Sem transição, energia renovável ou justiça

Petrobras investe pesado em campanha publicitária sobre transição energética justa, mas ações e números escancaram que não há transição: foco continua em petróleo e gás.
2 de julho de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo

Quem entrou nas redes sociais e viu o horário nobre da TV aberta nos últimos dias pôde assistir a uma bela campanha publicitária da Petrobras tentando convencer a população de que a petroleira é “líder na transição energética justa” (TEJ). Não é de hoje que a empresa tenta colar sua imagem à TEJ. Mas as ações e os números da empresa mostram que não há transição ou justiça nos planos da empresa. Seja com quem ainda vive em pobreza energética, seja com seus trabalhadores e trabalhadoras, seja com o clima do planeta. 

Antes de mais nada, vamos relembrar uma premissa básica: não existe justiça climática com a queima de combustíveis fósseis. Eles são os principais responsáveis pelas mudanças que estamos vendo no clima, com consequências trágicas para as populações  mais vulneráveis. As recentes imagens de gaúchos com os pés na água nesta onda de frio glacial, alijados de seus lares e assolados por uma enchente naquela que deveria ser a estação seca, não deixam dúvidas sobre isso.

Uma transição justa, portanto, precisa ser uma transição para longe dos combustíveis fósseis, considerando, nesse processo, os direitos dos trabalhadores e a necessidade de inclusão energética da parcela da população que permanece sub ou nada atendida. Nada disso, no entanto, está no radar da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, uma entusiasta da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”. Sempre que pode, a executiva afirma que é preciso explorar mais combustíveis fósseis, mesmo em regiões de altíssima sensibilidade ambiental como a Foz do Amazonas. 

Para justificar sua posição, Magda argumenta que é preciso repor as reservas do país, sob o risco de o Brasil voltar a importar petróleo. Ignora, assim, que as reservas brasileiras já são suficientes para abastecer o mercado interno até quase 2040, diante da projeção de queda da demanda global – afinal, a transição energética, felizmente, está andando bem em outras partes do mundo. E também que um freio nas exportações brasileiras de óleo cru já seriam suficientes para garantir com folga temporal ainda maior o abastecimento interno. Ignora também o imenso potencial do território brasileiro para fontes renováveis, como eólica e solar.

Em tempos de crise climática e pressão crescente pela eliminação dos combustíveis fósseis como solução para conter eventos extremos do clima cada vez mais frequentes e intensos, a petroleira Petrobras foi cobrada para se transformar numa empresa de energia. Para isso, criou há dois anos uma Diretoria de Transição Energética e Sustentabilidade e ampliou nominalmente os investimentos em descarbonização. 

No entanto, a diretoria não fez nada de efetivo rumo à transição energética. Aliás, seu comando está vago há cerca de dois meses, desde que Maurício Tolmasquim deixou o cargo e o indicado de Magda, William Nozaki, não foi aprovado pela área corporativa da empresa por não cumprir requisitos para a função. Além disso, os recursos prometidos para projetos “de baixo carbono” continuam sendo só promessa, e não “viram a chave” para a energia necessária – renovável – para conter a crise climática do planeta.

O que a Petrobras, então, decide fazer pela transição energética? Ganha um doce quem disser “greenwashing”. Em vez de assumir compromissos firmes de eliminação dos combustíveis fósseis e aumento dos investimentos em fontes renováveis de energia, como eólica, solar e biocombustíveis, a petroleira achou mais válido despejar dinheiro em belos vídeos e imagens em redes sociais e na TV aberta dizendo-se “líder” da TEJ no Brasil.

Mas as ideias da campanha da Petrobras não correspondem aos fatos e aos números. A estatal é cada vez mais uma petroleira e se coloca cada vez mais distante de uma empresa de energia. Se nas propagandas a empresa fala o que quer e tenta nos convencer do que quer parecer, nos documentos oficiais ela mostra de fato quem é. 

Eis alguns exemplos:

  • O Plano de Negócios 2025-2029 da Petrobras prevê investimentos de US$ 111 bilhões nesse período temporal, sendo quase 90% para exploração, produção e processamento de petróleo e gás fóssil.
  • A petroleira planeja investir US$ 16.3 bilhões no que chama de “transição energética”. Cerca de um terço (US$ 5,3 bilhões) deverão ser aplicados em “mitigação de emissões”, ou seja, em descarbonização de suas operações. Os US$ 11 bilhões restantes estão previstos para “energias de baixo carbono”, “bioprodutos” e “pesquisa e desenvolvimento”. Porém nada disso saiu do papel até agora.
  • Em abril, a Petrobras disse em um documento a investidores protocolado na Securities Exchange Commission (SEC), regulador do mercado de ações dos Estados Unidos, onde a companhia também atua, que os investimentos em projetos de transição energética podiam impactar negativamente os resultados financeiros da empresa. Ou seja, fontes renováveis dão prejuízo, na visão da companhia.
  • Apesar das projeções da demanda global por petróleo e derivados apontarem a proximidade de seu pico e, também, que esta deve começar a cair a partir de 2030, a Petrobras insiste em investir em novas refinarias para processar petróleo. Já anunciou a ampliação da RNEST, em Pernambuco. E investirá R$ 20 bilhões em novas unidades de refino e processamento de gás fóssil no Rio de Janeiro, no Complexo de Energias [????] Boaventura (ex-Comperj).
  • Não satisfeita em insistir na exploração do bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, a Petrobras ainda arrematou em parceria com a Exxon mais 10 blocos exploratórios na região, no “novo leilão do fim do mundo” promovido em meados de junho pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ativos que podem ficar encalhados com a tendência de redução do consumo de combustíveis fósseis e causar um baita prejuízo à estatal e também aos cofres públicos, como mostra um estudo recente do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD), World Benchmarking Alliance (WBA) e WWF-Brasil. Sem falar no altíssimo risco ambiental dessa região.

Até mesmo trabalhadores e trabalhadoras da Petrobras já cobraram da empresa ações efetivas rumo à transição energética. É a garantia de realocação e requalificação desses profissionais, aliás, que torna esse processo “justo”, assim como o respeito a comunidades atingidas por projetos e ao meio ambiente.

A diretoria da Petrobras ainda costuma usar a falta de acesso à energia por parte da população brasileira como justificativa para explorar mais combustíveis fósseis. Mas não tem nada de justo usar a pobreza energética, um problema grave que precisa ser resolvido urgentemente, como desculpa para continuar investindo em uma atividade que as prejudica por conta de seu efeito sobre o clima e sobre a saúde. 

Não custa lembrar que a queima de combustíveis fósseis, especialmente o diesel usado no transporte e em geradores de energia, é a principal fonte dos materiais particulados que turbinam doenças respiratórias. E o acesso à energia pode ser garantido com alternativas renováveis e até mais baratas e sem danos à saúde pública. Isso, sim, é uma transição justa.

A Petrobras tem tudo para de fato ser uma líder na transição energética justa que o Brasil tanto precisa. Mas não é com belas campanhas publicitárias que a empresa conseguirá isso. É com mão na massa, investindo mais em fontes renováveis e eliminando os recursos para combustíveis fósseis. E também cobrando do governo, seu acionista controlador, um plano efetivo de transição, que tenha focos e objetivos bem definidos e seu papel nesse processo. Nem vídeos ou belas imagens são capazes de mudar essa realidade.

PS: O Ministério de Minas e Energia (MME) diz que transição energética “consiste em passar de uma matriz de fonte de energia que utiliza combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão, que são grandes emissores de CO2 na atmosfera, para fontes renováveis, como sol, água, vento e biomassa, que emitem menos gases de efeito estufa”. Seria importante que o ocupante da pasta, Alexandre Silveira – outro entusiasta do petróleo e do gás  – também parasse de defender a falácia da transição à sua maneira.

Continue lendo

Assine Nossa Newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Desafios e soluções

Aqui você terá acesso a conteúdo que permitirão compreender as consequências das mudanças climáticas, sob os pontos de vista econômico, político e social, e aprenderá mais sobre quais são os diferentes desafios e as possíveis soluções para a crise climática.
15 Aulas — 7h Total
Iniciar