Crise hídrica no Nordeste

Nesta aula, o biólogo Samuel Barrêto, da The Nature Conservancy, explica como a crise hídrica impacta o Nordeste e aponta as possíveis soluções, entre as quais a de pensar em políticas públicas na gestão dos recursos hídricos.

Destaques da aula:
  • Apenas 3% da água superficial disponível no país está na região Nordeste.
  • É possível adotar tecnologias e desenvolver medidas de adaptação baseadas em ecossistemas, ou seja, fazer aquilo que os sistemas naturais já fazem naturalmente, para mitigar e reduzir riscos dos extremos climáticos. 
  • A revitalização e recuperação do rio São Francisco é uma força motriz de sinalização de como é possível recuperar uma bacia hidrográfica.
  • Uma saída envolve equilibrar a balança entre demanda e oferta de água, evitando usar mais do que a capacidade de reposição. Além disso, é fundamental o planejamento na gestão dos recursos hídricos.

Ao todo, 70% da água superficial disponível no país está na Amazônia; 16% está na região Centro-Oeste; 7%, na região Sul; 6% na região Sudeste; e apenas 3% na região Nordeste. No semiárido nordestino, onde vivem quase 20 milhões de pessoas, fatores naturais, físicos e climáticos criam uma barreira que faz chegar menos água. Entretanto, fatores políticos e culturais devem ser considerados, pois existem tecnologias e boas práticas que poderiam ser adotadas.

Os extremos climáticos têm ficado mais intensos e frequentes. “Podemos adotar tecnologias e desenvolver medidas de adaptação baseadas em ecossistemas, ou seja, fazer aquilo que os sistemas naturais já fazem naturalmente, ajudando a mitigar e reduzir esses riscos”, explica Samuel Barrêto. Entre as soluções estão a recuperação da Caatinga e de áreas prioritárias, bem como de associação de tecnologias sociais que mitigam esses riscos, por exemplo, o uso de cisternas.

Segundo Barrêto, a governança nesse processo é fundamental para combater esses riscos, porque é preciso ter a gestão da bacia hidrográfica e das  áreas de açudes para recuperar esses ambientes, despoluir os rios, fazer o trabalho de saneamento rural para permitir qualidade de vida das pessoas, permitir a recuperação dessas bacias hidrográficas e adotar as medidas de adaptação. 

A região do Matopiba, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí, é uma fronteira agrícola importante. Um estudo da The Nature Conservancy (TNC) mostra que, principalmente no Oeste da Bahia, há uma rápida conversão do uso do solo. Foi observado que, após o início dessas atividades agrícolas, houve um decréscimo de cerca de 30% na vazão de microbacias. Essa redução pode significar – no médio prazo – uma inviabilidade das próprias atividades econômicas de irrigação da agricultura. 

“Qual é a saída? É equilibrar essa balança entre demanda e oferta. Não dá para usar mais do que a capacidade de repor. Além disso, é fundamental o planejamento na gestão dos recursos hídricos. Além da agricultura, existem outros usuários, mas, para que a própria atividade agrícola prospere, é preciso manter, recuperar essa bacia hidrográfica de forma que ela adquira a sua resiliência, a sua capacidade e a qualidade para, inclusive, atender aos usos múltiplos”, esclarece. Barrêto ressalta, ainda, a importância de recuperar as áreas prioritárias, como nascentes, áreas de recarga e as matas ciliares.

De acordo com o especialista, a gestão dos recursos hídricos deve envolver vários usuários da sociedade civil e do governo, para que estabeleçam os instrumentos de gestão, como o Plano de Bacia – que vai dizer quais são as características, as necessidades e o que precisa ser feito associando-se aos instrumentos de gestão, como o da outorga, a licença pelo uso da água, o enquadramento dos corpos hídricos e as ações que precisam ser realizadas para, se precisar equilibrar essa demanda, que ela seja feita, para promover o uso sustentável da água hoje e no futuro.

“É importante ressaltar o papel exatamente da população mais vulnerável, e temos que ter um olhar sobre essa população que tende a ficar, inclusive, mais vulnerável com os extremos climáticos. Todos os esforços precisam ser envidados para a proteção dessa população”, analisa.

O biólogo acrescenta, ainda, que, “se não temos domínio sobre as chuvas, nós temos domínio sobre o uso do solo e, por isso, a importância para promover um uso sustentável dos recursos naturais”. “A própria revitalização e recuperação do Rio São Francisco é uma força motriz importante de sinalização de como é possível, sim, recuperar uma bacia hidrográfica”, acrescenta. 

Talvez a crise hídrica e extremos climáticos sejam o “novo normal”, logo, necessitamos aprimorar as políticas públicas, aprimorando os instrumentos de gestão, dando eficiência a alocação de recursos disponíveis para que sejam alocados naquilo que de fato é necessário. “Não adianta só pensar na lógica da engenharia, que vai resolver os problemas de escassez. Ela é parte da resposta, mas não é a única. Diversas tecnologias sociais que existem no Nordeste, inclusive, mostram isso. Precisam ser cada vez mais disseminadas, ganhar escala para atender especialmente a população mais vulnerável”, conclui.

Saiba mais:

Um Só Planeta
https://umsoplaneta.globo.com/
Coluna de Samuel Barrêto
Clima Sem Fake
Desmatamento do Cerrado, com Isabel Figueiredo
Apagão de chuvas, verão de torneiras secas, com Américo Sampaio
Crise hídrica ou o novo normal?, com Samuel Barrêto
Entenda a crise hídrica no Brasil, com Paulo Artaxo
Aulas – Cursos ClimaInfo
Mapbiomas Caatinga, por Washington Rocha
Matopiba e a crise hídrica, por Ludmilla Rattis
Rio São Francisco e as mudanças climáticas, por Francisco Assis

Sobre o professor:

Samuel Barrêto é gerente nacional de Água da The Nature Conservancy (TNC). Inicialmente coordenou o Movimento Água para São Paulo (MApSP) da TNC. Tem mestrado em Sustentabilidade pela Fundação Instituto de Administração (FIA), vinculada à Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). É biólogo pela Unesp de Botucatu, com especialização em Limnologia (estudo de água doce). Integra a Aliança Latinoamericana de Fundos de Água, a seção Brasil do Fórum Mundial de Água. Também é membro do Comitê Gestor do Observatório de Governança das Águas (OGA), compõe o GT de Água e o Conselho Consultivo do Movimento + Água da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e é colunista da plataforma Um Só Planeta.