Mecanismo de ajuste de carbono na fronteira europeia e seu impacto no comércio internacional

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Por Luan Santos1 e Thauan Santos2

A União Europeia (UE) está considerando o projeto de um mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (carbon border adjustment mechanism – CBAM) para colocar um preço de carbono nas importações de países menos ambiciosos na agenda climática. O mecanismo está sendo considerado devido à ambição da UE de atingir a neutralidade climática até 2050 e ao preço relativamente alto do carbono necessário para atingir essa meta. O objetivo é evitar o “vazamento de carbono” (carbon leakage) – ou o encerramento da produção local e o seu deslocamento para países com políticas climáticas menos rigorosasi.

De acordo com a Comissão Europeia (CE), o mecanismo se trata de uma ferramenta de combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas, e não de proteção à indústria nacional. “O CBAM é uma grande oportunidade para conciliar questões de clima, indústria, emprego, resiliência e soberania. Devemos deixar de ser ingênuos e impor o mesmo preço do carbono aos produtos, sejam eles produzidos dentro ou fora da UE, para garantir que os setores mais poluentes também participem do combate às mudanças climáticas e inovem rumo ao carbono zero. Esta é a nossa melhor chance de permanecer abaixo do limite de aquecimento de 1,5°C, ao mesmo tempo em que pressionamos nossos parceiros comerciais a serem igualmente ambiciosos para entrar no mercado da UE”, disse o relator do Parlamento da UE, Yannick Jadotii. No entanto, esta afirmação tem sido fortemente questionada por alguns países.

O novo mecanismo pretende ser parte de uma estratégia industrial mais ampla da UE e cobrir todas as importações de produtos e commodities cobertos pelo Esquema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS), ou seja, o mercado de carbono da UE. Os membros do Parlamento Europeu acrescentaram que ele deve abranger o setor da eletricidade e setores industriais com uso intensivo de energia, como o cimento, o aço, o alumínio, as refinarias de petróleo, o papel, o vidro, os produtos químicos e os fertilizantes. No entanto, deve-se destacar que estes setores já recebem substanciais permissões/licenças gratuitas (free allowances) no âmbito do EU ETS, o que já pode ser entendido como um instrumento de subsídio setorial.

Outra questão relevante é a necessidade de se garantir que este mecanismo seja compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Assegurar a aprovação da OMC será um desafio, mas o Dr. Jürgen Zattler, diretor-geral do ministério de cooperação econômica e desenvolvimento da Alemanha, está confiante de que um CBAM pode ser projetado de maneira compatível com a OMCiii. A questão mais importante para a compatibilidade com a OMC é garantir o tratamento não discriminatório das mercadorias importadas sujeitas a tal mecanismo. Outra questão técnica foi a substituição do tradicional termo da literatura “border adjustment tax” (BAT) por “border adjustment mechanism”, visto que uma taxa encontraria sérios problemas na OMS, podendo ser interpretada como uma barreira comercial tarifária (e não fitossanitária).

Em termos das próximas etapas, o Parlamento Europeu aprovou o princípio da criação de um CBAM em 10 de março e se espera que a CE avance com uma proposta legislativa para a sua introdução em junho, para possível implementação em 2023iv. A UE calcula que o CBAM poderia gerar entre € 5-14 bilhões em receitas anuais, dependendo de seu escopo e intensidade. O que deve ser feito com essas receitas provavelmente será um tema de grande debate. Como parte de sua proposta para um fundo de recuperação no contexto do coronavírus no início deste ano, a CE afirmou que as receitas do CBAM poderiam ser usadas para pagar parte dos € 750 bilhões em fundos que a instituição vai tomar emprestado no mercado de capitais nos próximos mesesv.

O Reino Unido (que não é mais membro da UE) e os Estados Unidos também expressaram apoio a uma política semelhante, na esperança de proteger suas políticas de descarbonização (bem como suas próprias indústrias), enquanto pressionam os países mais atrasados no desenvolvimento de suas próprias políticas de precificação de carbono. O governo australiano, por exemplo, mostrou uma grande preocupação com o plano da UE, argumentando que se trata de uma medida fundamentalmente protecionistavi. De acordo com algumas estimativas, isso poderia atingir mais de 20 bilhões de dólares australianos em exportações por anovii. Nesse sentido, vários questionamentos surgem sobre as reais intenções desse mecanismo, bem como sobre os impactos na balança comercial dos principais parceiros comerciais da UE, dentre eles o Brasil, que tem na UE seu terceiro principal parceiro comercial. Infelizmente, a discussão sobre os reais impactos econômicos desse mecanismo sobre as exportações brasileiras não está sendo avaliada nacionalmente, configurando-se como uma agenda a ser urgentemente endereçada.

Como se pode prever, a medida teria um sério impacto nas indústrias de fora da UE. Os países em desenvolvimento estariam especialmente em risco, por isso devem ser realizados debates visando a identificar estratégias para minimizar esses impactos e evitar que os parceiros comerciais da UE sejam afetados de forma desproporcional. No caso do Brasil, é necessário levar em consideração a relevância estratégica da UE para a economia brasileira, especialmente em termos de comércio internacional e investimentos estrangeiros. Não podemos esquecer, ainda, o acordo Mercosul-UE, cujas negociações estão em curso (e passando por grandes dificuldades nas últimas semanas), e que será potencialmente afetado por este mecanismo europeu.


1 Professor do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ), da Engenharia UFRJ-Macaé e Head of Research da Brazilian Research Alliance for Sustainable Finance and Investment (BRASFI). Contato: [email protected].

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN), Coordenador do Grupo Economia do Mar (GEM) e Pesquisador do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Contato: [email protected].

ClimaInfo, de abril de 2021.

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