A crise elétrica fez o governo ligar todas as térmicas que podia. Resultado, a importação de gás fóssil (comumente chamado de “gás natural”) deu um salto e representa, agora, 47% da demanda. Quando o século começou, consumia-se muito menos gás e a importação representava apenas 22%, segundo o Valor. Desde então, a demanda por gás vem crescendo em média 6% ao ano, bem mais do que o conjunto da economia. As principais responsáveis são as termelétricas que queimam o produto.
Como é fácil construí-las nas proximidades dos locais onde o gás chega, seja o nacional das bacias do litoral, seja o importado principalmente dos EUA, é coerente esperar que os planos de investimento foquem muito mais nas linhas de transmissão necessárias para reforçar a interligação do sistema, do que na construção de gasodutos. Foi quase consenso a crítica ao famoso jabuti enfiado na lei de privatização da Eletrobras obrigando o governo a comprar 8 GW de energia firme de térmicas a serem construídas longe do litoral porque, além das linhas de transmissão, haveria que construir gasodutos.
Rafaella Barros, no Poder 360, critica a prioridade dada à transmissão achando que a falta de gasodutos pode estancar a expansão das térmicas. Diante da crise climática, é imperativo termos menos térmicas, menos gasodutos, menos emissão de gases de efeito estufa. E mais eólicas e fotovoltaicas que precisam de cada vez mais linhas de transmissão para se integrarem ao sistema.
Um efeito colateral da crise e dos aumentos nas tarifas é a viabilização de projetos de eficiência energética. Tais projetos costumam exigir investimentos à vista para a redução do consumo de eletricidade a prazo. As tarifas mais altas estão reduzindo este prazo. Segundo o Valor, a italiana Enel, uma das maiores elétricas do país, investiu quase R$ 90 milhões no ano passado e já vem obtendo resultados.
Outro efeito colateral é a viabilização da instalação de painéis fotovoltaicos em telhados. A quantidade de instalações também cresceu e, segundo a Exame, passou a marca de 700 mil ligações. Rosana Jatobá, em um podcast da Um Só Planeta, diz que já são mais de 1 milhão. A maioria no comércio e nas casas da classe média alta. Do ponto de vista do clima, a notícia é de se comemorar. O problema que pode se tornar relevante é a conta de luz. A tarifa remunera o gerador da eletricidade, mas também paga todos os fios, postes e transformadores que fazem essa energia chegar a cada consumidor. Quando alguém coloca um painel no telhado, passa a consumir menos e pagar menos pela conta de luz. Como o custo do sistema é o mesmo, ele será dividido por um número menor de consumidores – exatamente os que não têm condições de instalar um painel.
Em tempo: O Valor conta que o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou a primeira fase dos estudos para a privatização da Eletrobras por 6 a 1. O voto contrário, do ministro Vital do Rêgo, foi pelo entendimento que o valor da empresa deveria ser o dobro do avaliado nos estudos. O ministro Benjamin Zymler votou a favor, mas comentou com Murillo Camarotto, do Valor, que a privatização “ainda não está em um nível de maturidade adequado. Se a Eletrobras fosse minha, eu não a privatizaria com essas contas”.
O próximo passo do processo é o tribunal examinar o modelo de venda.
ClimaInfo, 17 de fevereiro de 2022.
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