Os nomes dos “bois” de Ricardo Salles

Salles nome aos bois

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, insiste em tocar sua “boiada” adiante, mesmo depois de receber críticas contundentes no Brasil e no exterior por conta de sua declaração polêmica na reunião ministerial de 22 de abril, revelada pela gravação divulgada pelo STF na semana passada.

Em entrevista ao UOL na 2ª feira (25), Salles contestou estas críticas e reafirmou que sua intenção ao dizer que a pandemia era a oportunidade para a “boiada” passar era a de avançar na desburocratização da legislação ambiental, tida por ele como excessiva e prejudicial ao ambiente de negócios no Brasil. Organizações da sociedade civil aproveitaram essa entrevista para fazer um fact-check das falas de Salles just-in-time, nas redes sociais, com a hashtag #ChecaSalles, e apontaram os diversos equívocos e inverdades de suas colocações.

Como Marcos Candido ressalta no UOL Ecoa, o problema de Salles vai muito além do uso de dados incorretos. A entrevista com o ministro foi analisada por Claudia Cotes, doutora em linguística e fonoaudiologia, que apontou alguns expedientes retóricos usados por Salles para não responder às perguntas. Por exemplo, ela mostra que o ministro mescla formalidade a expressões que transmitem “artificialidade”, como se tivesse decorado falas para serem ditas diante de um tribunal. “Falar difícil não é sinônimo maior de clareza”, diz a linguista. “Durante a pandemia (…) muitos líderes mundiais se mostram realmente solidários e a comunicação tende a ficar menos formal, mais clara, genuína, objetiva, afetiva e verdadeira. Não é o caso do ministro”.

O que fica claro, tanto da fala de Salles naquela reunião quanto nas respostas dadas na entrevista, é que o meio ambiente não faz parte das preocupações do ministro da pasta que leva este nome. Soma-se à desconsideração dele sobre o tema a insensibilidade com o drama vivido por muitos brasileiros nos últimos meses por conta da pandemia.

Em um artigo no Estadão, João Paulo Capobianco e André Lima, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, dizem que o ministro “confessou abertamente, na frente do Presidente da República e de dezenas de integrantes do mais alto escalão de governo, o propósito de ‘by-passar’ a mídia, e consequentemente o controle social, realizando o desmonte do Sistema Jurídico Ambiental às escuras, sem qualquer transparência. Desdenhou da grave crise de saúde do país, tratando-a como uma oportuna ‘tranquilidade no aspecto da cobertura de imprensa’ para viabilizar seu plano íntimo com o menor custo político possível”.

Para não ficar apenas nas críticas, ontem a “boiada” de Salles foi ao resgate de seu ministro. Com um anúncio de página inteira nos principais jornais do país, um grupo de associações empresariais declarou “apoio total” a Ricardo Salles e criticou a “burocracia” das regras de proteção ambiental: “As ações do Ministério do Meio Ambiente, na defesa da legislação e dos interesses ambientais com sensibilidade ao desenvolvimento do país de forma sustentável e legítima, contam com nosso total apoio”, declara o grupo no anúncio. A peça é assinada por entidades do setor agropecuário, como a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (APROSOJA), e por associações de outros setores, como a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (ALSHOP), os Sindicatos das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (SECOVI) e os Sindicatos da Indústria da Construção Civil (SINDUSCON) de diversos estados, além de diversas organizações de menor porte.

Perguntamos no Twitter a algumas das empresas filiadas a estas associações se concordavam com a mensagem do anúncio. O mesmo fizeram o Observatório do Clima e algumas das suas organizações filiadas. Avon, Natura e Beach Park responderam rapidamente dizendo que não haviam sido consultadas e que não concordavam com o teor do anúncio.

Em tempo: Para muita gente no Congresso Nacional, inclusive parlamentares que apoiam propostas de regularização fundiária, a tramitação do PL 2.633, que o governo Bolsonaro e a bancada ruralista passaram o mês inteiro pressionando pela votação, será impactada pela repercussão da fala de Ricardo Salles na reunião ministerial de 22 de abril. De acordo com Marcelo Ribeiro, no Valor, a fala foi mal recebida entre os congressistas e fez desabar o acordo que vinha sendo costurado para colocar o projeto em votação nos próximos dias. O próprio relator da matéria, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), reconhece que a votação pode ficar para depois da pandemia.

 

ClimaInfo, 27 de maio de 2020.

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