
O presidente Lula insiste em associar petróleo a riqueza e desenvolvimento. Mesmo diante de exemplos tão claros, no Brasil e em todo o mundo, de que os combustíveis fósseis geram concentração de renda e riqueza para poucos e prejuízos sociais e ambientais para todos, principalmente para a população mais pobre. E ele ainda minimiza os imensos riscos ambientais de se explorar petróleo na foz do Amazonas.
Em entrevista ao jornal francês Le Monde, repercutida por Brasil 247, Terra e Diário do Centro do Mundo, Lula defendeu o direito do Brasil de explorar seus recursos naturais – leia-se “petróleo”. Segundo o presidente, o Brasil não renunciará a uma riqueza importante para o seu desenvolvimento, enquanto outros como França, Reino Unido, Noruega e Estados Unidos o fazem.
“Ouça: França, Reino Unido, Noruega e Estados Unidos também produzem petróleo. E o Brasil tem a matriz energética mais limpa do mundo: 90% da nossa eletricidade vem de fontes renováveis. O Brasil não abrirá mão de um recurso fundamental para seu desenvolvimento. Para o Brasil, é justamente a receita do petróleo que permitirá financiar nossa transição energética”, disse o presidente.
A cobrança de Lula aos países desenvolvidos é pertinente e obrigatória. São eles que primeiro exploraram e mais queimaram combustíveis fósseis, e por isso são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. Mas, sabendo-se da crise do clima, amplamente comprovada por cientistas, repetir o modelo de desenvolvimento das nações ricas, baseado na exploração de recursos naturais até seu fim, é suicídio climático. Mas é o que o presidente propõe.
Além disso, o presidente repete que será o dinheiro do petróleo que financiará a transição energética brasileira. O que não procede, como mostra um levantamento de Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do ClimaInfo. Para piorar, ao ser indagado sobre explorar petróleo na foz, Lula minimizou os impactos e riscos operacionais do poço que a Petrobras quer perfurar no bloco FZA-M-59.
Sem ser especialista em meio ambiente, o presidente disse que se houvesse o menor risco seria o primeiro a se opor à perfuração. E voltou a repetir a falácia de que o bloco 59 é “muito longe da foz do Amazonas”. Como se o estrago ambiental e climático se resumisse à saída do rio. “A perfuração ocorrerá a 500 quilômetros do Delta do Amazonas e não haverá problemas. E se houvesse o menor risco, eu seria o primeiro a me opor a tal projeto!”, disse.
Segundo Lula, a Petrobras possui expertise reconhecida internacionalmente em exploração de águas profundas e jamais enfrentou um acidente grave, o que é uma inverdade: lembremo-nos do vazamento de 1,3 milhões de litros de óleo combustível na Baía de Guanabara no ano 2000, do derrame de quatro milhões de litros de petróleo no rio Iguaçu no mesmo ano, da perda total da P-36 em 2001 e do recente Incêndio na plataforma PCH-1 de abril deste ano, entre muitos outros.
Lula repete a visão míope focada apenas na perfuração de um poço de exploração. Mas a foz do Amazonas, com correntes fortíssimas, já fez a petroleira não conseguir perfurar um poço em área próxima ao bloco 59 – portanto, “a 500 km do delta do Amazonas”, como disse o presidente. A tentativa provocou vazamento de fluidos no mar da região. Vazamento pelo qual a Petrobras nunca pagou. Sem falar no histórico de multas e no recorde de acidentes em instalações marítimas de exploração e produção.
Mas a pressão política pelas supostas megarreservas de petróleo da foz, comandada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e pela presidente da Petrobras, Magda Chambriard, e com o apoio de Lula e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mexeu também com os ritos do IBAMA.
A direção do órgão ambiental usou um parecer alternativo para autorizar a petroleira a realizar no bloco 59 a Avaliação Pré-Operacional (APO), espécie de simulação de vazamento de petróleo e medidas de contenção e resgate da fauna. Algo que técnicos do IBAMA não recomendaram.
Pessoas que acompanham o assunto afirmaram à Folha que a contradição não desrespeita a burocracia interna do órgão, mas a tramitação foge do usual. A íntegra da tramitação do processo revela que, para liberar a APO, o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, lançou mão de um novo parecer, assinado por uma diretoria e uma coordenação do órgão, como apontou o Sumaúma.
O documento chega a citar o entendimento anterior do corpo técnico, que recomendou a rejeição do plano da Petrobras, mas conclui pela aprovação, em uma decisão classificada como “alternativa”. Resultado: além de aprovar o Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF), em detrimento da recomendação técnica, Agostinho autorizou a APO – que a Petrobras quer fazer em 14 de julho.
Em tempo: Ontem (4/6), o IBAMA realizou a vistoria da sonda NS-42, plataforma contratada pela Petrobras para perfurar o poço no FZA-M-59, na foz do Amazonas, informam Agência Infra e eixos. Em abril, o navio passou por limpeza para a desincrustação de coral-sol na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. É uma medida obrigatória para a navegação em áreas onde esta espécie invasora não está instalada, como na costa do Amapá, onde está o bloco 59.