
Entre 18 e 19 de fevereiro de 2023, sábado e domingo de Carnaval daquele ano, o litoral norte de São Paulo recebeu um volume de chuvas em 24 horas nunca antes registrado no país. Em Bertioga, uma das cidades da região, foram 683 mm acumulados – o maior registro dos sistemas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) até agora. O temporal provocou inundações e deslizamentos que mataram 64 pessoas e desalojaram milhares.
Dois anos depois, na Vila Sahy, no município de São Sebastião, a área mais afetada pelas chuvas extremas, os sinais de destruição são muito menores se comparado ao ano passado, quando a tragédia completou um ano, relatam g1 e Folha. Houve obras de contenção após os deslizamentos, além da instalação de sirenes que alertam para chuvas e o memorial que homenageia os mortos.
As medidas de recuperação também envolveram a remoção de pessoas de áreas de risco e a realocação dos desabrigados. Mas a volta de moradores a áreas de risco – alguns se recusaram a sair – e a incerteza sobre as informações geológicas da região dão margem à insegurança, destaca O Globo.
Por duas vezes a enorme sirene instalada na entrada da Vila Sahy alertou os moradores sobre chuvas fortes, ainda que nada perto dos 680 mm daquela noite. Um grupo de 15 a 20 voluntários fica de prontidão para o socorro, enquanto os vizinhos avaliam a necessidade de deixarem suas casas pelas rotas de fuga rumo ao ginásio do Instituto Verdescola, que na época serviu de abrigo.
“Hoje, a cada dez pessoas que eu converso na rua, nove falam que estão de boa, em paz, tranquilos. Temos a barreira de contenção, o radioamador que é direto na central da Defesa Civil, uma equipe na Vila Sahy para os primeiros socorros”, conta Moisés Teixeira Bispo, 39 anos, diretor da associação de moradores. No entanto, ele reconhece que nem todas as áreas atingidas ou que demandam cuidados da prefeitura têm sido atendidas da mesma forma. Em 2018, um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) já apontava 21 áreas, 86 setores e cerca de 2.200 residências em risco em São Sebastião. Segundo o IBGE, em 2022 havia 3.402 domicílios classificados nas regiões de risco alto e de risco médio – 6% do total de imóveis na cidade.
O Instituto se prepara para entregar no início de março um novo Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR), contratado pela prefeitura. A gestão municipal diz que, com a tragédia, novas áreas surgiram após o escorregamento de terras, que o estudo visa identificar. Além disso, na Vila Sahy há moradores recém-chegados nos pontos mais altos da comunidades, que vivem de aluguel, enquanto os donos das propriedades se mudaram para outras praias após o trauma ou até para moradias da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU).
No CDHU de Baleia Verde vive a aposentada Maria Soares de Souza, de 71 anos, com outros três familiares. Nas chuvas, ela perdeu o marido, o filho e a casa em que viveu por 22 anos. A filha e o genro moravam próximos, mas não conseguiram se cadastrar juntos no programa de habitação e agora buscam uma solução com a prefeitura. Com orçamento apertado para um aluguel, a família vive toda junta. “Eles me ajudam e eu ajudo eles. Eu fiquei muito nervosa e com muito medo de trovão e relâmpagos”, diz Maria.
A cerca de seis quilômetros da Vila Sahy, às margens da rodovia Rio-Santos e próximo ao Morro do Esquimó, ficam outros dois núcleos urbanos severamente atingidos: a Vila Pernambuco e a Vila Queiroz Galvão. Fernanda Carbonelli, diretora executiva do Instituto de Conservação Costeira (ICC), entende que a região ainda vive um cenário de ameaça extrema, com um crescimento desordenado de moradias e um sistema de drenagem muito comprometido.
“Tem obra sendo feita dentro desses núcleos, mas elas são ainda irrisórias diante da grandiosidade dos riscos existentes”, explicou Fernanda.