Governo deixa indígenas e ambientalistas à mercê do crime no Vale do Javari

Vale do Javari crime organizado

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips no rio Javari, no noroeste do Amazonas, jogou luz sobre os riscos que Povos Indígenas e defensores do meio ambiente sofrem no interior da Amazônia. Além da presença crescente do crime organizado, essas populações também estão mais vulneráveis pela presença diminuta do Estado brasileiro e pela falta de interesse político do atual governo na defesa dos Direitos Indígenas.

Daniel Biasetto destacou n’O Globo a rotina perigosa vivida por indígenas, ambientalistas e servidores da FUNAI no Vale do Javari. A equipe de vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIJAVA) vem alertando há anos sobre a presença crescente de criminosos na reserva indígena, especialmente de quadrilhas associadas ao tráfico internacional de drogas e de facções originárias do sistema penitenciário. Um dos documentos cita o suspeito Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, único detido até agora por possível envolvimento com o desaparecimento de Pereira e Phillips.

Em paralelo ao recrudescimento do crime organizado, a presença do poder público tem sido limitada nos últimos anos no Vale do Javari. Como Bruno Abbud observou n’O Globo, o orçamento da FUNAI foi estrangulado na última década, com o aperto mais forte a partir de 2019, quando o atual governo assumiu o poder. Não por coincidência, os episódios de violência contra indígenas aumentaram mais de 60% nos dois primeiros anos (2019 e 2020) da atual gestão federal. Junto com o estrangulamento orçamentário, a FUNAI sofre também com a interferência política de aliados do presidente da República. Um exemplo disso é o próprio Bruno Pereira, exonerado da FUNAI em março de 2019 da coordenação de índios isolados e de recente contato, por pressão do agronegócio. 

Deixados à própria sorte pelo poder público, lideranças indígenas estão recorrendo a escoltas armadas para poder circular em Atalaia do Norte, onde as buscas se concentram. Vinícius Valfré abordou no Estadão o caso dos irmãos Beto e Eliesio Marubo, que estão na “lista de inimigos” do crime organizado, da qual também faria parte o indigenista Bruno Pereira. “Se não tivermos todas as precauções, pode acontecer o que aconteceu com o Maxciel Pereira”, justificou Beto, lembrando o caso do ex-colaborador da FUNAI assassinado em 2019 na avenida principal de Tabatinga, município vizinho a Atalaia do Norte.

A soma de omissão governamental e intensificação do crime organizado resulta em um desastre socioambiental na Amazônia. Carlos Madeiro destacou no UOL dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que contabilizam ao menos 313 pessoas assassinadas na região amazônica na última década. Esse número representa 77% do total de mortes (403) relativas a disputas por terra ou água em zonas rurais do país entre 2012 e 2021. Só no ano passado, foram registradas 29 mortes nos estados que formam a Amazônia Legal.

“Uma coisa é discutir o desmatamento ou a falta de atenção para os indígenas. Bem outra é olhar para a região como hospedeira do crime organizado, com seu braço do narcotráfico”, observou Elio Gaspari em sua coluna na Folha e n’O Globo. “Os estrategistas de Brasília, que gostam de brincar com tabelas, arriscam transformar a Amazônia numa ameaça à segurança de outros países”.

 

ClimaInfo, 13 de junho de 2022.

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