Foz do Amazonas: muitas emissões, nenhuma transição energética

Petróleo da Margem Equatorial vai jogar cinco anos de desmatamento no ar. E dados históricos mostram que seu dinheiro não financiará transição.
5 de junho de 2025
  • Alexandre Gaspari, Jornalista no ClimaInfo
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Vários argumentos são usados na defesa da exploração de combustíveis fósseis na Foz do Amazonas e nas outras bacias da Margem Equatorial. Em relação às emissões de gases de efeito estufa, defensores da produção de petróleo no Brasil “até a última gota” repetem que o maior problema do país é o desmatamento, não a energia. Quanto ao dinheiro, dizem que o Brasil precisa dos recursos dos combustíveis fósseis para sua transição energética – algo reforçado pelo próprio presidente Lula

Mas nada disso procede. Pesquisador do ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr. estima o imenso impacto da queima dos combustíveis fósseis da Foz do Amazonas e de toda a Margem Equatorial, com base nas reservas esperadas para essa região. E comprova que, se depender da renda do petróleo, a transição energética brasileira ficará a ver navios.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que haja cerca de 10 bilhões de barris de petróleo na Foz do Amazonas. Considerando também as demais bacias da Margem Equatorial – Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar –, o volume seria de 30 bilhões de barris, ainda segundo a EPE.

A partir desses volumes, Watanabe Jr. calculou que a exploração da Foz emitiria 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – mais de duas vezes o que o Brasil emitiu em 2023, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de GEE (SEEG), do Observatório do Clima (OC). Já a queima do petróleo e gás fóssil de toda a Margem lançaria 13,5 bilhões de toneladas de CO2e na atmosfera. Mais do que o país emitiu nos últimos cinco anos, incluindo o desmatamento, o principal vetor das emissões brasileiras, mas também agropecuária e energia.

Em resumo: as mudanças climáticas vão continuar piorando com a exploração de petróleo e gás fóssil na Foz e nas outras bacias da margem. Nenhum lucro e muitos prejuízos.

Quanto à renda do petróleo, apenas 0,06% dos recursos do Fundo Social entre 2018 e 2023 foram aplicados em projetos de transição energética. Alimentado por dinheiro do petróleo e gás, o Fundo Social destina uma parte [ínfima] de seus recursos ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Que, por sua vez, aplica o que recebe em projetos de clima e de transição energética.

Além disso, o mesmo governo que diz que o dinheiro do petróleo é necessário para a transição energética continua sem apresentar um plano para essa transição. O Ministério de Minas e Energia (MME), liderado por Alexandre Silveira e responsável por liderar a elaboração desse plano, está mais interessado em explorar petróleo “até a última gota”. Sem falar na expansão das termelétricas a gás fóssil, outro objetivo do MME que passa longe do abandono dos combustíveis fósseis.

O desprezo governamental em aplicar recursos para a transição também pode ser verificado no Orçamento Geral da União. O orçamento de 2025 passou pelo Congresso e prevê receitas totais de R$ 5,89 trilhões. Há uma rubrica para a transição energética, na qual foram alocados pouco mais de R$ 1,9 bilhão, o que corresponde a 0,03% do total. “Esta é a importância da transição para o governo: zero vírgula nada”, frisa Watanabe Jr..

Com números tão óbvios e disponíveis para qualquer pessoa – os cálculos foram feitos com base em dados públicos e amplamente divulgados –, por que os defensores da exploração de petróleo no Brasil até a última gota insistem nessas falácias? Quais interesses estão por trás dessas argumentações tão vazias? 

Daqui a alguns dias, em 17 de junho, mais petroleiras, além da Petrobras, poderão avançar com projetos de exploração de combustíveis fósseis na Foz do Amazonas, no mais novo “leilão do fim do mundo” promovido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ações judiciais do Ministério Público Federal (MPF), do Instituto Arayara e da Federação Única dos Petroleiros (FUP) tentam impedir a oferta de 47 blocos na região. Mas é grande a possibilidade da ANP continuar pisando fundo no acelerador em direção a  um futuro ainda mais fóssil.

O governo federal reforça esse futuro fóssil. E em várias frentes. Parte significativa do Planalto não só defende a exploração de petróleo e gás fóssil na Foz como aumenta a pressão sobre o IBAMA pela licença para a Petrobras perfurar um poço no bloco FZA-M-59. Uma autorização que poderá ser emitida em julho, a poucos meses da COP30. 

Nada mais negativamente simbólico do que liberar a exploração de combustíveis fósseis na Amazônia na véspera da primeira conferência climática da ONU na região. E que tem planos de discutir, entre outros temas, a implementação de um calendário de eliminação dos combustíveis fósseis, uma urgência no árduo trabalho de conter as mudanças climáticas.

O governo que usa o desmatamento para justificar o aumento da exploração de petróleo no país é também o que propagandeia ter metas climáticas “ousadas”. Como os combustíveis fósseis extraídos da Foz não serão queimados aqui – afinal, hoje o Brasil já é exportador líquido de petróleo e quer o petróleo da Margem Equatorial para exportar ainda mais –, as emissões brasileiras serão preservadas se o país conseguir atingir o desmatamento zero até 2030, como almeja. Mas o clima do planeta não, já que a atmosfera não é dividida em “caixinhas”. 

Queimados em São Paulo, no Amapá, na China ou na Europa, os combustíveis fósseis, sejam de onde forem, vão causar estragos em todo o planeta. Esperava-se que a tragédia climática do Rio Grande do Sul e a inflação dos alimentos provocada por mudanças do clima, entre outros eventos extremos, tivessem sido uma boa lição para o governo brasileiro. Mas isso não aconteceu. E no fim, a conta será paga por toda a população brasileira, principalmente pelos mais pobres.  

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