Mês decisivo para a foz do Amazonas e o clima do planeta

Se não ligam para a Amazônia, defensores do petróleo no Brasil “até a última gota” deveriam pelo menos considerar as mudanças climáticas.
2 de abril de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.
petrobras leilão junho
LUPA

Abril promete ser decisivo para o futuro da exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas e, por consequência, para o clima do planeta. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, estão fazendo de tudo para que o IBAMA dê a licença para a petroleira perfurar um poço no bloco FZA-M-59, no litoral do Amapá, ainda neste mês – pressão que tem as bênçãos do presidente Lula.

Também será em abril que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) divulgará as áreas do leilão que fará em 17 de junho. Havia 47 blocos na foz na lista inicial; se alguma petroleira manifestou à ANP interesse nessas áreas – e é quase certo que pelo menos a Petrobras fez isso –, elas estarão à disposição das empresas. Essas, por sua vez, estão de olho na licença do bloco 59, que poderá definir o que farão na licitação.

Ou seja: ao contrário do que dizem Silveira, Magda e Lula, não se trata apenas de um bloco para pesquisa. Trata-se da viabilidade de toda uma licitação, no caso do Brasil, e da continuidade dos planos fósseis da petroleira brasileira – e de outras petroleiras interessadas em explorar petróleo e gás fóssil na Amazônia.

Isso explica porque a artilharia do governo sobre o IBAMA ganhou força desde fevereiro, com Lula dizendo que o órgão parece agir “contra o governo”. Nas últimas semanas os ataques foram liderados por Silveira e se intensificaram. Mas não foi só acusando o órgão ambiental de “crime de lesa-pátria” e de “falta de coragem” de seu presidente, Rodrigo Agostinho, que o ministro mostrou o que pensa do órgão ambiental e da legislação ambiental brasileira.

Basta ver a agenda regulatória do MME para o período 2025-2027, divulgada na semana passada. Uma das propostas, a ser trabalhada ainda neste ano, é a “revisão de portarias interministeriais que tratam da regulamentação de manifestações conjuntas [MC] e de Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares [AAAS], bem como definição de diretrizes para eventual dispensa para sua aplicação”. 

Na prática, essa proposta quer abolir acordos feitos com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) que mexem diretamente com a oferta de blocos para exploração de combustíveis fósseis no país. Se isso acontecer, vai se “abrir a porteira” para que áreas em regiões ambientalmente sensíveis sejam colocadas à venda em leilões da ANP. Isso inclui não só a foz do Amazonas como as bacias do Pará-Maranhão, de Barreirinhas, e mesmo blocos retirados de ofertas anteriores por causa da sensibilidade ambiental, como aqueles localizados próximo ao Atol das Rocas e de Fernando de Noronha. Nesse sentido, a prática não é muito diferente do “passar a boiada” do governo Bolsonaro.

A marcha a ré proposta pelo MME, portanto, não é apenas em clima – é também em biodiversidade, segurança ambiental e respeito às populações locais. O que está sendo proposto é um suco concentrado dos modelos predatórios vigentes até o século passado. Um retrocesso em todos os sentidos que, como análises econômicas já mostraram, não fica em pé nem em termos de lucratividade.

Já a Petrobras tenta determinar quando o IBAMA deve trabalhar. Primeiro propôs que técnicos do órgão ambiental visitassem o centro de estabilização da fauna que está construindo em Oiapoque no dia 7 de abril – a estatal chegou a dizer que a unidade era “a última exigência” do IBAMA e que a licença não poderia ser negada com sua conclusão. E Magda Chambriard disse esperar que a Avaliação Pré-Operacional (APO) – uma simulação de vazamento de petróleo exigida na fase de licenciamento – seja autorizada também neste mês.

Opinião técnica? Não. Apenas vontade. E uma clara confusão de papéis: embora a Petrobras já tenha sido uma estatal, ela não é 100% do governo – pelo contrário, 60% de seus acionistas são privados –, e não pode agir como tal. Inclusive porque, como o afã para liberar a exploração de petróleo na foz do Amazonas não deixa dúvidas, a empresa não está preocupada com o bem-estar dos brasileiros, com as seguranças alimentar ou energética do país, mas sim com o lucro de curtíssimo prazo para seus acionistas e a cadeia da construção e infraestrutura envolvida na fase de instalação dos equipamentos. A empresa não está preocupada sequer com a manutenção dos lucros nos médio e longo prazos, como análises já demonstraram.

No mesmo dia em que a presidente da Petrobras expressou seu desejo sobre a foz, a Agência Lupa divulgou um levantamento mostrando que a petroleira é disparada a líder em infrações ambientais no país nos últimos 25 anos. A empresa que propagandeia a segurança de suas operações recebeu uma multa do IBAMA a cada três dias nessas duas décadas e meia. Foram 2.700 multas recebidas do órgão ambiental entre 2000 e 2025, uma média de 108 autuações por ano. É essa a empresa que tenta garantir segurança operacional para operar na foz do Amazonas, onde já interrompeu a perfuração de um poço por causa de um acidente em 2011. 

Os defensores da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota” não ligam para a sensibilidade ambiental da Amazônia e para os riscos operacionais da região. Mas deveriam pelo menos dar atenção às mudanças climáticas. A ciência já provou que é urgente eliminar os combustíveis fósseis para estancá-las, já que a principal causa dessa crise é a queima de petróleo, gás fóssil e carvão. Um preço alto que todos pagam, principalmente os mais pobres, e que não há royalty que compense.

A crise climática vem aumentando a frequência e a intensidade de eventos extremos em todo o mundo. Além das perdas humanas, esses eventos estão afetando o cotidiano das pessoas. E também a produção de alimentos. Se os produtores do Sul estão perdendo suas lavouras ano após ano, se o ovo está caro, se o café está caro, se o chocolate está caro, se o azeite está caro, essa elevação de preços tem relação com as mudanças do clima. E o petróleo tem culpa direta nisso.

Todos estão pagando mais, enquanto a indústria petrolífera aumenta seus lucros, que enriquecem apenas seus acionistas. Já a inflação climática alimentada pelos combustíveis fósseis dói no bolso principalmente dos mais pobres. Mais uma prova de que o petróleo não traz a “riqueza” e o “desenvolvimento” que seus defensores prometem, mas não entregam.

A Petrobras claramente não está pensando no Brasil. Por isso, o governo precisa pensar no que é melhor para o nosso país e para a população brasileira, em vez de sucumbir a interesses políticos e econômicos insustentáveis, tanto financeiramente como para o clima do planeta.

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