Mais de meio milhão de pessoas morreram em decorrência dos dez eventos climáticos mais mortais que aconteceram nos últimos 20 anos. O evento que registrou o maior número de vítimas fatais foi a seca que atingiu a Somália em 2011: estima-se em 258 mil. Em seguida vem o ciclone Nargis, que matou 138.366 pessoas no sul de Mianmar em 2018, e a onda de calor na Europa em 2022, quando 53.542 morreram. O levantamento é do World Weather Attibution.
Todos esses eventos foram cientificamente atribuídos às mudanças climáticas. Tempestades, secas e ciclones tendem a ficar mais intensos e frequentes com o agravamento do efeito estufa, problema global causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, e a consequente elevação de temperatura média do planeta
Enquanto a ciência registra as vítimas, diplomatas de todo o mundo reúnem-se há duas semanas em Baku, no Azerbaijão. A 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29) se encerra neste fim de semana com a missão de fechar o valor que será destinado ao financiamento climático aos países pobres e vulneráveis. A discussão se concentra em quanto os países desenvolvidos, que têm responsabilidade histórica maior sobre o efeito estufa, destinarão aos países em desenvolvimento para lidarem melhor com os impactos das mudanças climáticas, e promoverem redução de emissões de gases estufa.
Apesar de tal repasse ser previsto no Acordo de Paris, fechado em 2015, nações mais pobres e vulneráveis afirmam que o recurso não chega no volume necessário. Além disso, devido à velocidade das mudanças climáticas, o valor que antes estava em centenas de bilhões de dólares subiu para a casa do trilhão.
“A face mais visível das mudanças climáticas tem sido o aumento da intensidade e da frequência dos eventos extremos. As secas na Amazônia em 2023 e 2024, ondas de calor, deslizamentos e as inundações no Rio Grande do Sul, Petrópolis, São Sebastião, Bahia e Minas Gerais nos últimos anos mostram o desequilíbrio que a queima de combustíveis fósseis está causando em nosso planeta”, diz o físico Paulo Artaxo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). “Milhares de mortes ocorreram e, enquanto isso, nada de reduzir as emissões e nada de compensação aos países pobres pelos danos, que já superam 1 trilhão de dólares por ano.”
Como as mudanças climáticas alimentaram os eventos climáticos mais mortais desde 2004
Evento (Ano) | Região(ões) afetada(s) | Mortalidade | Atribuição às mudanças climáticas |
Ciclone Sidr (2007) | Bangladesh | 4.234 | Precipitação mais provável e intensa. Velocidade dos ventos 16% mais provável, 2,4 m/s mais intensa. Temperatura da superfície do mar 30% mais provável, 0,69°C mais quente. |
Ciclone Nargis (2008) | Sul de Mianmar | 138.366 | Precipitação mais provável e intensa. Velocidade dos ventos 18% mais provável, 5,2 m/s mais intensa. Temperatura da superfície do mar 47% mais provável, 0,66°C mais quente. |
Onda de Calor Russa (2010) | Oeste da Rússia | 55.736 | Temperaturas de 3.000-7.000 vezes mais prováveis e 0,3-4,3°C mais quentes. |
Seca na Somália (2011) | Somália | 258.000* | Baixa precipitação em março-maio mais provável e intensa. Seca intensificada pelo aumento das temperaturas. |
Inundações na Índia (2013) | Uttarakhand, Índia | 6.054 | Precipitação duas vezes mais provável e 11% mais intensa. |
Tufão Haiyan (2013) | Filipinas | 7.354 | Precipitação mais provável e intensa. Velocidade dos ventos mais provável e intensa. Temperatura da superfície do mar mais provável e mais quente. |
Onda de Calor na Europa (2015) | França | 3.275 | Temperaturas duas vezes mais prováveis. |
Onda de Calor na Europa (2022) | Vários países | 53.542 | Temperaturas de 1 dia ao menos 17 vezes mais prováveis e 1,9-3,6 °C mais quentes. |
Onda de Calor na Europa (2023) | Vários países | 37.129 | Temperaturas no sul da Europa 1.000 vezes mais prováveis e 2,0-3,2 °C mais quentes. |
Tempestade Daniel (2023) | Líbia | 12.352 | Precipitação mais provável e intensa. |
Outras estatísticas de impactos climáticos
- Desde o início de 2023, o mundo experimentou os dias, semanas, meses e anos mais quentes dos últimos 120 mil anos; o ciclone tropical mais duradouro já registrado; alguns dos piores incêndios florestais da história; seca histórica na Amazônia; e níveis recordes de aquecimento dos oceanos, aumento do nível do mar e recuo de geleiras.
- As enchentes no sul do Brasil este ano, que foram duas vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas, deslocaram quase meio milhão de pessoas e devastaram 478 cidades, com custos de recuperação estimados em mais de R$ 100 bilhões.
- Na Arábia Saudita, durante a peregrinação a Meca, 1.300 pessoas morreram devido ao estresse térmico causado pelas mudanças climáticas.
- Pelo menos 15 recordes nacionais de temperatura foram quebrados este ano, muitos deles em países do Sul Global, incluindo Colômbia, Costa Rica, Camboja, Laos, Gana e Congo.
- Atualmente, 37% de todas as mortes relacionadas ao calor durante o verão são atribuíveis às mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento. Segundo dados do Fórum de Vulnerabilidade Climática, se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) não forem reduzidas, mais de 3 milhões de pessoas podem morrer anualmente devido aos impactos das mudanças climáticas nas próximas décadas.
- As mudanças climáticas também estão tornando os ciclones tropicais cada vez mais perigosos. As emissões de GEE aumentaram as velocidades dos ventos em todos os furacões do Atlântico em 2024, incluindo os furacões Beryl, Helene e Milton, que juntos causaram mais de 330 mortes nos Estados Unidos e no Caribe. Entre 2019 e 2023, as mudanças climáticas acrescentaram, em média, 31 km/h à velocidade máxima sustentada dos ventos dos furacões.
- A África continua sendo uma das regiões mais afetadas, com os países perdendo, em média, entre 2% e 5% do PIB anualmente devido aos extremos climáticos. O custo da adaptação climática na África Subsaariana é estimado entre US$ 30 e 50 bilhões por ano.
- A saúde, a economia e os sistemas alimentares estão sendo devastados pelas mudanças climáticas. De acordo com o Lancet Countdown:
- As perdas econômicas anuais causadas por eventos climáticos extremos atingiram US$ 227 bilhões, um aumento de 25% em apenas uma década.
- Metade da área terrestre do mundo enfrentou pelo menos um mês de seca extrema no ano passado, o segundo maior índice em 70 anos.
- 150 milhões de pessoas a mais enfrentam insegurança alimentar devido ao aumento da frequência de ondas de calor e secas.
- As mortes relacionadas ao calor entre pessoas acima de 65 anos dobraram nos últimos 30 anos devido ao aumento das temperaturas.
- Novas pesquisas indicam que o aumento do nível do mar pode ser muito pior do que o previsto anteriormente. Riscos associados às camadas de gelo da Antártica podem levar a um aumento de até 3 metros nas próximas décadas, rápido demais para permitir adaptação.
ClimaInfo, 22 de novembro de 2024.
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