Que Lula sou eu? Defesa do petróleo “até a última gota” não combina com discurso pró-meio ambiente na ONU

24 de setembro de 2024
Que Lula sou eu?
Ricardo Stuckert

Depois de se reunir na surdina com executivos do Big Oil, Lula reclama de “acordos climáticos não cumpridos” e lentidão da descarbonização em discurso na ONU.

Como esperado, o discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta 3a feira (24/9), em Nova York, foi contundente. Em quase 20 minutos, o presidente brasileiro fez cobranças duras aos países desenvolvidos pelas dificuldades enfrentadas no combate global à crise climática, especialmente na questão financeira, e defendeu a revitalização do multilateralismo e da governança global.

“Estamos condenados à interdependência da mudança climática. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não resolvidos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega”, disse Lula.

O presidente lembrou do desastre climático no Rio Grande do Sul e da crise dos incêndios e queimadas na Amazônia e no Pantanal, a maior “pedra no sapato” do governo neste momento. Ele reconheceu a gravidade do problema, mas destacou as ações recentes do governo para reverter o quadro de desmonte deixado pelo governo anterior na área ambiental.

Ainda sobre meio ambiente, Lula destacou a realização da COP30 em Belém do Pará no ano que vem e confirmou que o Brasil apresentará, ainda neste ano, a nova versão de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o Acordo de Paris, “em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5oC”.

Outro ponto ressaltado por Lula é o potencial do Brasil como “celeiro de oportunidades” para a transição energética. “Somos hoje um dos países com a matriz energética mais limpa. 90% da nossa eletricidade provêm de fontes renováveis como a biomassa, a hidrelétrica, a solar e a eólica”, afirmou.

Os biocombustíveis também foram abordados no discurso do presidente. “Fizemos a opção pelos biocombustíveis há 50 anos, muito antes que a discussão sobre energias alternativas ganhasse tração. Estamos na vanguarda em outros nichos importantes como o da produção do hidrogênio verde”, disse Lula. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.

É aqui que a “porca torce o rabo”, como diriam alguns. Analisado separadamente, o discurso de Lula é forte na questão climática, com argumentos razoáveis e cobranças sólidas. O problema é que o contexto da fala esvazia a sua contundência e deixa evidente a ambiguidade prática do presidente nessa agenda.

Um dia antes de falar à Assembleia Geral da ONU, Lula se encontrou com executivos da petroleira Shell em uma reunião fora da agenda oficial do presidente em Nova York. A pauta não foi revelada, mas dificilmente os participantes não falaram sobre o principal interesse comercial da empresa no Brasil – a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e em outras áreas da chamada Margem Equatorial.

O governo segue dividido no assunto. Enquanto a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) defende a abordagem cautelosa do IBAMA na análise sobre os impactos da exploração petroleira na foz do rio Amazonas, o projeto é defendido de forma feroz pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) e por outros setores do governo.

Inicialmente distante dessa discussão, Lula vem se posicionando mais claramente nos últimos meses em favor do empreendimento, destacando a estratégia da Petrobras de ampliar sua produção, contrariando as recomendações de cientistas que defendem o fim de novos projetos de energia fóssil ainda nesta década.

“Enquanto o presidente prega a transição energética para uma plateia de chefes de Estado e governo em Nova York, a Petrobras (cujo acionista majoritário é o governo) planeja ampliar sua produção diária de barris de petróleo até chegar a 5,3 milhões em 2030”, apontou Patrícia Campos Mello na Folha.

“O Brasil tinha tudo para levantar essa bandeira e ser o principal defensor. Apesar de colocar um foco nesse sentido, o governo Lula não está conseguindo dar as respostas necessárias”, comentou Raquel Landim no UOL. “Não que o Brasil não deva ter contato com petroleiras estrangeiras, mas precisava ser neste momento, quando ele defende essa bandeira lá na ONU?”.

A fala de Lula na ONU teve grande destaque na imprensa, com matérias em Agência Brasil, Correio Braziliense, Estadão, Folha, g1, O Globo, Metrópoles e Valor, entre outros.

 

ClimaInfo, 25 setembro de 2024.

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