Ricardo Salles inaugurou o compromisso climático a la “Viúva Porcina”, aquela que foi sem nunca ter sido. Durante o lançamento da proposta do governo Bolsonaro para a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o Acordo de Paris, o ministro afirmou publicamente que estava “colocando o compromisso do governo brasileiro com a neutralidade do carbono em 2060”. Traduzindo: o Brasil se comprometeria a atingir emissões de carbono líquidas zero até 2060, o que colocaria o país em um rol de nações que anunciaram recentemente o mesmo tipo de compromisso, com prazos de 2050 a 2060.
O problema é que o texto submetido pelo governo brasileiro à UNFCCC ontem (9/12) não diz isso. Pior: essa meta seria “indicativa” e condicionada “ao funcionamento apropriado dos mecanismos de mercados definidos pelo Acordo de Paris”. Ou seja, diferentemente do que foi dito por Salles, o Brasil não se compromete com a neutralidade do carbono em 2060.
O documento tem outras pérolas, como, por exemplo, sugerir que a proposta teria sido desenvolvida com diálogo e participação da sociedade civil via o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas – o que não aconteceu.
O mais grave, no entanto, é a falta de dados absolutos sobre a redução de emissões pretendida pelo Brasil para 2025 e 2030. Como bem explicou Natalie Unterstell na Época, da forma como o governo apresentou a proposta, o país terá a proeza (e a cara de pau) de entregar um compromisso que pode aumentar as emissões nacionais de carbono, ao invés de reduzi-las.
Na 1ª NDC, o Brasil descreveu em números absolutos o volume de emissões que pretendia reduzir – 1,3 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030 – baseando-se nos níveis de emissões do país em 2005 (2,1 GtCO2e). Ao não citar esses dados e indicar que adotará como referência os dados do 3º Inventário Nacional de Emissões (que mostra o volume de emissões do país em 2,8 GtCO2e em 2005), isso cria uma distorção nos percentuais de redução pretendidos pelo governo, enfim, uma “pedalada” climática. “A nova proposta diminui, na prática, a meta anterior. Uma diferença grande como esta pode colocar o país em maus lençóis”, argumentou Unterstell, o que violaria não apenas o espírito do Acordo de Paris, mas as regras que o governam.
Em tempo: No Valor, Daniela Chiaretti ouviu a opinião de especialistas sobre a nova NDC apresentada pelo Brasil para o Acordo de Paris. Ela destacou o “copia-cola” das metas percentuais de redução de emissões, que repetiram os números do 1º compromisso brasileiro, e o fato de que a definição da proposta foi feita sem diálogo com outras áreas do governo federal, como o ministério da economia. O site Climate Home repercutiu o anúncio.
ClimaInfo, 10 de dezembro 2020.
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