Muito barulho por pouca coisa: o confuso mercado de carbono do governo

Brasil mercado de carbono
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Finalmente nasceu o rebento climático do ministro Joaquim Leite: o decreto que cria o mercado brasileiro de carbono foi publicado no Diário Oficial da União na última 6ª feira (20/5). No entanto, quem esperava por mais clareza sobre a proposta do governo para impulsionar o comércio de permissões de emissões de carbono ficou a ver navios. 

Em linhas gerais, o decreto institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE), que servirá como espaço para registro de emissões, remoções e compensações de emissões e de transações de créditos, além de regras gerais para a definição de planos setoriais de mitigação. A governança ficará sob responsabilidade do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e Crescimento Verde, chefiado pelo ministério do meio ambiente. O texto também cria uma nova categoria de crédito associada às emissões e remoções de metano.

E… é mais ou menos por aí, sem maiores detalhes. São os setores que deverão apresentar planos setoriais? O decreto não diz. Ao mesmo tempo, o texto sugere que esses setores não estão efetivamente obrigados a fazer esses planos. Além disso, o prazo de 180 dias para a definição das metas pode ser prorrogado por outros 180 dias, o que significa que o martelo será batido apenas no próximo governo.

As deficiências do texto não param por aí. A NDC brasileira, que deveria ser a base para os esforços climáticos do país e, por tabela, do mercado nacional de carbono, é citada quase en passant, sem conexão mais explícita. Também não há sinalização evidente sobre o que aconteceria caso algum setor ou ator dentro do mercado não consiga cumprir suas metas de redução de emissões. Tudo isso deixa o tal “mercado global de carbono” brasileiro, como batizado pelo ministro, como um bicho sem coluna, sem dentes e sem força.

“Criaram uma vontade de fazer algo. Mas a vontade não está muito bem expressa”, comentou Ronaldo Seroa da Motta (UERJ) para Daniela Chiaretti no Valor. “Na minha impressão não será nada com efetividade no fomento de uma economia de baixo carbono”.

Para Gustavo Pinheiro (iCS), o decreto não cria nada concreto, apenas apresenta uma “cesta de novas jabuticabas” sem sentido prático. “O decreto não avança nem na criação de um mercado regulado, nem oferece maior segurança jurídica ao mercado voluntário. É uma pitoresca peça infralegal baseada no voluntarismo, que não operacionaliza o sistema de registro nem os planos setoriais”, escreveu ao Um Só Planeta.

Vale a pena ler a análise do decreto feita pelo Política por Inteiro: ao invés da regulação prometida pelo governo, o texto apenas define um planejamento básico para a instalação do mercado de carbono. “Apesar de criar o SINARE e definir sua governança, o ato tem natureza facultativa para a maior parte dos itens, até mesmo em relação aos Planos Setoriais. Dessa forma, não pode ser considerado uma Regulação, haja vista que não institui novas regras nem produz diretrizes aos agentes econômicos”.

Em tempo: A CNN Brasil revelou uma conversa entre Leite e o enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, que aconteceu na última 5ª feira (19/5). De acordo com a reportagem, a pauta tratou da ampliação de um acordo de cooperação e investimento em fontes renováveis de energia, além de metano. Os dois governos também teriam definido uma nova rodada de negociações em junho, quando Leite e Kerry participarão das celebrações dos 50 anos da Conferência de Estocolmo.

 

ClimaInfo, 23 de maio de 2022.

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