
A queima de combustíveis fósseis que provocou o aquecimento global e a instabilidade política após a queda do ditador Muammar Gadhafi contribuíram para a tragédia.
Pode chegar a 20.000 o número de mortos nas enchentes de Derna, cidade mediterrânea no leste da Líbia arrasada pela passagem da tempestade Daniel – chamada de “medicane”, um “irmão menor” de furacões e tufões que atinge o litoral do Mediterrâneo (de onde o nome). Bairros inteiros desapareceram no mar, quando uma enorme torrente de água semelhante a um tsunâmi, após o rompimento de duas barragens, varreu a cidade portuária. Os sobreviventes descreveram a situação como “além de catastrófica”, relata a BBC.
Mas há mais por trás da tragédia no país do que o evento climático sem si. A causa imediata foram, de fato, chuvas extremas: o equivalente a um ano em 24 horas. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) registrou que muitas áreas da Líbia receberam entre 150 e 240 mm de precipitação. A cidade de Al-Bayda registrou 414 mm em 24 horas, um recorde. Em um ano médio, Derna recebe 274 mm de chuva , de acordo com o Serviço Meteorológico Alemão.
No entanto, especialistas ouvidos pela Nature frisaram que a mudança climática, combinada com os efeitos da instabilidade política e da guerra civil que afetam a Líbia desde a queda do ditador Muammar Gaddafi, em 2011, exacerbaram o desastre. “É a maldição da guerra e do clima”, diz Mark Zeitoun, diretor-geral do centro de pesquisa Geneva Water Hub.
Especialistas em inundações dizem que as chuvas foram incomumente severas e que a crise climática provavelmente as intensificou ao sobrecarregar Daniel, um sistema climático de baixa pressão que se formou sobre o Mar Mediterrâneo por volta de 4 de setembro. A tempestade se intensificou sobre o mar, tornando-se no que os meteorologistas chamaram de “medicane”.
O Centro Meteorológico Nacional em Trípoli, capital do país, teria emitido alertas de tempestade severa 72 horas antes da tempestade atingir a Líbia, notificando as autoridades governamentais e pedindo medidas preventivas. Foi declarado estado de emergência no leste líbio, mas isso não se traduziu numa resposta de emergência bem-sucedida. Assim, a falta de um sistema de alerta coordenado não deu chances aos moradores de Derna, destaca a CNN.
No ano passado, o hidrologista Abdul Wanis Ashour, da Universidade Omar Al-Mukhtar, na Líbia, publicou um estudo em que alertava sobre as possíveis ameaças à Derna, incluindo a necessidade de manutenção das represas da região. Nada foi feito. E duas delas romperam, devastando a cidade.
“Eles sabiam. Quando reuni os dados, encontrei uma série de problemas no Vale do Derna: nas fissuras presentes nas barragens, na quantidade de chuvas e nas repetidas inundações”, disse ele à Reuters. “Encontrei também vários relatórios alertando sobre um desastre que ocorreria na bacia do Vale do Derna se as barragens não fossem mantidas.”
Agora, enquanto recebe ajuda internacional, Derna tenta encontrar seus mortos. E vive sob a ameaça de epidemias, com corpos nas ruas e na água.
Wired, Sky News, Financial Times, CNN, Grist e Washington Post também destacaram o papel das crises climática e política na tragédia na Líbia.
ClimaInfo, 18 de setembro de 2023.
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