Tempo, clima, mudanças climáticas e saúde humana

Esta apostila “Tempo, clima, mudanças climáticas e saúde humana”, escrita pela física Adelaide Nardocci, traz os conceitos básicos sobre tempo, clima e condições atmosféricas que afetam direta e indiretamente os seres vivos, bem como as diferentes áreas de estudo envolvidas com tais temáticas. Conheça os principais mecanismos de ação do tempo e do clima na saúde humana e também aprenda sobre os conceitos, os fundamentos e as evidências atuais referentes às correlações entre mudanças climáticas e os impactos diretos e indiretos que elas causam na saúde humana.

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Destaques:
  • Todos os seres vivos são afetados pelas condições do clima e do tempo.
  • Há três grupos principais de impactos das mudanças climáticas:  exposições diretas, indiretas e rupturas sociais e econômicas.
  • O clima tem um impacto direto e severo na ocorrência de doenças infecciosas. As mudanças do clima interferem no ambiente natural e na distribuição dos vetores de doenças, como, por exemplo, os mosquitos transmissores da malária e dengue.  
  • A exposição à radiação ultravioleta está associada ao aumento do risco de cataratas, de câncer de pele do tipo melanoma e de outras queimaduras provocadas pelo sol. Alguns estudos apontam que a radiação UV pode também afetar o sistema imune e reduzir a eficácia de vacinas. 
  • De grande relevância também são as exposições e os impactos indiretos das mudanças climáticas. Dentre esses fatores estão a segurança hídrica e alimentar, a  qualidade do ar e a saúde mental.  
  • As mudanças climáticas têm alto potencial de induzir ou ampliar as crises humanitárias regionais e globais, além de exacerbar fatores de riscos sociais e ambientais para problemas de saúde mental e psicossociais.

Todos os seres vivos são afetados pelas condições do clima e do tempo. A adaptação às condições climáticas e ambientais foi o que possibilitou a evolução das espécies. O ser humano tem a capacidade de manter a sua temperatura corporal interna constante, entre 36,5ºC e 37,5ºC, independentemente das variações da temperatura do ambiente externo.

Quando o calor do ambiente excede a taxa de dissipação do corpo, o sistema termorregulador aciona o sistema de resfriamento do corpo, produzindo suor. A exposição a temperaturas mais elevadas impacta, inicialmente, o padrão respiratório, causa o aumento do risco de inflamações – predispondo ao risco de infecções por vírus e bactérias – e também provoca alterações na pressão arterial e no padrão circulatório. 

No caso de exposição às temperaturas elevadas por períodos prolongados, podem ocorrer quadros de hipertermia (quando a temperatura do corpo supera 40oC) e efeitos mais graves, como a degradação dos tecidos musculares, o inchaço das mãos e dos pés, problemas com a pressão arterial e com o ritmo cardíaco, além de insuficiência renal e acúmulo de líquido nos pulmões. A exposição repetida pode ampliar os processos inflamatórios e outros efeitos adversos à saúde.

Caso a taxa de dissipação exceda o calor do ambiente — sensação de frio —, o sistema termorregulador trabalha para que haja manutenção do calor interno do organismo e, então, é acionado o sistema de produção de calor, como, por exemplo, o calafrio. A redução da temperatura corporal afeta a capacidade de resposta imunológica, deixando o organismo mais suscetível a infecções, em especial as respiratórias. O organismo trabalha para aumentar a produção de calor interno, seja eriçando os pelos, para isolar a pele, ou constringindo os vasos sanguíneos, para evitar a exposição do sangue superficial ao frio, direcionando-o para órgãos mais internos. Ocorre, ainda, o aumento do processo metabólico nas células. Esses processos demandam mais energia.  

Pessoas com problemas cardiovasculares, respiratórios ou músculo-esqueléticos podem ter os quadros agravados. Em situações extremas, quando a temperatura do corpo ficar abaixo de 35oC (hipotermia), os sintomas podem progredir para sonolência, confusão mental, diminuição do ritmo cardíaco, coma e até mesmo a morte em um tempo relativamente curto. 

Para o entendimento dos impactos das mudanças climáticas na saúde das pessoas, o conceito de vulnerabilidade é fundamental para o mapeamento das populações sob maior risco de serem atingidas e, consequentemente, para a tomada de decisão acerca de medidas de adaptação ou proteção dessas populações contra os efeitos do clima na saúde.

Há três grupos principais de impactos das mudanças climáticas:  

Exposições diretas: referem-se às influências diretas dos fatores físicos do clima sobre a fisiologia e a integridade do corpo humano (ondas de calor ou de frio afetando o sistema circulatório) e eventos extremos, como inundações, secas, tempestades, deslizamentos de terra, que podem resultar em efeitos imediatos – mortes, traumas físicos e psicológicos, aumento da incidência de doenças infecciosas, como leptospirose, além de impactos diretos na infraestrutura de serviços de saúde, comprometendo seu funcionamento e a capacidade de resposta das comunidades. 

Exposições indiretas: são as alterações ou transformações ambientais induzidas pelas mudanças do clima, afetando determinantes ambientais da saúde humana. Entre os exemplos estão 1) a queda na produção agrícola e o aumento da escassez de alimentos, afetando o estado nutricional das pessoas; 2) o aumento de população de vetores de agentes infecciosos que aumentam o risco de doenças transmitidas por esses vetores; a escassez hídrica, comprometendo o acesso à água potável; entre outros). 

Rupturas sociais e econômicas: são efeitos indiretos resultantes de rupturas sociais geralmente determinadas por desastres climáticos (secas prolongadas, causando migrações de refugiados; inundações severas, forçando o deslocamento temporário ou permanente das comunidades afetadas, etc.).

O clima tem um impacto direto e severo na ocorrência de doenças infecciosas. As mudanças do clima interferem no ambiente natural e na distribuição dos vetores de doenças, como, por exemplo, os mosquitos transmissores da malária e dengue. No Brasil, bem como em países do Hemisfério Sul, a exposição à radiação ultravioleta está associada ao aumento do risco de cataratas, câncer de pele do tipo melanoma e outras queimaduras provocadas pelo sol. Alguns estudos apontam que a radiação UV pode também afetar o sistema imune e reduzir a eficácia de vacinas. É importante enfatizar, no entanto, que a exposição moderada à radiação UV-B é importante fonte de vitamina D, tendo impacto positivo à saúde das pessoas.

De grande relevância também são as exposições e os impactos indiretos das mudanças climáticas. Dentre esses fatores, estão a segurança hídrica e alimentar, a  qualidade do ar e a saúde mental.  

A exposição a temperaturas mais elevadas gera fadiga e compromete a capacidade de julgamento e de decisões, aumentando o risco de comportamentos agressivos e de deficiência cognitiva frente a traumas e estresses pós-traumáticos causados por eventos extremos e por disrupturas sociais. Há também estudos que apontam para aumento de casos de depressão e de suicídio durante invernos intensos e prolongados.

As mudanças climáticas têm alto potencial de induzir ou ampliar as crises humanitárias regionais e globais, além de exacerbar fatores de riscos sociais e ambientais para problemas de saúde mental e psicossociais.

Saiba mais:

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Saúde e Mudanças Climáticas, qual é a relação?, com Paulo Saldiva
Alimentação e a saúde planetária, com Raquel Santiago
Agrotóxicos e o PL do Veneno, com Marina Lacôrte
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Aula Saúde e a emergência climática, por Paulo Saldiva

Sobre a autora:

Adelaide Nardocci é formada em física pela Universidade Estadual de Londrina (1987), mestre em Engenharia Nuclear pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (COPPE/UFRJ) (1990) e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (1999). Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Bologna (2008) e é Livre-Docente pela USP (2010). É professora associada do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.