Os dilemas da reconstrução das cidades gaúchas afetadas pelas enchentes

12 de maio de 2024
RS reconstrução 3
Pedro Ladeira/folhapress

O esforço de retomada irá muito além da simples reconstrução no Sul: sem adaptação climática, cidades inteiras seguirão expostas a riscos crescentes de novos desastres. 

Dez dias depois das chuvas históricas que deixaram boa parte do Rio Grande do Sul debaixo d’água, especialistas e o poder público começam a ter uma dimensão mais clara dos impactos do desastre. Em muitos municípios gaúchos, o desafio que se apresenta é bem mais complexo do que simplesmente reconstruir o que foi destruído: comunidades inteiras poderão ser forçadas a se deslocar para áreas mais seguras.

Um exemplo disso é o município de Roca Sales, a 143 km de Porto Alegre. Como a Folha destacou, a prefeitura já esboça planos para mudar pelo menos 50% de suas construções, como casas, escolas, hospitais e mesmo a sua sede, para áreas mais altas. O governo gaúcho estima que o custo de transferir Roca Sales e outros dois municípios, Cruzeiro do Sul e Muçum, não deve ficar abaixo de R$ 30 bilhões.

“[Teremos] um olhar específico para aquelas cidades que terão a necessidade de um planejamento excepcional de transferência de locais inteiros, o que vai envolver um custo multibilionário para as necessidades de indenizações para as pessoas que vivem nesses lugares e transferência para um novo lugar”, disse o governador Eduardo Leite, citado por Estadão.

Em todo o RS, a reconstrução por si só não será suficiente para a retomada – sem considerar a necessidade de adaptação climática, o risco é manter a população gaúcha exposta a riscos crescentes de desastres relacionados ao clima. Isso exigirá um nível de articulação de atores e de mobilização de recursos públicos e privados inédito na história do Brasil.

“Vai ser a maior operação de reconstrução de infraestrutura pública, residencial e de indústria. Se por um lado é terrível, por outro precisamos fortalecer a adaptação às mudanças climáticas e aos eventos extremos, repensando a organização das cidades”, explicou Marcelo Dutra, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ao jornal O Globo.

O ministro das Cidades, Jader Filho, reforçou esse diagnóstico. “Mais de 200 municípios que estão em estado de emergência [no RS] nunca tiveram nenhum registro de deslizamento, de contenção, de crise hidrológica. Essas obras precisam atender qual será a necessidade daqui para frente, de readaptar nossas cidades e dar resiliência para novos eventos climáticos”.

O desastre no Sul precisa servir como ponto de inflexão para a adaptação climática no Brasil. Não dá para agir da mesma forma que antes para lidar com eventos extremos. “Antes, a crise climática era conjugada no futuro. Agora, estamos conjugando no presente. E isso gera uma série de mudanças”, destacou Suely Araújo, do Observatório do Clima, à Agência Pública. “É assustador, mas temos que nos assustar para poder agir”.

Já a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) disse a’O Globo que deve apresentar nos próximos dias ao presidente Lula um plano de prevenção de desastres climáticos. A proposta deve incluir a criação de um estatuto jurídico para reconhecer a existência de uma emergência climática permanente no Brasil.

“Acho que é um sinal de reconhecer e aceitar esse fato, porque a pior coisa que tem é não ter consciência do risco. (…)  A natureza nos colocou num lugar de realistas. Só os negacionistas não vão atentar para o que está acontecendo. Temos que criar uma UTI climática”, disse.

Em tempo: Há 13 anos, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu um dos maiores desastres climáticos da história do Brasil. Chuvas intensas causaram deslizamentos de terra que mataram mais de 910 pessoas e deixaram cerca de 300 desaparecidos. Se as defesas civis ganharam mais corpo e capacitação desde o desastre, o avanço não foi o mesmo na parte de obras de contenção, muitas ainda incompletas. A Folha fez um balanço das ações desde 2011 e destacou desafios para uma resposta mais efetiva, como a retirada de moradores de áreas de risco e a falta de recursos para a realização das obras.

 

ClimaInfo, 13 de maio de 2024.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.

Continue lendo

Assine nossa newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Glossário

Este Glossário Climático foi elaborado para “traduzir” os principais jargões, siglas e termos científicos envolvendo a ciência climática e as questões correlacionadas com as mudanças do clima. O PDF está disponível para download aqui,
1 Aulas — 1h Total
Iniciar