Crise climática e contaminação intensificam insegurança hídrica no Brasil

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Fabio Braga/Folhapress

O Nordeste brasileiro, que historicamente sofre com estiagens e insegurança hídrica, pode se tornar ainda mais seco nas próximas décadas por conta da mudança do clima. No Valor, Martha Funke destacou dados do relatório recente do IPCC sobre impactos da crise climática, identificando essa região como uma das mais vulneráveis à diminuição do volume de chuvas no futuro. Os sinais já são perceptíveis: os rios intermitentes, característicos do semiárido, estão ficando secos por mais tempo. A redução do fluxo de água afeta bacias importantes da região, como a do São Francisco. Além disso, a falta de chuvas intensifica também o calor, com os termômetros registrando índices cada vez mais altos e com calor cada vez mais persistente.

A intensificação da seca no Nordeste acontece em um momento delicado para o programa de cisternas no Brasil. Nos últimos 20 anos, essa iniciativa foi importante para trazer mais segurança hídrica às comunidades no interior do Nordeste. No entanto, nos últimos dois anos, o governo federal não fez nenhum desembolso de recursos do orçamento da União para o projeto.

Nesse contexto, estão surgindo iniciativas não-governamentais que tentam trazer mais segurança hídrica aos nordestinos. Uma delas, a Mar-Tech, se inspirou no baobá, árvore típica do semiárido: a partir de torres de geração de energia eólica, a água da chuva é captada e armazenada em um reservatório escavado, impermeabilizado e coberto. A base de cada “torre de baobá” poderá reter e estocar até 600 mil litros de água por ano.

Os efeitos da mudança do clima sobre a segurança hídrica brasileira não se limitam ao Nordeste. Como abordou Andrea Vialli no Valor, o relatório do IPCC identificou cenários potenciais de intensificação de chuvas de grande porte no Sudeste, ao mesmo tempo em que as secas poderão se tornar mais frequentes no Centro-Oeste e no Sul. No plano regional, a América Central e do Sul foram consideradas “altamente expostas, vulneráveis e fortemente impactadas” pela crise climática, o que ganha gravidade maior com fatores como desigualdade, pobreza, desmatamento e perda da biodiversidade, entre outros.

A escassez de água não é um problema isolado, mas sim um reflexo de outros problemas ambientais que têm desafiado a humanidade nas últimas décadas. Ou seja, precisamos pensar a questão da água junto com outros aspectos críticos do meio ambiente, como a diversidade biológica e o clima. “É preciso pensar na forte relação entre água, biodiversidade, solo e ar. Estão conectados. Não adianta pensar em ação em um desses componentes sem pensar no outro”, disse ao Correio Braziliense a professora Irene Maria Cardoso, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Com a vegetação natural cada vez mais destruída, rompe-se um dos elos desse frágil equilíbrio natural que deu ao Brasil uma das maiores reservas hídricas do planeta. “Cuidar da água é também ter cuidados com o solo, a vegetação e com o ar”.

Além da escassez de água, as cidades brasileiras – e, em especial, as periferias – sofrem com a contaminação da água utilizada para consumo humano. Na Folha, os ativistas Douglas Belchior, Izabela Santos e Mariana Belmont lembraram dados de uma análise recente que mostraram que 763 municípios brasileiros oferecem água contaminada com alguma substância ou composto químico, inclusive elementos radioativos e pesticidas. “No Brasil, temos em média 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Quanta água contaminada essas populações, que estão em grande maioria nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos – ou em áreas rurais – têm consumido?”.

 

ClimaInfo, 23 de março de 2022.

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