Brasil hesita enquanto países pressionam por soluções ambiciosas contra poluição plástica

poluição por plásticos
Tom Fisk/Pexels

Como nunca visto antes, mais de 80 países fazem chamado pela redução da produção dos plásticos, após países produtores de petróleo travarem avanço das negociações. 

A quinta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC-5) da ONU sobre o Tratado Global de Plásticos foi concluída sem um acordo, para que os Estados-membros da ONU tenham mais tempo para negociar o texto final. Apesar do posicionamento de uma maioria significativa por um tratado vinculante e forte em medidas efetivas, como a redução da produção de plásticos e a regulação das substâncias químicas, os governos não conseguiram alcançar consenso, adiando decisões críticas para uma nova sessão em 2025 (INC-5.2). 

Este INC foi marcado pelo crescente suporte por ambição: mais de 100 países apoiaram a proposta do Panamá por uma meta global pela redução da produção dos plásticos; mais de 90 apoiaram uma declaração apresentada pelo México de regular globalmente os químicos e produtos plásticos, e 90% da última plenária apoiou chamado de Ruanda por um tratado ambicioso e globalmente vinculativo que contemple todo o ciclo de vida do plástico. 

Entretanto, o acordo foi prejudicado e adiado pelos interesses dos países petroleiros e das empresas de combustíveis fósseis. O conflito de interesse é claro: 220 lobistas das indústrias de petróleo e petroquímica estavam presentes na quinta rodada de negociação na Coreia do Sul. 

Isso representa mais que toda a delegação de governo de nossa região, América Latina e Caribe, que estava representada por 165 delegados cadastrados. Os lobistas representam o triplo de participantes da Coalizão de Cientistas e nove vezes mais que os representantes dos povos indígenas.

A Coalizão Vida sem Plásticos reconhece o esforço do governo brasileiro em levar uma das maiores delegações com representantes de vários ministérios e, também, o papel importante nas discussões especialmente sobre saúde no texto do Tratado, sendo referência para outros países. 

Contudo, neste momento político tão importante, juntamente com representantes de organizações da sociedade civil, catadores e cientistas, expressamos profunda indignação e preocupação com a decisão do Brasil de abandonar proposta de eliminação de  plásticos problemáticos devido à pressão da indústria durante as negociações do tratado, conforme relatado pela Agência Pública

Essa decisão coloca em risco a capacidade do Brasil de liderar esforços globais para combater uma das maiores crises ambientais do século. Ela também não honra o papel do Brasil na cooperação com o Sul Global, e como um dos países com maior biodiversidade do mundo, espelho mundial na defesa do clima e futuro país-sede da COP30.

Emergência global 

A produção descontrolada de plástico pode consumir um terço do orçamento de carbono até 2050, com 90% de suas emissões ligadas à extração de combustível fóssil e à produção de polímeros, tornando o controle de emissões fundamental para acabar com a poluição plástica. 

A produção excessiva de plásticos, principalmente para itens não essenciais, dobrou a quantidade de microplásticos no cérebro desde 2016 e nos expõe a mais de 16.000 substâncias químicas, entre essas, 4.200 são conhecidamente perigosas para a saúde e o meio ambiente.

No Brasil, a situação é alarmante: 1,3 milhões de toneladas ao ano de resíduos plásticos são despejados no oceano, enquanto registramos contaminações por microplásticos entre as maiores do mundo. Esta negligência é uma afronta à sustentabilidade e à dignidade de milhões de brasileiros, especialmente dos catadoras(es) de materiais recicláveis e reutilizáveis que vivem dessa cadeia injusta e têm seu trabalho desvalorizado.

Enquanto o Brasil não se posiciona contrário à limitação da produção dos plásticos, insistimos para que o mundo não se esqueça do desastre em curso provocado pela mineração da Braskem em Maceió. A extração de sal-gema, uma das matérias-primas para a produção de plásticos do tipo PVC afeta diretamente 60 mil pessoas, e causa um prejuízo de R$ 30 bilhões conforme estimativas. 

O Brasil precisa assumir protagonismo que lhe pertence em uma pauta tão crucial para honrar nossa imagem internacional e futuro ambiental. A sociedade civil brasileira exige  um posicionamento ambicioso do Brasil no suporte aos seguintes elementos essenciais para o tratado:

  • Metas de redução juridicamente vinculantes para a produção de polímeros plásticos primários, com metas globais e cronogramas de redução gradual.
  • Eliminação de substâncias químicas e polímeros preocupantes, por meio da criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade desses aditivos.
  • Metas legalmente vinculantes e com prazo determinado para reduzir a produção e a comercialização de produtos plásticos de uso único problemáticos e desnecessários.

A liderança do Brasil é crucial. A proteção da nossa biodiversidade, uma das maiores do mundo, depende de políticas alinhadas a práticas globais. O mundo está assistindo e não aceita retrocessos. Não deixe que o futuro das próximas gerações seja comprometido devido ao interesse de poucos.

 

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Texto por Rafael Eudes – Engenheiro químico, representante da Aliança Resíduo Zero Brasil no Tratado Global de Plásticos

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ClimaInfo, 18 de dezembro de 2024.

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