
A Chapada Diamantina, na Bahia, conhecida por sua beleza natural, agora é um dos destinos preferidos de empresas de energia renovável, e isto é um pesadelo para Comunidades Tradicionais, pesquisadores e ativistas da região.
Já são 529 empreendimentos eólicos e solares aprovados, dos quais 238 já estão em operação. O número corresponde a 43% dos empreendimentos de toda a Bahia. Em relação à capacidade, os 13 GW lá instalados representam 61% da potência eólica e solar instalada em todo o estado.
Em março, a repórter Geovana Oliveira e a repórter fotográfica Rafaela Araújo, da Folha, visitaram seis cidades da região. E constataram que, com a rápida expansão das renováveis, moradores de Comunidades Tradicionais reclamam que as empresas chegaram sem diálogo nem informações claras, com obras de estradas que causam rachaduras nas casas e pressão para a instalação dos empreendimentos. O que comprova a urgência de se respeitar salvaguardas socioambientais, que já foram reunidas em um guia elaborado por comunidades do Nordeste impactadas pelos projetos.
Há mais motivos para insatisfação. Entre eles estão o desmatamento desmedido, a promessa de empregos que não se concretiza, a restrição de Áreas Tradicionais usadas para fins econômicos, o ressecamento de rios, além de alterações no modo de viver, doenças respiratórias e psicológicas.
No município de Piatã, o agricultor Delci Moreira, de 53 anos, mostrou à Folha o que aconteceu na comunidade de Lagoa de Bastos desde a chegada do parque eólico da Pan American Energy (PAE) na região. Ele é chamado pela empresa como o “pai do menino”. Em uma vala de drenagem de chuva construída pelo empreendimento, seu filho de 13 anos ficou soterrado até a cintura durante uma brincadeira com amigos no ano passado. Um deles, Paulo Gustavo, de mesma idade, foi soterrado até o pescoço e morreu sufocado.
“Eles (da PAE) vêm dizer que não foram os responsáveis. Como não, se isso não existia antes?”, disse Moreira, que contou que a vala foi aberta na construção da estrada em 2023 para a passagem de equipamentos. Como a comunidade era contra, a PAE prometeu fechar a via ao final das obras, o que não foi cumprido.
“Vi meu filho todo cheio de terra, na cabeça só tinha limpo o olho. Vi meu filho morto. Quando arribei a cabeça dele… não suportava”, contou Ilza Oliveira, 57, mãe de Paulo Gustavo. Ela afirma que não recebeu visita dos executivos da PAE, que também não ofereceu auxílio psicológico.
Os moradores de Lagoa de Bastos vivem da agricultura familiar em uma região com pinturas rupestres, nascentes de água e a árvore Gameleira. Em 2013, sem saber, entraram no primeiro Atlas Eólico da Bahia, iniciativa do governo para anunciar os recursos eólicos e atrair empresas. Dez anos depois chegou a PAE, empresa de gás argentina, com investimento de R$ 3 bilhões para construir parques eólicos em seis cidades da região, incluindo Piatã.
Além da morte de Paulo Gustavo, moradores relataram os impactos sofridos desde a ampliação das estradas para a passagem de veículos pesados, o que provocou rachaduras nas casas. “Foram embora e deixaram o prejuízo”, diz Adilson Pereira, 47. A casa dele ficou com rachaduras após as obras.
A notícia sobre a usina da PAE ter levado empregos à comunidade, segundo Adilson, não procede. “Não teve emprego para todo mundo, só para alguns mais jovens”, disse. Já Isabel dos Anjos, 75, afirma que não tem paz. “Quando está seco, é poeira demais. Quando está chovendo, fica um lameiro, não consigo andar”.
Se tem poeira em excesso, falta água. Apesar dos grandes investimentos na região, a comunidade não recebe água encanada suficiente, e as nascentes que a abasteciam estão secando.
Em tempo: O avanço de projetos de fontes renováveis sobre Comunidades Tradicionais foi tema do 1º Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Renováveis (MAR), no final de maio, em Lagoa Seca, na Paraíba. O encontro abordou a falta de diálogo com os governantes e discutiu o que pode ser feito nos territórios diante desse avanço, informa o Correio da Bahia. “Vejo a história da colonização se repetir, com nossas mulheres sendo ludibriadas pelos homens que chegam com estes empreendimentos como novas formas de estupro”, protestou Sara Payayá, de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina.