Maio (Montreal, Canadá)

O “Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico” da CBD se reunirá para se concentrar em assuntos científicos e técnicos em relação à CDB COP15 e ao quadro pós-2020.

25-30 de Maio (Montreal, Canadá)

O “Órgão Subsidiário de Implementação” da CDB se reunirá para focar em questões como a mobilização de recursos, o desenvolvimento de capacidades e o monitoramento de progresso no contexto da nova estrutura.

2-6 de Junho (Lisboa, Portugal)

A Conferência dos Oceanos da ONU deve impulsionar metas ambiciosas para a biodiversidade marinha no cenário.

11-20 de Junho (Marselha, França)

A União Internacional para a Conservação da Natureza vai realizar seu Congresso Mundial de Conservação. A biodiversidade e a CDB COP15 estarão no topo da agenda.

27-31 de Julho (Cali, Colômbia)

O grupo de trabalho da CDB fará sua reunião final para desenvolver um esboço da estrutura pós-2020 para as partes considerarem na COP15.

20 de Setembro (Nova Iorque, Estados Unidos)

A Assembleia Geral da ONU convocará uma Cúpula de Chefes de Estado e Governos sobre Biodiversidade para dar impulso político à CDB COP15.

15-28 de Outubro (Kunming, China)

A grande conferência em si.