Rejeição do Antropoceno vira “novela” e causa comoção entre cientistas

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Joyradost/WikimediaCommons

Integrantes da União Internacional de Ciências Geológicas rejeitaram o reconhecimento do Antropoceno como nova era geológica; decisão é contestada por “violação das regras” da entidade.

Não estamos no Antropoceno – ainda. Essa é a conclusão de um comitê de cientistas da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), no primeiro “teste de fogo” da tese que vem mobilizando geólogos e outros cientistas nos últimos 15 anos. Mesmo com as transformações profundas causadas pela espécie humana na vida terrestre, o entendimento da entidade é de que ainda seguimos na era do Holoceno, iniciada há 11,7 mil anos.

A decisão da IUGS não chega a ser uma surpresa. De fato, do ponto de vista técnico, a tese do Antropoceno não estabelece um evento geológico de referência que possa separar definitivamente as duas eras. Mesmo com a tentativa dos defensores da proposta de fixar o início da nova era geológica em 1952, quando ocorreram os primeiros registros de precipitação de plutônio proveniente de explosões nucleares, esse obstáculo persistiu e, ao final, sustentou grande parte da oposição à proposta.

No entanto, o que chamou a atenção foi a forma como a IUGS tomou essa decisão, como bem pontuou o NY Times. A Subcomissão de Estratigrafia Quaternária (SQS), responsável pela análise da proposta dentro da entidade, votou por 12 a 4 contra a tese. O problema é que o próprio presidente da SQS, o geólogo Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester, afirmou que a “suposta” votação ocorreu em “violação das regras estatutárias” e solicitou um inquérito sobre o caso.

O jornalista Brad Johnson deu mais detalhes sobre a celeuma em sua newsletter Hill Heat. Segundo Zalasiewicz, em posição subscrita pelo segundo vice-presidente da SQS, Martin J. Head, da Brock University, “uma grande maioria dos membros do SQS que participaram da alegada votação [11 de 16] não era elegível como membros votantes naquela ocasião”.

A novela em torno da votação coloca em xeque a própria legitimidade científica da IUGS, como pontuou a cientista Naomi Orestes, da Universidade de Harvard, uma das principais estudiosas sobre a negação da crise climática. Para ela, as supostas irregularidades na votação do SQS sugerem “fortemente” que a decisão não teve base científica.

“Ao rejeitar a proposta do Antropoceno, o painel sugere ao mundo que eles não estão dispostos ou são incapazes de reconhecer o que todos nós podemos ver agora: que realmente vivemos no Antropoceno. Ao negar o óbvio, os estratigráficos ameaçam minar a credibilidade da ciência que afirmam proteger”, afirmou.

De acordo com o Guardian, as chances da tese do Antropoceno ser formalmente adotada no processo atual são mínimas, mas nada impede que ela seja apresentada novamente no futuro. Ainda assim, para muitos geólogos e cientistas de outras áreas, a discussão sobre o Antropoceno vai muito além de novelas tecnocráticas.

“A questão em discussão é que não é possível determinar um marco estratigráfico preciso e específico para marcar geologicamente como o início de uma nova era geológica, o Antropoceno. Mas é importante salientar que não se nega a influência humana nos ecossistemas terrestres, mas que tão somente precisamos definir um marco estratigráfico que seja estável e forte o suficiente”, explicou o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), à Agência Pública.

 

 

ClimaInfo, 12 de março de 2024.

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