Projeto de lei recicla MP 910 e carrega vários de seus problemas

MP 910 PL 2633

A despeito das promessas contrárias feitas na semana passada, o PL 2.633 sobre regularização fundiária repete os mesmos equívocos da falecida MP 910 e segue tendo o potencial de intensificação do desmatamento ilegal e a grilagem de Terras Públicas.

O PL é uma das prioridades na agenda da Câmara dos Deputados nesta semana e deve entrar na pauta de votação da Casa nos próximos dias. De acordo com o relator, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), o texto da nova proposta é “completamente diferente” da MP 910 e cria um processo simplificado de regularização para aqueles que demonstrarem posse mansa, pacífica e produtiva da terra desde 2008. A regularização por sensoriamento remoto, um dos tópicos mais conflituosos do debate, seria limitada a propriedades rurais com até seis módulos fiscais (MF), bem abaixo dos 15 MF propostos pela MP 910 como limite para esse procedimento. Além disso, ressalta o relator, a regularização de MF contínuos em nome de parentes seria vetada para evitar fraude. Por fim, Ramos diz que o PL 2.633 não ameaça Terras Indígenas e Quilombolas e Unidades de Conservação, e que o PL não estimula o desmatamento e a grilagem de Terras Públicas.

O problema, no entanto, está nos detalhes. Em nota oficial, o Observatório do Clima (OC) identifica alguns pontos que seguem sendo problemáticos no novo projeto. Primeiro, o PL aumenta o risco de titulação de áreas sob conflito e contraria uma decisão do STF, já que amplia a dimensão dos imóveis com isenção de vistoria prévia sem reforçar medidas de fiscalização remota. Outro problema é que o sensoriamento remoto não conseguirá comprovar ocupação mansa e pacífica, nem que o declarante não tomou terras de indígenas ou de outras populações tradicionais cujos territórios ainda não foram formalizados. Além disso, o PL permite, segundo o OC, titular áreas desmatadas ilegalmente, já que aquelas que ainda não foram autuadas ou embargadas poderiam ser tituladas sem se exigir assinatura prévia de instrumento de regularização de passivo ambiental.

Em termos de regularização fundiária, ainda de acordo com o OC, o PL não traz nada novo nem contribui para facilitar a vida de pequenos produtores rurais, que já contam na prática com regras flexíveis para regularizar suas propriedades. Na verdade, ele pode estimular a ocupação de novas áreas visando obtenção de terra via licitação facilitada, já que o PL oferece ampla discricionariedade para o Poder Executivo na definição das regras para esse processo.

Nem o relator, nem ninguém do campo ruralista explicou porque o aumento de 2 ha no limite já estabelecido por lei, se eles mesmo dizem que 95% dos pequenos agricultores moram em áreas de até 4 ha.

Valem a pena duas leituras para entender melhor o debate. Um artigo do jornalista Claudio Angelo, no Poder 360, defende que a regularização fundiária não seja limitada às propriedades rurais, mas para todos os 123 milhões de hectares de glebas federais existentes apenas na Amazônia. “Não é só transferir terra para agricultor: regularizar significa, por exemplo, criar Unidades de Conservação em terras devolutas. Significa resolver a situação de 92 Terras Indígenas que ainda não estão homologadas na região. Significa criar assentamentos de reforma agrária”, argumenta Angelo.

A outra leitura é uma nota técnica do Projeto Clima & Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), a qual identifica os principais riscos do texto do PL 2.633 para o esforço de combate ao desmatamento e de conservação ambiental no Brasil, além de oferecer elementos para o aprimoramento do projeto.

 

ClimaInfo, 19 de maio de 2020.

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