Temporada de caça ao crédito de carbono voltou com força redobrada

créditos de carbono
Erin Kirkland / Bloomberg

Houve sempre muita desconfiança quanto aos projetos que geram créditos de carbono. Nos últimos anos, as críticas se voltaram para a integridade desses créditos, especialmente no que diz respeito a comunidades, povos e ao meio ambiente, ou seja, que a redução seja perene e que todos se beneficiem dele.. 

Desde meados do ano passado, as atenções se voltaram para uma espécie de “superfaturamento” de créditos, quando os donos dos projetos ganhavam mais créditos do que a redução de emissão – ou remoção de CO2 – que seus projetos teriam efetivamente alcançado. Nesta semana, um caso trouxe o debate à baila novamente, após pesquisadores da Universidade de Berkeley (EUA) publicarem uma análise de projetos voltados a fogões mais eficientes para populações vulneráveis (cookstove projects). 

Em vilas africanas, do Sudeste Asiático e, em escala bem menor ,no Nordeste brasileiro, tais grupos com frequência usam fogões a lenha bem primitivos – três pedras e uma chapa metálica sobre uma fogueira de lenha catada. Em muitos casos, essa lenha vem de matas próximas, que vão perdendo sua vegetação. Um fogão mais eficiente, fechado, com uma chaminé e um primitivo controle de ar permite cozinhar o mesmo alimento com menos lenha. 

A maior parte dos créditos de carbono vem dessa redução no consumo de lenha e, portanto, do desmatamento evitado. Os pesquisadores de Berkeley se debruçaram sobre quase 20 anos de projetos deste tipo e inferiram que foram emitidos seis vezes mais créditos do que os projetos mereceriam. Os resultados foram publicados esta semana na revista científica Frontiers in Forest and Climate Change e o trabalho foi comentado na Bloomberg, CNBC e na Carbon Herald

Parte do superfaturamento vem do fato de que o consumo de lenha não caiu depois da instalação do fogão mais eficiente. Isso porque havia uma demanda reprimida por calor, principalmente para ferver água: depois da troca dos equipamentos, a quantidade de lenha usada não caiu, pois um fogão mais eficiente permitia seu uso mais intenso.

No centro desse debate, há duas questões primordiais: os projetos podem ter tido um efeito menos benéfico ao clima do que o esperado, mas a qualidade de vida das famílias melhorou. 

Já o outro ponto é impossível de ser resolvido completamente. A quantidade de créditos é a diferença entre o que o projeto emitiu ou removeu e o que teria acontecido caso o projeto não existisse. Como é impossível medir fisicamente algo que não aconteceu, todo o sistema criado desde o Protocolo de Quioto se baseou em desenvolver métodos para basear estimativas – as quais, por sua vez, são constantemente criticadas e revistas. 

Discussões desse tipo demonstram que o mercado de créditos de carbono tem muito mais perguntas a serem respondidas do que alguns entusiastas querem admitir, inclusive no Brasil. Garantir a integridade dos créditos, assim como a adicionalidade, são fundamentais para que essa solução não se torne ouro de tolo.

Em tempo: O Gabão está entrando com força no debate climático, e quer transformar suas conhecidas florestas tropicais em fonte de renda, de preferência, com um pagamento para mantê-las preservadas. A indústria madeireira representa um pedaço muito pequeno do PIB, enquanto o grosso vem do petróleo, que está se esgotando. Assim, o governo entende que deveria ser pago para preservar sua floresta. O problema é que as metodologias dos mercados de carbono premiam áreas sob risco de desmatamento. Se não há risco, não há créditos de carbono. O Gabão, na 117ª posição das economias do mundo, quer levar adiante esta discussão com um recado subentendido: ajudem, ou deixamos as madeireiras aumentarem sua participação no PIB. O discurso parece pedido de resgate após sequestro, mas de fato expõe desafios ainda encontrados na criação de mecanismos financeiros voltados à manutenção da vegetação nativa, especialmente em países em desenvolvimento. Mais detalhes estão em reportagem na Bloomberg.

ClimaInfo, 24 de março de 2023.

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