
A compensação financeira cobrada sobre a produção de petróleo e gás fóssil, conhecida como royalties, costuma ser apontada como “A” solução para os cofres públicos no Brasil – embora a experiência nacional comprove que tais recursos não resolveram graves problemas econômicos e sociais criados pela indústria petrolífera.
Num momento em que a pressão pela exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas é crescente – o que inclui não só a licença do IBAMA para a Petrobras no bloco FZA-M-59, mas também a oferta de 47 blocos no próximo leilão da ANP, em junho – e é engrossada por lideranças políticas regionais, um estudo publicado na Perspectives in Ecology and Conservation mostra um caminho para “cobrir” a possível receita do petróleo: um fundo de “royalties verdes”, de cerca de US$ 20 bilhões, informa Daniela Chiaretti no Valor.
A proposta foi elaborada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em coautoria com cientistas do Museu do Amanhã, PUC-Rio e UFRJ. Pelos cálculos dos cientistas, se aportados ao fundo, os US$20 bilhões gerariam rendimentos anuais de US$ 2,2 bilhões, considerando uma taxa Selic de 11,25%. Um valor suficiente para remunerar estados e municípios na mesma medida dos royalties esperados – e sem precisar extrair uma só gota de petróleo [se houver] na foz do Amazonas.
Para chegar a essas cifras, os pesquisadores consideraram a produção de 10 bilhões de barris de petróleo em 27 anos de exploração na região. Considerando um valor de US$ 67 por barril, baseado na média das projeções de 2030 a 2050, os lucros seriam de US$ 24,8 bilhões anuais. Cobrando a taxa de 15% sobre tal valor (que corresponde à fatia dos royalties), a receita com a compensação seria de US$ 3,7 bilhões, sendo US$ 2,2 bilhões para estados e municípios e US$ 1,5 bilhão para o governo federal.
Pesquisador do IPAM e principal autor do estudo, Álvaro Batista argumentou que o fundo de royalties verdes considera que o governo federal abriria mão de sua parte, e por isso seria de US$ 20 bilhões. “É uma postura esperada, se o Estado brasileiro entende que a exploração de petróleo vai na contramão de suas responsabilidades com a população em clima, condições de vida e produção agropecuária”, explicou.
A análise mostra que os royalties verdes são estáveis a longo prazo, enquanto os lucros obtidos com a venda de barris de petróleo tendem a cair com a redução da produção e flutuações no preço – sobretudo se lembrarmos a projeção da Agência Internacional de Energia (IEA) de queda progressiva na demanda a partir de 2030, antes mesmo do início de uma suposta exploração na foz do Amazonas.
“Em um mundo que busca reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis, a tendência é que o preço do petróleo caia. A proposta prevê o fornecimento de recursos a estados e municípios de maneira estável e permanente”, reitera o estudo.
Além de propor os “royalties verdes”, o estudo comprovou que a receita do petróleo não gera o desenvolvimento socioeconômico esperado nas regiões onde há sua exploração. Para isso, analisou os resultados do pagamento de royalties do petróleo ao estado do Rio de Janeiro, que tem 80% das reservas offshore do país.
Entre 2014 e 2023, dez cidades do Rio concentraram 63% dos US$ 10 bilhões em royalties recebidos pelo Estado. E somente duas delas – Maricá e Campos dos Goytacazes – tiveram algum progresso no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Quanto ao aporte no fundo de royalties verdes, os pesquisadores sugerem que o Tesouro Nacional poderia contribuir com um capital semente. A partir desse passo inicial, poderia convidar outros países, além de fontes de capital privadas, para se unirem ao esforço brasileiro.