Big Oil: energia suja e bem remunerada

Raimond Castillo/Pixabay

Em vez de chuvas torrenciais, é dinheiro que jorra nos cofres da indústria de combustíveis fósseis mundial. Lucros exorbitantes apontam para uma economia que vai na contramão da transição energética necessária e urgente.

Por Daniela Vianna*, ClimaInfo

Enquanto cidades, estados e até países inteiros contabilizam prejuízos e vivenciam o luto por vidas perdidas em decorrência de eventos extremos provocados pela crise climática – vide o caso de São Sabastião, no Litoral Norte de São Paulo, e de Vanuatu, no Pacífico –, a indústria do petróleo nada de braçada, não em ruas alagadas, mas em lucros exorbitantes.

Na semana passada, foi a vez de a Petrobras anunciar o lucro líquido recorde de US$ 36,6 bilhões em 2022, um crescimento de 84,2% na comparação com o ano anterior. A companhia é a terceira maior entre as principais petrolíferas ocidentais e a “segunda maior pagadora de dividendos do mundo em 2022”, como mostra o Valor. Desde final de janeiro, com o lançamento dos balanços anuais, as gigantes do setor exaltam seus ‘bons resultados’ (veja quadro elaborado pelo Valor).

A texana ExxonMobil, topo da lista, teve lucro de US$ 55,7 bilhões de dólares em 2022, bem mais do que o dobro do ano anterior (US$ 23 bi). Recordes históricos de lucros foram quebrados também pela norte-americana Chevron (US$ 36,5 bi) e pelas multinacionais britânicas Shell (US$ 40 bi) e BP (US$ 27,7 bi), entre outras.

A principal explicação para o “sucesso” das petroleiras refere-se à invasão da Ucrânia pela Rússia, o que provocou a alta significativa dos preços do petróleo e do gás natural, principalmente no primeiro semestre, devido a cortes e irregularidades do fornecimento destas commodities pelo país russo. O barril do Brent (petróleo cru de referência) fechou 2022 cotado a US$ 130, uma alta superior a 20%, sendo o maior valor desde 2008.

Levantamento da Reuters aponta que, somadas, as grandes petrolíferas ocidentais mais que dobraram seus lucros no ano passado – atingindo o recorde de US$ 219 bilhões –, “banhando acionistas com dinheiro”. Ao todo, foram US$ 110 bilhões distribuídos em dividendos e recompras de ações só em 2022.

Enquanto acionistas e investidores celebram, cientistas, lideranças globais e representantes do terceiro setor, preocupados com o aquecimento global, acendem o sinal vermelho, recrudescendo as críticas ao setor e cobrando intervenção política e aumento de taxas e impostos para as operações de petróleo e gás.

“A BP é mais rica porque você é mais pobre”, disparou Jonathan Noronha-Gant, ativista sênior da ONG internacional Global Witness, que atua em defesa dos direitos humanos. Em entrevista à CNBC, ele defendeu a implementação de um “windfall tax” (imposto de base pontual destinado a taxar os lucros aleatórios e inesperados de empresas ou setores específicos) para ajudar aqueles com dificuldades financeiras. O imposto sobre lucros extraordinários, aplicado em paralelo com aumento significativo (de investimentos) em energias renováveis e em home insulation (eficiência energética e conforto térmico em moradias, inclusive de baixa renda, reduzindo custos, o que é importante nos países de invernos rigorosos), “pode ser o começo do fim da era prejudicial dos combustíveis fósseis, tanto para as pessoas, como para o planeta”, defendeu Noronha-Gant.

Na prática, a realidade é outra. Na onda otimista, e alegando necessidade de segurança energética, as empresas anunciam ainda mais investimentos em petróleo e gás, embora sigam reafirmando seus compromissos com a transição energética para o baixo carbono, apresentando investimentos muito aquém dos necessários.

Mesmo a BP, que gosta de se posicionar como uma das mais “verdinha” das petroleiras, anunciou investimentos de US$ 8 bilhões em petróleo e gás até 2030 – o mesmo montante que investirá em renováveis até o final da década.

A Shell, que propagandeia estar comprometida em construir “um grande negócio de energias renováveis e de baixo carbono”, aplicou, em 2022, apenas 14% (US$ 3,5 bi) de seus investimentos (US$ 24,8 bi) em energias e soluções renováveis. “A Shell não pode alegar estar em transição enquanto os investimentos em combustíveis fósseis superarem os investimentos em renováveis”, pontuou Mark van Baal, fundador do grupo de acionistas ativistas Follow This, em entrevista à Reuters.

Tabela

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Valor

Reuters Graphics

Fonte: Reuters

Subsídios ao petróleo e gás

Se, por um lado, alguns países lutam para não sumir do mapa, como é o caso de Vanuatu, e ficam literalmente com água no pescoço enquanto presenciam a morosidade para a criação de um fundo de Perdas e Danos e a liberação da promessa dos países ricos de US$ 100 bilhões anuais em recursos para mitigação e adaptação, por outro, as indústrias de carvão, petróleo e gás natural receberam US$ 5,9 trilhões em subsídios só em 2020. Os dados são do Fundo Monetário Internacional (FMI)

O estudo, encabeçado pelo pesquisador Ian Parry, mostra que esse montante representa 6,8% do Produto Interno Bruto global em incentivos ao agravamento da crise climática.

Outro estudo, publicado em 2021 na revista Environmental Research, indicou que, todos os anos, nove milhões de pessoas morrem ao redor do mundo em decorrência da poluição POR material particulado gerado na queima de combustíveis fósseis.

Ainda de acordo com o FMI, foram 84 mil vítimas da poluição só no Brasil em 2020. Para quem, mesmo diante dos dados estarrecedores, prefere não contabilizar a perda de vidas humanas e focar apenas em números, gráficos e tabelas, vale lembrar que o relatório 2023 do Fórum Econômico Mundial coloca a falha na mitigação das mudanças climáticas no topo da lista de riscos para a economia global nos próximos dez anos. Dos top-10 riscos da década, seis estão diretamente ligados às crises climática e ambiental.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, na abertura de fóruns internacionais, não se cansa de puxar a orelha dos líderes globais sobre a urgência do combate à emergência climática e sobre a vergonha em ainda se conceder subsídios às indústrias baseadas em combustíveis fósseis.

Ele defende taxar o Big Oil para compensar as perdas e danos dos países vulneráveis ao clima extremo e acusa as petroleiras de venderem mentiras por meio da desinformação climática. “Estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé no acelerador”, afirmou durante a abertura da COP27 em Sharm El-Sheikh, no Egito, em novembro passado. “Ou fazemos um pacto de solidariedade ou um pacto de suicídio coletivo”, sentenciou.

Um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) mostra que as emissões globais do setor energético bateram novo recorde em 2022, alcançando um patamar de 36 bilhões de toneladas de CO2, como destacou o ClimaInfo. Vale lembrar que a meta para o setor é de uma redução de 7% ao ano, para que se consiga cortar à metade as emissões setoriais até 2030. 

Em 2014, a organização Natural Resources Defense Council (NRDC) já sinalizava para seis fatos essenciais que depunham contra subsídios à Big Oil: 1) eles custam dezenas de bilhões de dólares aos contribuintes todos os anos; 2) os subsídios perduram há mais de um século; 3) são permanentes; 4) representam um direito corporativo desatualizado; 5) contribuem com a queima de combustíveis fósseis, a principal causa da poluição por carbono; e 6) os preços do petróleo não justificam subsídios à produção.

Infelizmente ainda não é possível dizer que a indústria do petróleo está nadando contra a maré. Afinal, é amparada por subsídios governamentais e pelo deus-mercado. A próxima Conferência do Clima, a COP28 marcada para acontecer em novembro em Dubai, nos Emirados Árabes, tem como presidente o sultão Al Jaber, CEO de indústria petrolífera daquele país. Pode-se, no mínimo, inferir que os lobistas do petróleo vão se sentir em casa para tentar frear avanços na transição energética. 

Enquanto a indústria fóssil lucra, o saldo da humanidade frente à crise climática está no vermelho, diante da janela de oportunidades cada vez mais estreita para frear o aquecimento e assegurar a manutenção da vida como se conhece hoje no planeta.

(*) Daniela Vianna é jornalista, doutora em Ciências Ambientais (PROCAM), colaboradora do ClimaInfo e pós-doutoranda do Saúde Planetária Brasil, ligado ao Instituto de Estudos Avançados da USP.

Revisão técnica: Délcio Rodrigues e Shigueo Watanabe

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