Seria a política radical contra fertilizantes químicos responsável pela queda do governo do Sri Lanka?

Sri Lanka agrotóxicos
Pradeep Dambarage/NurPhoto via Getty

O Sri Lanka experimenta sua pior crise política em décadas, catalisada pela revolta da população com o alto custo de vida e a percepção de que o governo local não estaria atuando para baratear o preço dos combustíveis e da comida em um país marcado pela desigualdade econômica e social, o que se soma a conflitos étnicos mal-resolvidos.

Curiosamente, dentre as análises que a crise vem precipitando, uma linha de argumentação ganha destaque: a de que as dificuldades econômicas do país teriam como motivação principal a política de “transição radical” adotada pelo governo do agora ex-presidente Gotabaya Rajapaksa para a agricultura orgânica.

A medida foi anunciada em abril de 2021 e mirava principalmente o uso de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos. A ideia de Rajapaksa era tornar a agricultura cingalesa 100% livre desses produtos em 10 anos. Esse objetivo tinha como pano de fundo a experiência do Sri Lanka na chamada “Revolução Verde” dos anos 1960 e 1970, quando a indústria agroquímica avançou agressivamente nos países em desenvolvimento, impulsionando o uso de seus produtos pelos agricultores. Por um lado, isso resultou em um aumento da produtividade; por outro, trouxe também problemas de saúde entre os produtores, especialmente aqueles mais pobres e sem acesso a equipamentos de proteção individual (EPI), instrução para o manuseio e a serviços médicos.

O fim do uso dos produtos químicos na agricultura atacaria tanto o problema causado por estes à saúde dos produtores como também seus impactos sobre o meio ambiente, o clima e a saúde dos consumidores dos alimentos.

Obviamente, nada disso agradou a indústria agroquímica global, uma das mais agressivas em termos de lobby e pressão política, compartilhando o playbook de setores como o do tabaco e o dos combustíveis fósseis.

Assim, não chega a ser uma surpresa ver esse argumento antiagricultura orgânica aparecer em certas reportagens. BBC e TIME, por exemplo, repetiram a linha de que a crise alimentar do Sri Lanka já seria reflexo das restrições impostas ao uso de agrotóxicos e fertilizantes. Seguindo acriticamente a boiada, g1 e UOL republicaram a matéria da BBC.

Entretanto, como em outras ocasiões, os detalhes revelam um panorama mais complexo. No britânico Sunday Times, por exemplo, Bob Ward refutou o raciocínio e destacou que o principal catalisador da crise está no alto custo da energia, impulsionado pelo aumento da demanda por conta do verão quente e da instabilidade do mercado internacional de petróleo e gás. Já na Foreign Policy, Neil DeVotta fez uma análise mais completa da questão e ressaltou o peso do nacionalismo budista cingalês para o colapso do governo de Rajapaksa.

​​Vale ler também a análise de Bahar Dutt no The Quint sobre a experiência da agricultura orgânica no Sri Lanka. Para ele, a proposta era importante e estava em linha com aquilo que a ciência recomenda para descarbonizar a agricultura; o problema é que o projeto foi mal-planejado. “O que acontece no Sri Lanka é uma lição para todos os países que buscam fazer uma transição justa para um mundo livre de combustíveis fósseis. Para isso, temos que começar por contrariar as narrativas que estão sendo promovidas por uma indústria que não quer encerrar seu negócio”.

 

ClimaInfo, 18 de julho de 2022.

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