Mudanças climáticas e o futuro global

Nesta aula, o físico Alexandre Costa fala sobre as mudanças globais necessárias para endereçar a emergência climática e sobre o que podemos esperar para o futuro do planeta pelo olhar da ciência climática. Ele traz apontamentos, também, sobre o sexto e mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Destaques da aula:
    • O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é composto por cientistas de diversas partes do mundo e elaborado de forma voluntária. Os pesquisadores estão divididos em três grupos de trabalho e compõem uma força-tarefa – onde cada grupo foca em uma parte do problema. Os relatórios do IPCC não são materiais inéditos, mas a revisão científica por pares que traz o estado da arte da ciência climática. Esse compilado do conhecimento científico, que reúne milhares de artigos acadêmicos baseados em evidências e publicados em prestigiadas revistas, reflete o debate científico existente até então.
    • O desequilíbrio energético planetário é provocado pelo aumento da emissão dos gases de efeito estufa.
    • A quantidade de energia acumulada a cada segundo no sistema climático terrestre equivale à energia despreendida com a explosão de 21 bombas de Hiroshima. Isso, em um ano, representa a energia de 70 milhões de bombas, o que é considerado extremamente grave e produz mudanças climáticas inéditas. 
    • O planeta já testemunha o aquecimento de 1,09°C (conforme a primeira parte do 6° relatório do IPCC), o que é algo sem precedentes nos últimos dois mil anos. 
    • Os cenários futuros têm um forte condicionante – o passado. O “orçamento de carbono”, que refere-se a quanto ainda podemos emitir de gases de efeito estufa globalmente sem que ultrapassemos o aquecimento de 2°C, está se extinguindo, o que nos coloca em risco de enfrentar uma condição grave de aquecimento global.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é composto por cientistas de diferentes partes do mundo, que atuam de forma voluntária. Eles se dividem em três grupos de trabalho e compõem uma força-tarefa, por meio da qual cada grupo foca em uma parte do problema. Os relatórios do IPCC não são materiais inéditos, mas refletem, a partir de revisões de artigos acadêmicos, o estado da arte da ciência climática revisada por pares.

Essencialmente, o clima de um planeta depende de quanta energia entra e quanta energia sai. Se ocorrer uma maior entrada de energia do que saída, o planeta aquece, do contrário, ele esfria. No caso do planeta Terra, isso se desdobra em três variáveis: a quantidade de energia oriunda do Sol; a de luz solar que é refletida de volta para o espaço, especialmente, por superfícies mais claras, como as das calotas polares; e a intensidade do efeito estufa, ou seja, quanto calor irradiado para o espaço acaba ficando retido na atmosfera.

Temos uma atmosfera com alguns gases com a propriedade de absorver a radiação infravermelha, o calor, com destaque para o dióxido de carbono (CO2), o ozônio (O3), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), entre outros. Dentre tais gases, alguns são chamados de “gases de efeito de vida longa”, como o CO2 e o N2O. Portanto, se alguns desses gases estiverem em grande quantidade na atmosfera, vão fazer com que ela retenha cada vez mais calor.

As concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso têm crescido significativamente desde o período pré-industrial até hoje. O CO2 teve aumento de 47%, ultrapassando 410 ppm em concentração. O metano teve acréscimo de 156%, chegando a 1886 ppb. O óxido nitroso aumentou em 23%, chegando a 332 ppb. Essas concentrações são inéditas em uma escala de 800 mil anos, ou seja, alternamos entre períodos relativamente quentes e frios, os interglaciais e os glaciais, com a concentração de CO2 nos períodos frios sendo mais baixa, com mínimo de 173,7 ppm, há cerca de 650 mil anos, e nos períodos quentes, valores mais altos de concentração, com o máximo de 298,6 ppm, há cerca 350 mil anos.

Atualmente, ultrapassamos 400 ppm, e isso é inédito na escala de tempo em que estamos falando. A última vez que a atmosfera teve 400 ppm e produziu um clima em equilíbrio com essas concentrações, o planeta era 2°C mais quente, os oceanos tinham de 15 a 20 metros a mais do que os níveis atuais, e não havia calota polar permanente no Hemisfério Norte. 

O desequilíbrio energético planetário é provocado pelo aumento da emissão dos gases de efeito estufa, segundo a comunidade científica, que quantificou o efeito de cada possível fator climático para o desequilíbrio de energia do planeta. A emissão de gases de efeito estufa é o principal fator que contribui para o aquecimento, portanto, o tamanho do desequilíbrio energético planetário é da ordem de 2,72 W/m² (Watts por metro quadrado). 

A quantidade de energia acumulada a cada segundo no sistema climático terrestre equivale a energia da explosão de 21 bombas de Hiroshima. Em um  ano, equivale a 70 milhões de bombas. Isso, segundo Alexandre Costa, é extremamente grave e produz mudanças climáticas inéditas, no caso, já tendo levado ao aquecimento de 1,09°C (de acordo com a primeira parte do 6° relatório do IPCC), algo sem precedentes nos últimos dois mil anos. Estima-se que esse aquecimento está em boa parte relacionado às atividades humanas. Esse acontecimento não tem a ver com os vulcões, nem com a variabilidade natural, mas é inédito, em alguns aspectos, pelo menos em 11.700 anos, ou seja, dentro da era geológica conhecida como “Holoceno” (caracterizada por uma forte instabilidade no clima e no ambiente). Atualmente, estamos fora dos limites de temperatura do Holoceno.

“O mais grave é que, ao depender do cenário, podemos atirar o clima do planeta para estados muito diferentes daquele que o ser humano conhece”, afirma Costa. Não existe a possibilidade de nos adaptarmos ao mundo de quatro ou cinco graus mais quente. 

Os cenários futuros têm um forte condicionante, que é o passado. Há pouco carbono que pode ser emitido sem cairmos em uma condição grave de aquecimento global. O relatório especial de 2018, também do IPCC, sobre o aquecimento global de 1,5°C comparou os efeitos de um aquecimento de 1,5°C com 2°C, com 3°C ou mais. O relatório aponta que manter o aquecimento global em 1,5°C seria a meta a ser perseguida se a humanidade tivesse responsabilidade e compromisso moral para com as gerações futuras. 

“Precisamos falar abertamente que, hoje, nós temos uma situação de emergência. Emitimos mais de 40 bilhões de toneladas de carbono por ano. Se quisermos ter 83% de chance de manter o aquecimento global controlado, em 1,5°C, precisaremos chegar a 20 bilhões de toneladas de CO2 por ano, ou seja, cortar as emissões pela metade antes de 2030”, sentenciou o pesquisador. Segundo Costa, isso é praticamente impossível dentro das condições da nossa sociedade atual. “O mundo fora dos limites do Acordo de Paris é, em larga medida, inabitável. Zero é o número de emissões que temos que chegar na metade do século”, afirma, dizendo que zero também deve ser o desmatamento que é possível de ser admitido e zero também é o tempo que teríamos para protelar ainda mais a tomada de decisões que são urgentes para frear as emissões de gases de efeito estufa.

Saiba mais:

Canal “O que você faria se soubesse o que eu sei?”
https://www.youtube.com/c/OQueVocêFariaseSoubesseoQueEuSei
Apostila
Entenda as mudanças climáticas
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Climate change 2021
Climate change 2022
Clima Sem Fake
Aquecimento global e o negacionismo, com Alexandre Costa
Frear a crise climática é urgente, com Paulo Artaxo
Cursos ClimaInfo
Mudanças climáticas globais, Amazônia e o futuro do planeta

Sobre o professor:

Alexandre Costa é professor titular da Universidade Estadual do Ceará, bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará (1992 e 1995, respectivamente), doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University (2000), com pesquisa de pós-doutorado desenvolvida na Universidade de Yale (2004-2005). Foi gerente do Departamento de Meteorologia e Oceanografia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (2005-2008). Colaborou, como autor principal, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas em seu Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN).