A Petrobras que precisamos para frear as mudanças climáticas precisa investir já e pesadamente em fontes renováveis, não “quando o petróleo acabar”, como sugere Lula.
Uma cerimônia com a presença do presidente Lula na semana retrasada marcou a inauguração do Complexo de Energias Boaventura, da Petrobras, em Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar do pomposo nome e de usar “energias” no plural, trata-se de uma repaginada do Complexo Petroquímico do Rio (COMPERJ), projeto cuja construção ficou parada por anos. E que tem como carro-chefe uma única fonte de energia: a de origem fóssil, principalmente o gás.
Em seu discurso, Lula defendeu a Petrobras e falou da importância da empresa para o país. Criticando quem defende a privatização da estatal por várias razões, entre elas o fim do petróleo e, com isso, a perda de seu valor de mercado, o presidente propôs uma solução. “No dia em que acabar o petróleo, a Petrobras será a maior empresa produtora de biocombustíveis deste país. Será a maior produtora de etanol deste país. Será a maior produtora de hidrogênio verde deste país.” E completou: “A Petrobras é mais do que uma indústria de petróleo, a Petrobras é uma indústria de energia, e ela vai produzir o que for necessário”.
Nas entrelinhas, o que Lula falou se chama “transição energética”. Ainda que tenha mencionado apenas combustíveis, o que o presidente propõe é uma Petrobras que invista em fontes energéticas renováveis.
Mas, ao contrário do que Lula disse e acredita, a estatal está ainda muito longe de ser uma “indústria de energia”. A Petrobras continua sendo e agindo como uma mera petroleira, o que ficou mais evidente com a chegada de Magda Chambriard ao seu comando. E mesmo tendo criado uma área específica para tratar dessa transição, mas que até agora não disse a que veio. Aliás, na verdade apenas disse: ação concreta, até agora nada.
Enquanto isso, o Brasil sofre a pior seca de sua história recente e ondas de calor incomuns poucos meses depois de ver o Rio Grande do Sul submerso pela maior tragédia climática a atingir o país. Resultado óbvio das mudanças climáticas, como cientistas apontam há cerca de 40 anos, e que tem na queima dos combustíveis fósseis sua principal causa.
Logo, para ser a empresa de energia que Lula acha que a Petrobras é, a companhia já deveria estar virando a página do petróleo e do gás fóssil e partindo para a produção de energia renovável. Hoje, o máximo que a estatal tem nesse sentido são três unidades produtoras de biodiesel. E projetos para produzir o que ela chama de “diesel renovável” – que nada mais é do que o péssimo e velho diesel de origem fóssil com algumas “notas” de óleo vegetal já no seu processamento.
Vale lembrar que a Petrobras já investiu na produção de etanol e em usinas eólicas. Mas tudo foi vendido por não se tratar do “core business” da empresa.
É verdade que em seu atual plano de negócios, para o quinquênio 2024-2028, a petroleira mais que dobrou os investimentos previstos para “projetos de baixo carbono”, com uma cifra de US$ 11,5 bilhões. Desse total, a Petrobras previa aplicar US$ 5,5 bilhões em energia eólica e solar. Só que o plano já vai fazer 1 ano, será substituído por um novo planejamento, para o período 2025-2029, e até agora nem um centavo foi destinado à geração de energia do vento ou do sol. Nem mesmo para comprar uma participação em usinas já instaladas – o que não ajudaria nada a limpar a matriz energética nacional, mas já seria um bom sinal de que a petroleira estaria mesmo disposta a deixar de ser “de petróleo” para ser “de energia”.
Também é verdade que na gestão de Jean Paul Prates à frente da empresa havia muitas promessas de investimento em fontes renováveis combinadas com uma infinita pressão para obter a licença do IBAMA para explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas. Mas ao menos havia alguma sinalização. Ainda que boa parte dela fosse para as eólicas offshore, cuja regulação foi proposta em 2021 por Prates, quando ele era senador, mas que até agora está travada no Congresso. E pior: com “jabutis” para beneficiar combustíveis fósseis.
Com Magda Chambriard, parece que a diretoria da Petrobras anota o termo “transição energética” em um pedaço de papel para não esquecer de mencioná-la quando fala que a empresa vai buscar mais e mais petróleo e gás fóssil. Mais parece um cala-boca para quem questiona o fato de até agora nada ter acontecido nesse sentido.
Isso pode ser comprovado por uma fala do diretor-executivo financeiro e de Relacionamento com Investidores da Petrobras, Fernando Melgarejo, sobre o plano de negócios 2025-2029 da empresa, após a inauguração do “complexo de energias” da petroleira. Melgarejo afirmou que a empresa vai “ampliar o foco” em exploração e produção de combustíveis fósseis no próximo plano plurianual. O que, para bom entendedor, significa que mais investimento na área. No plano atual, a cifra projetada é de US$ 73 bilhões.
“Cada gota de óleo é importante para a companhia”, disse o executivo. Isso porque a Petrobras está preocupadíssima em repor suas reservas – tanto que quer porque quer explorar petróleo na foz do Amazonas. Mas o pior veio depois: “o foco é tentar ter recomposição de reservas o máximo possível sem deixar de ter o olhar na transição energética, mas um não pode ofuscar o outro”.
Ou se explora mais petróleo e gás fóssil ou se faz transição energética. Sim, um “ofusca” o outro. É algo óbvio. Mas a fala de Melgarejo prova o improviso do tema no comando da petroleira. Não só nas falas de seus executivos, mas também nos planos para o futuro: “vamos falar em transição só para ver se os ambientalistas param de encher o saco”.
Só que a Petrobras que precisamos, que o planeta precisa, tem de ser uma empresa de energia de fato. Como uma companhia controlada pelo governo, tem total capacidade de liderar a transição energética no país, abandonando os combustíveis fósseis e investindo em fontes renováveis e inovações como o armazenamento de energia. Tem de promover desenvolvimento sustentável, e não reproduzir o modelo de desenvolvimento exploratório e injusto que promete royalties e riqueza, mas deixa injustiças sociais e estragos ambientais.
É possível que a Petrobras seja tudo isso, presidente Lula. Não só possível como necessário. Mas falta muito. E não é retórica que vai promover essa transformação. É ação. E agora, não “quando o petróleo acabar”. Os eventos climáticos extremos que castigam o país estão causando prejuízos que nenhuma gota de óleo a mais vai conseguir pagar.
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Por Alexandre Gaspari, Jornalista do ClimaInfo.
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ClimaInfo, 23 setembro de 2024.
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