Cientistas afirmam que para reduzir impacto sobre o clima único nível tolerável de emissão de CO2 é zero
Que as mudanças climáticas atuais são causadas pelos humanos apenas os negacionistas duvidam. Mas os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) agora têm mais certezas sobre essa contribuição antrópica: do aquecimento de 1,09°C observado entre 2011 e 2020 em comparação com o período pré-industrial (1850-1900), 1,07°C — quase tudo — provavelmente deriva de atividades humanas como o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis.
Esta é uma das conclusões do Grupo de Trabalho 1 para o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) divulgado nesta segunda-feira (9/8). As afirmações do IPCC têm sempre algum indicador de probabilidade, o que já fez o Painel ser acusado de “conservadorismo” e de facilitar o trabalho dos negacionistas. É exatamente por isso que o relatório de hoje causa apreensão.
Na linguagem do IPCC, o conjunto de eventos climáticos extremos recentes seria extremamente improvável de ocorrer sem influência humana. E ela provavelmente contribuiu para um aumento global da precipitação desde os anos 1950 e mais aceleradamente desde a década de 1980. Há alta confiança sobre a influência humana no aumento da precipitação extrema associada a ciclones tropicais, e é virtualmente certo que a frequência e a intensidade de extremos de calor e a intensidade e duração de ondas de calor aumentaram na maior parte do planeta desde 1950.
Novos Cenários de Emissões
No relatório de hoje, o AR6 apresenta uma nova série de cenários de emissões — cinco no total — batizado de Projeto de Intercomparação de Modelos Climáticos Versão 6 (CMIP6). São dois cenários de baixas emissões (SSP1-1.9 e SSP1-2.6), um de médias (SSP2-4.5) e dois de altas (SSP3-7 e SSP5-8.5).
Em todos os cenários, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris — limitar o aquecimento a 1,5o —, é ultrapassada no começo da próxima década, dez anos antes do previsto. No cenário SSP1-1.9, de emissões mais baixas, o aquecimento voltará a estar abaixo desse patamar somente no fim do século e em resposta a um corte ambicioso de emissões que começasse já.
A temperatura global entre 2081 e 2100 será muito provavelmente 1°C a 1,8°C mais alta do que entre 1850 e 1900 no melhor cenário de emissões e de 3,3°C a 5,7°C mais quente no pior cenário.
Algumas regiões semiáridas e a chamada Região da Monção da América do Sul, que engloba parte do Centro-Oeste brasileiro, da Amazônia, da Bolívia e do Peru, deverão ter os maiores aumentos de temperatura nos dias mais quentes do ano — até duas vezes acima da taxa de aquecimento global.
Outra novidade do AR6 são as estimativas regionalizadas de médio prazo (próximos 30 anos), que podem orientar medidas de adaptação. Todas as regiões do planeta sofrerão mudanças do clima nesse período, e essas mudanças serão maiores com 2°C do que com 1,5°C de aquecimento. Em 2050, se o limite de 2°C for atingido, muitas regiões terão aumento na probabilidade de vários eventos extremos simultâneos ou sequenciais, afetando, por exemplo, regiões produtoras de alimentos.
Longo passado pela frente
As emissões do passado já tornaram irreversíveis algumas consequências do aquecimento global, como o degelo, o aumento no nível do mar e as mudanças nos oceanos.
É virtualmente certo que o nível dos oceanos continuará subindo, já que a expansão térmica é irreversível na escala de centenas a milhares de anos, mas a elevação neste século dependerá do cenário de emissões: de 28 cm a 55 cm no melhor cenário (SSP 1.9) em relação à média 1995-2014; 63 cm a 1,02 m no pior (SSP 8.5). Neste pior cenário, picos de maré alta extrema que ocorriam uma vez a cada século poderão ocorrer uma vez por ano em 80% das localidades com medições de maré do mundo. Desde o início do século 20, o nível do mar subiu 20 cm, mas a taxa de elevação está crescendo: passou de 1,35 mm por ano entre 1901 e 1990 para 3,7 mm por ano entre 2006 e 2018.
Também é virtualmente certo que o oceano aqueceu nos últimos 50 anos e é extremamente provável que a influência humana seja o principal causador desse aquecimento, assim como da acidificação dos mares. Somente entre 2011 e 2020, o aquecimento da temperatura dos oceanos foi de 0,88°C. Neste século, o aquecimento do oceano pode ser duas vezes maior no melhor cenário (SSP1-2.6) e até oito vezes maior no pior (SSP5-8.5), em comparação ao período de 1971 a 2018. As ondas de calor marinhas também estão mais frequentes e a influência humana muito provavelmente contribuiu com 84% a 90% delas desde 2006.
O derretimento de geleiras como as dos Alpes, dos Andes e do Himalaia é a maior causa isolada (41%) do aumento do nível do mar entre 1901 e 2018, enquanto o degelo da Groenlândia e da Antártida respondem por 29%. Na última década a cobertura de gelo marinho no Ártico e nas geleiras atingiu a sua menor extensão em 170 anos no inverno e em mil anos no verão. O derretimento atual das geleiras é o mais acelerado em 2 mil anos.
E a massa das geleiras continuará diminuindo durante décadas mesmo se a temperatura global for estabilizada. Uma previsão de alta confiança é a de que os mantos de gelo da Antártida e da Groenlândia continuarão a perder massa neste século.
A circulação meridional do Oceano Atlântico muito provavelmente se enfraquecerá no século 21 em todos os cenários de emissão. A magnitude deste declínio ainda têm alto grau de incerteza. A confiança de que ela não sofrerá um colapso abrupto é média, o que impactaria nos padrões de tempo e no ciclo da água em grande parte do mundo, alterando os padrões de chuvas na África, Ásia e América do Sul.
Emissões zero ou caos
Segundo o IPCC, para diminuir em qualquer medida o aquecimento global em curso é fundamental que as emissões líquidas de dióxido de carbono (CO2) sejam zeradas. Cada trilhão de toneladas de CO2 emitidas cumulativamente na atmosfera causa um aquecimento global de 0,27°C a 0,63°C, o que é conhecido como resposta climática transitória às emissões. Além disso, a concentração de outros gases de efeito estufa, como o metano (CH4), precisam ser substancialmente reduzidas.
As concentrações dos três principais gases de efeito estufa — CO2, metano e óxido nitroso (N2O ) — são as maiores em 800 mil anos. Somente em relação ao CO2, as concentrações atuais não se repetem há pelo menos 2 milhões de anos.
Desde 1850, a humanidade já emitiu 2,390 trilhões de toneladas de CO2. Para que a chance de estabilizar a temperatura em 1,5°C seja a maior possível, a humanidade não poderá emitir mais do que 300 bilhões de toneladas de CO2, o equivalente a seis anos de emissões mundiais atuais de gases de efeito estufa.
Mais sobre o relatório do IPCC:
Nota sobre a linguagem estatística do IPCC:
Como trata de ciência e de cenários para o futuro, o IPCC não pode fazer previsões. Pode, no máximo, dizer qual é a probabilidade de um determinado fato, observação ou fenômeno. Em outras palavras, o painel precisa comunicar as incertezas inerentes a qualquer ciência. Para isso, lança mão de uma classificação estatística onde:
- Virtualmente certo: 99% a 100% de probabilidade
- Extremamente provável: 95% a 99% de probabilidade
- Muito provável: 90% a 95% de probabilidade
- Provável: 66% a 90% de probabilidade
- Mais provável que improvável: mais de 50% de probabilidade
- Tão provável quanto improvável: 33% a 66% de probabilidade
- Improvável: menos de 33% de probabilidade
- Muito improvável: menos de 10% de probabilidade
- Extremamente improvável: menos de 5% de probabilidade
O painel também expressa intervalos de confiança no entendimento científico de uma questão. Pense na probabilidade de um mesmo resultado caso um evento se repita dez vezes, por exemplo. Assim:
- Muito alta confiança: 9 em 10 chances
- Alta confiança: 8 em 10 chances
- Média confiança: 5 em 10 chances
- Baixa confiança: 2 em 10 chances
Leia mais sobre Relatório do IPCC e crise climática no ClimaInfo aqui.
ClimaInfo, 9 de agosto de 2021.
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