Descaso com adaptação climática amplia perdas humanas nas chuvas extremas

tragédia litoral SP
Tânia Rego/Agência Brasil

A tragédia vivida no litoral norte de São Paulo no último final de semana, que resultou na morte de pelo menos 48 pessoas, não foi obra da natureza. Da chuva mais intensa, potencializada pela crise climática, à ocupação desordenada de áreas de risco em encostas e margens de rios e córregos, as digitais impressas nesse desastre são humanas.

Isso significa que muitas dessas mortes, senão a maior parte delas, poderiam ter sido evitadas se o poder público tivesse levado a sério o problema da mudança do clima e a necessidade de adaptação para esse novo contexto climático, com eventos extremos mais prováveis.

“Parece um filme de terror que vemos todos os anos”, lamentou o climatologista José Marengo, do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), ao Observatório do Clima. A matéria lembrou as perdas acumuladas por chuvas intensas nos últimos anos no Brasil, como as 255 mortes em Petrópolis (RJ) no ano passado e 130 no Recife (PE) em maio de 2020.

“Não estamos fazendo o trabalho necessário para adaptar o espaço urbano com o objetivo de suportar esses eventos [climáticos extremos]”, observou Marcela Alonso Ferreira, do Instituto Urbem, ao Valor. “Mesmo seguindo as normas urbanísticas, não se tinha antes essa visão de longo prazo sobre clima. Hoje a gente fala muito nesse tema de adaptação justamente porque a crise climática vai atingir a todos e é preciso planejar o que fazer para se adequar a um novo contexto”.

O descaso governamental com o risco de desastres naturais é mais um legado negativo deixado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Brasil. O projeto de orçamento apresentado pela antiga gestão para o ano de 2023 previa apenas R$ 671,5 milhões para ações de prevenção e gestão de desastres. Por causa da PEC da Transição, esse valor aumentou para R$ 1,17 bilhão, o que ainda assim é o menor em 14 anos.

Se considerar os recursos para a Defesa Civil, braço importante do poder público para realizar essas ações, a quantia destinada pelo governo Bolsonaro era ainda mais irrisória – R$ 25 mil, de acordo com o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, em entrevista ao UOL. Esse valor também aumentou depois da aprovação da PEC da Transição. CartaCapital, Estadão, g1 e Mídia Ninja também repercutiram esses dados.

Em tempo: O Congresso em Foco destacou a situação de um projeto de fundo de apoio contra desastres naturais que está há um ano parado na Câmara dos Deputados. Proposto pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o PL 294/2022 cria um fundo com piso correspondente a 0,5% do orçamento anual da União (o que, pelos números de 2023, seria de R$ 25,8 bilhões), com o objetivo de apoiar ações emergenciais e de reconstrução pós-desastre. Mesmo com apoio verbal do presidente da Câmara, Arthur Lira, a proposta não foi adiante e segue sob apreciação da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia.

ClimaInfo, 23 de fevereiro de 2023.

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