
Milhares de metros cúbicos de madeira retirados ilegalmente de propriedades no Pará foram comercializados para empresas no exterior utilizando documentação de outras áreas com exploração legalizada. De acordo com uma nova investigação internacional da Environmental Investigation Agency (EIA), cerca de 53 mil m3 de madeira em condição suspeita, suficientes para encher 1.828 contêineres marítimos, foram vendidos entre 2019 e 2024 para compradores em países como Estados Unidos, Bélgica e França.
O esquema criminoso de “lavagem de madeira” envolve pelo menos 19 madeireiras paraenses, sendo que 12 delas já possuem autuações por crimes ambientais no passado pelo IBAMA, além de 16 empresas exportadoras, 14 delas também com histórico de multas ambientais. Do outro lado da cadeia, a investigação identificou 30 empresas compradoras, sediadas nos EUA e na Europa.
Os investigadores cruzaram dados públicos das autorizações de extração de madeira concedidas pelo governo paraense com imagens aéreas das florestas onde houve, ou deveria haver, a extração. A partir disso, eles identificaram quatro áreas com evidências de ilegalidade.
Em duas, a pesquisa revelou a venda de madeiras registradas como oriundas de propriedades onde as imagens mostram florestas intactas. Já nas outras duas áreas, identificou-se que a extração foi realizada, mas em desrespeito às regras que regulam a atividade.
Entre as espécies de árvores com madeira comercializada de forma ilegal estão ipê-roxo, ipê-amarelo, itaúba, cumaru, maçaranduba e angelim-pedra. Segundo a investigação, a “lavagem” dessa madeira acaba sendo facilitada pelo fato dos documentos de comprovação de origem dos lotes serem autodeclaratórios.
“[As madeireiras] conseguem driblar o rastreio legal. O guia [que demonstra a origem da madeira] é declaratório, então pode mentir”, afirmou Chris Moye, gerente do programa EIA América Latina e coautor do estudo, ao jornal O Globo. “Se houvesse um aplicativo, com GPS, para identificar o local onde houve a extração, como obrigação para a declaração, seria muito mais difícil driblar isso.”
Ao mesmo tempo, a investigação mostrou que as regras mais rígidas para a importação de madeira, especialmente nos países da União Europeia, não são efetivas para garantir a legalidade da origem do material. “A lei internacional hoje já força isso, mas não está sendo cumprido. Então os mercados internacionais também têm culpa”, disse Moye.
Em tempo: Um levantamento feito pela Lupa a partir dos números dos autos de infração do IBAMA por crimes ambientais na Amazônia entre 2000 e 2025 revelou um dado preocupante: cerca de 88 mil multas foram aplicadas a empresas e pessoas físicas, sendo que 96% das infrações com motivação identificada foram intencionais.