Lula insiste na defesa de combustíveis fósseis para “financiar a transição energética”

Presidente diz ser contra o combustível fóssil, mas repete falácia de que Brasil precisa dele para seu desenvolvimento econômico, ignorando os subsídios à indústria petrolífera.
25 de fevereiro de 2025
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Ricardo Stuckert/PR

O presidente Lula voltou a lançar mão de equívocos para defender a exploração de petróleo e gás fóssil na foz do Amazonas em evento no extremo sul gaúcho. “Sou contra o combustível fóssil, quando a gente puder prescindir dele. Enquanto não puder, a gente tem que ter, porque é o dinheiro da Petrobras que vai ajudar a gente a fazer revolução na transição energética. É com o dinheiro do petróleo que a gente vai conseguir fazer o biocombustível, o etanol, o hidrogênio verde e outras coisas mais”, disse o presidente, em fala destacada por Agência Brasil, g1, Jornal do Comércio, Correio Braziliense e UOL.

Aos fatos: a Petrobras detém a maior fatia da produção de petróleo no país. Mas a empresa tem participação tímida no biodiesel, usado na mistura com o diesel fóssil para diminuir suas emissões. Anunciou o retorno ao etanol, mas a produção desse biocombustível também não está a cargo da petroleira. Na área elétrica, vendeu as poucas participações que tinha em usinas eólicas e solares. Sua carteira de produtos é quase 100% baseada em combustíveis fósseis.

No entanto, mais de 90% da matriz elétrica brasileira já é renovável. Como dito, o etanol e o biodiesel usados no Brasil não estão a cargo da petroleira. Logo, nenhum centavo dos bilhões que a estatal lucra anualmente é aplicado em fontes renováveis e, portanto, não financiam transição energética nenhuma.

Os argumentos não são novos, mas a repetição aumentou desde a eleição de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para a presidência do Senado. Isso reforça a ideia de que o aumento da pressão sobre o IBAMA para liberar a licença para a Petrobras perfurar um poço na região tem um viés de acordo político. E não apenas para tentar garantir vitórias em um Congresso onde não tem maioria, mas já pensando nas eleições de 2026.

A insistência do presidente também sinaliza um conflito de interesse para o avanço das negociações da COP30, que precisa implementar a transição para longe dos combustíveis fósseis, como acordado em Dubai em 2023. A queima de petróleo, gás fóssil e carvão é a principal culpada pelas mudanças climáticas. Como já disse a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo, não tem qualquer sentido querer produzir mais combustíveis fósseis para atacar o problema que é causado por eles.

É o que também destaca Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), n’((o))eco. “O governo Lula esquece as promessas de campanha, não leva em conta a agenda da sustentabilidade e passa a apresentar perfil aderente ao petróleo. De forma cínica, distorce os fatos para angariar apoiadores desprovidos de conhecimento, utilizando frases contraditórias como “explorar petróleo para financiar sua eliminação.”

O governo poderia começar a financiar a transição energética com os recursos que teria ao eliminar os subsídios que dá aos combustíveis fósseis, muito maiores que os concedidos a fontes renováveis. Como mostrou a 7ª edição do monitoramento dos subsídios federais para combustíveis fósseis e fontes renováveis do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), para cada R$ 1 em subsídios do governo federal para renováveis, outros quase R$ 5 são aplicados pelos cofres públicos na indústria de combustíveis fósseis – 82% do total.

Cientistas políticos e ambientalistas ouvidos pela BBC avaliam que as declarações de Lula sobre a foz do Amazonas indicam que a exploração de petróleo na região entrou no seu cálculo político para o que resta de seu mandato e para a eleição presidencial de 2026. A aposta no petróleo da região tenta atrair votos não apenas no Amapá, mas em estados do Nordeste e do Norte com base nos supostos recursos bilionários do petróleo da margem equatorial – que inclui a foz do Amazonas e se estende pelo litoral até o Rio Grande do Norte.

  • Em tempo: Enquanto a pressão política sobre o IBAMA aumenta, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva repete: “A decisão que for tomada, vai ser uma decisão técnica. Se for ‘sim’, é técnica; se for 'não', é técnica. Quem vai decidir vão ser os técnicos do IBAMA, com certeza”. A fala foi dada ao Valor, depois de participar do evento “Adaptação como Prioridade para a COP30”.

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